
Desde que eu me conheço por vinho, a Importadora KMM era comandada por Ken Marshall, um simpático australiano que, embora tenha morado muitos anos aqui no Brasil, não falava nem "bom dia" em português e seu forte sotaque do outro lado do mundo me impedia de entender a metade do que ele dizia. A comunicação era difícil...
Agora tudo ficou mais fácil, pois Ken decidiu voltar para casa e vendeu sua parte na importadora para a sócia Marli Predebon (à direita, com o produtor Andrew Calabria), uma gaúchinha bem-querer nascida na fronteira com o Uruguai e que fala a mesma língua que eu. O antigo sócio continua como consultor da empresa, selecionando os vinhos lá na terra dos cangurus, mas é Marli que agora encilha os cavalos na KMM.
Esta importadora, em nossos levantamentos de preços, costuma frequentar o indesejado quartil superior da classificação, mas fontes fidedignas me revelaram que a nova proprietária não quer mais continuar vivendo dessa maneira. Ótimo, só a vontade já é o primeiro passo.
A KMM sempre apostou em rótulos de fina estampa, de topo de linha e, consequentemente, de preços proibitivos para a maioria dos mortais, dificultando seu acesso a nossas taças. Mas parece que a história agora está começando a mudar.
Na degustação-almoço oferecida no Salitre de Ipanema, o mote era o lançamento da linha Poker Face, da vinícola Westend Estate, localizada em Riverina. Mas isso era só uma desculpa, pois dos 15 vinhos apresentados, apenas 3 estampavam esse nome no rótulo. Os outros exibiam as demais linhas da vinícola.
A Westend Estate foi fundada em 1945 pelo imigrante italiano Francesco Calabria e se mantem até hoje como uma vinícola familiar, com uma produção anual de 1,8 milhões de garrafas. Já por 40 anos, o comando da empresa está nas mãos do filho de Francesco, Bill Calabria, que ironicamente é portador de uma rara alergia a vinhos! Como pode?!?
A Poker Face é uma das linhas de entrada cujos rótulos Sémillon-Sauvignon Blanc, Shiraz Rosé e Cabernet-Merlot oferecem boa qualidade com preço acessível (R$48,00) e quem veio apresentá-la foi Andrew Calabria, da nova geração da família.
Nada pode me trazer mais alegria, nos dias atuais, do que conhecer novas castas. E este encontro me trouxe duas surpresas. Uma delas, eu até já havia bebido há alguns anos, mas a outra era uma ilustre desconhecida.
A primeira foi a Durif, uma casta de origem controversa, mas que as modernas análises de DNA mostraram ser um cruzamento natural de Peloursin com Syrah, nascida no leste da França. Atualmente, ela está praticamente extinta em sua terra natal, mas faz sucesso na Califórnia onde, com o nome de Petite Sirah (sic), vem tendo um crescimento importante nos últimos anos. Experiências podem ser encontradas em outros poucos países e até no Rio Grande do Sul, segundo Jancis Robinson, a uva é plantada, muito embora eu não tenha notícia de que haja vinificação.
A Austrália é o segundo lar desta variedade e o vinho 3 Bridges Durif 2007 é um belo exemplo de como ela se sente à vontade por lá. O vinho estagia por 18 meses em carvalho americano e assusta com seus 15% de teor alcoólico, mas na taça revela-se sedutor, equilibrado, com cor profunda e boca suculenta.
A segunda novidade - esta sim, uma completa surpresa - foi uma tal de Saint Macaire, que compõe em 100% o vinho Calabria Private Bin 2008. Uva originária de Bordeaux, tem seu nome derivado da pequena e encantadora cidade medieval homônima. Na França, ela não existe mais e só pode ser encontrada na Califórnia e na Austrália. No entanto, Andrew nos contou que sua vinícola é a única no mundo que vinifica comercialmente, como varietal, esta uva. Floral, condimentado, com frutas maduras, é um vinho encorpado e aveludado e, por 89 reais, eu recomendo que se apressem a conhecer essa casta antes que ela desapareça de vez de nosso planeta.
Oscar Daudt
09/03/2013 |