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Santa Catarina é um estado com estilo europeu. Seus belos vales e serras constituem uma paisagem familiar para o enorme número de pessoas de diferentes locais da Europa, que migraram para a Santa e bela Catarina. Alemães e italianos constituem uma grande parte dessa herança cultural e, como aconteceu na Serra Gaúcha, as famílias italianas tiveram enorme influência no desenvolvimento dos vinhos catarinenses.
O interior do estado sempre foi produtor de vinhos, mas aqueles de estilo colonial, com uvas americanas, e houve também um ensaio inicial com vitis viniferas, fruto do sonho do advogado Edson Ubaldo de produzir seu próprio vinho, em 1981, na localidade de Campos Novos.
Mas, foi no início da década de 2000 que alguns empresários, aproveitando sua paixão pelo vinho, aliados à Epagri - Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de SC - e Embrapa, iniciaram a produção de vinhos finos na altitude de São Joaquim.
Mais precisamente, em outubro de 2003, foram abertas as primeiras garrafas, ensaios e vinhos sem rótulos ou marketing, apenas amostras do que estava por vir. Ali, pesquisadores, como Celito Guerra e Jean Pierre Rosier, jornalistas e empresários, como Zelindo Suzin e Dilôr Freitas, avaliavam o trabalho inicial e se surpreendiam com o resultado.
Essa foi a semente que criou um polo vitivinícola de qualidade e que nos proporciona belíssimos vinhos de altitude. |

O Planalto Catarinense e o Meio-Oeste, compreendendo as cidades de Bom Retiro, Campos Novos, São Joaquim, Água Doce e Tangará, entre outras, é conhecido pelo seu clima mais frio, altitudes que ultrapassam os 1.400m, temperaturas que caem abaixo de zero e frequente precipitação de neve no inverno.
É nesse território que existem vinícolas produzindo os melhores vinhos catarinenses. A altitude é sinal de qualidade em diversas regiões clássicas ao redor do mundo. Ela propicia uma maior amplitude térmica; a cada 150 metros acima do nível do mar temos uma redução em torno de 1º na temperatura e perde-se também cerca de 1% de gás carbônico, fazendo com que o metabolismo da videira seja mais lento.
A baixa pressão atmosférica e a maior proximidade do sol aumentam a evaporação da água, fazendo com que a seiva fique mais concentrada em nutrientes. Esses detalhes ajudam na maturação lenta e completa das uvas, fugindo dos períodos de maior precipitação de chuvas, entre janeiro e março, contribuindo para que a maturação fenólica seja muito boa e os níveis de açúcar atinjam os níveis desejados.
São Joaquim e suas proximidades ainda são as regiões que concentram os melhores resultados no modo geral. Localizada entre as latitudes 26º e 28º com uma altitude que varia entre 900 e 1.400 metros, possui solos jovens, com uma boa quantidade de pedras e cascalhos, de alta acidez e fertilidade baixa. O índice pluviométrico é de cerca de 1.500mm. |

Desde o início foram testadas diversas variedades viníferas e algumas obtiveram um excelente resultado. A predominância é de Cabernet Sauvignon, que pode sofrer um pouco com o clima frio da região. A Merlot sempre demonstrou ótimo resultado e o potencial da Sauvignon Blanc é incrível, com excelentes rótulos sendo produzidos por diversas vinícolas.
Os vinhos de corte Bordalês ainda são maioria, mas variedades italianas ganham força, com bons resultados com a Teroldego, Sangiovese e Montepulciano. Estas duas últimas são grandes apostas entre os enólogos da região, pois estão demonstrando enorme qualidade. Provei dois excelentes Malbecs, uva que gosta de altitude e aqui produz um tinto intenso e elegante, mas que precisa de muitos anos para ficar pronto. A Pinot Noir é uma casta difícil, meio temperamental, mas quando o clima ajuda pode produzir bons vinhos. |

O número de vinícolas cresce a cada ano. A ACAVITIS possui cerca de 30 associados e existem algumas outras empresas que não fazem parte desse quadro. Geralmente são empreendimentos criados por grandes empresários e profissionais liberais que têm a paixão pelo vinho e apostaram no terroir local. Grande parte ainda não possui uma cantina, um local para elaboração dos vinhos, e apenas cultivam as videiras e fazem parcerias ou usam as cantinas de vizinhos ou até mesmo de empresas gaúchas.
A primeira grande exceção e a pioneira a constituir um nome nacionalmente conhecido é a Villa Francioni, sonho do empresário Dilôr Freitas, e com certeza umas das vinícolas mais belas que já conheci. Através das mãos do grande enólogo Orgalindo Bettú, produz vinhos de diferentes estilos, com destaque para seu Rosé quase provençal, um Sauvignon Blanc excelente e um fantástico corte de Sangiovese, Cabernet Sauvignon e Merlot, chamado Michelli.
Duas das pioneiras na produção de vinhos na Serra e que estavam presentes em 2003 quando as primeiras garrafas foram abertas são a Quinta da Neve e a Suzin. A Quinta da Neve, empresa que surgiu com uma sociedade que incluía Adolar Hermann, da importadora Decanter, possui um ótimo Sauvignon Blanc e um belo Pinot Noir de grande tipicidade. A Suzin, hoje nas mãos de Everson Suzin, produz um Merlot frutado e típico, além de um grande vinho, corte de Merlot e Cabernet Sauvignon, que no seu nome homenageia o patriarca da família, Zelindo, fundador da empresa.
Algumas boas novidades estão surgindo, como a parceria de Antonio Saramago com a Villagio Grando e o seu Além Mar 2008, um corte de Cabernet Franc, Merlot e Malbec de grande expressão aromática. Os vinhos da Villagio Basseti, com destaque para o Montepioli 2009, e da jovem Abreu Garcia, também merecem ser degustados.
Os belos vinhedos em patamares próximos ao rio Lava-Tudo deixam o Douro mais perto do português Nazário dos Santos. A Quinta Santa Maria produz a linha Utopia com destaque para um delicioso Touriga Nacional chamado Purpurata.
Para não fugir do romantismo, temos em Florianópolis um vinho que vem chamando a atenção de todos por seu estilo e qualidade. É o projeto garagista da Quinta da Figueira, de Rogério Gomes, que, comprando uvas de São Joaquim, vem produzindo algumas preciosidades como o seu Lote II e o "supertoscano" Miramar. Os enófilos curiosos de plantão precisam conhecer esse vinho genuinamente "manezinho".
Outros destaques são: Pericó Basaltino Pinot Noir, Sanjo Núbio Sauvignon Blanc 2012, Panceri Nilo Teroldego 2006. Em Videira, a Santa Augusta está trabalhando com uma proposta biodinâmica e produz belos espumantes.
Ainda existem ótimos vinhos e muitas novidades chegando. Não posso citar todos os grandes vinhos, mas apenas os que me chamaram a atenção recentemente em degustações e jantares e com certeza cometi algumas omissões. |

O futuro da região se dará com o tempo e, assim como qualquer região vinícola do mundo, precisamos entender a natureza e sua alma.
As videiras ainda estão em fase de amadurecimento e novas cepas estão sendo plantadas. Como citei, as grandes apostas ficam com as castas italianas e uma boa realidade já é a Sauvignon Blanc. Novas empresas estão surgindo e as antigas estão construindo suas próprias cantinas. Todo esse processo vai nos proporcionar vinhos mais corretos, típicos e, pela lei do mercado e desejo de todos, mais baratos.
Acredito bastante na vocação gastronômica dos vinhos Brasileiros e com os catarinenses não é diferente. O potencial já foi demonstrado e a evolução vem naturalmente. Sei que ainda é difícil encontrar esses rótulos pelo Brasil, mas quem tiver a oportunidade, aconselho dar uma chance, pois alguns rótulos vão surpreender. Saúde!
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Eduardo Machado Araujo é sommelier formado pelo Instituto Profissional de Culinária da Califórnia, com o título de Certified Sommelier pela Court of Masters Sommelier; proprietário da Santa Adega Vinhos Finos, editor do blog Vinho Todos os Dias e colunista da Revista Level e do Jornal Imagem da Ilha
24/03/2013 |
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