Vinhos do dragão
Já era de se esperar o surgimento da China como um dos mais importantes participantes do mercado internacional do vinho. Com o avanço econômico da população e uma lenta mas inexorável ocidentalização de seus costumes, seria natural que o gosto pelo vinho aparecesse por lá com força. Atualmente, aquele país possui a 5ª maior área plantada de vinhedos e ocupa a 7ª colocação mundial no que tange ao volume produzido. E não se passa uma semana sem que surjam notícias de empresários chineses adquirindo importantes Châteaux na França e, em particular, em Bordeaux.

A província de Shandong, cerca de 700km ao sul de Pequim, é a região vinícola mais importante do país, mas seu clima é difícil, com chuvas torrenciais no verão e invernos com temperaturas congelantes. As pragas são muito comuns por lá e exigem uma grande quantidade de defensivos.

As castas internacionais são dominantes por lá, mas a enciclopédia de Jancis Robinson lista 6 variedades autóctones daquele país: Beichun, Crystal, French Wild, Longyan, Rose Honey e Tuo Xian.

Segundo dados de 2010, enquanto o ínfimo consumo brasileiro de vinhos era de 1,79 litros per capita, o da China conseguia ser ainda menor, com apenas 0,69 litros per capita. No entanto, com uma população quase 7 vezes maior do que a nossa, o mercado chinês é o sonho de consumo das vinícolas europeias em crise e grande parte delas tentam conquistar uma fatia do mesmo.

Um sintoma bastante significativo da importância daquele mercado para o comércio internacional foi a abertura pela Miolo de uma loja de marca própria na cidade de Shangai em 2011. Os efeitos positivos podem ser medidos pelo fato de a China já ser o segundo maior mercado internacional da marca, perdendo apenas - e por enquanto - para a Grã-Bretanha.

Longa história
O mesmo espanto que os europeus demonstram quando aprendem que a vinicultura brasileira tem 130 anos de idade, eu tive ao descobrir que a vinícola Changyu foi fundada no longínquo ano de 1892, pelo rico empresário Chang Bishi, que importou mais de 100 variedades de videiras para experimentá-las nas encostas verdejantes de Yantai, à beira do mar Amarelo, na região acima citada de Shandong. O nome da vinícola é a contração do prenome do fundador com a palavra "yu", que significa prosperidade.

Em poucos anos, a vinícola obteve reconhecimento nacional e internacional, tendo até mesmo sido premiada em concursos nos Estados Unidos. No entanto, nada sei e nada se escreve sobre o destino da vinícola durante o período comunista e, principalmente, durante a devastadora Revolução Cultural de Mao Tsé-Tung. A próxima notícia que se tem é a compra de um terço da vinícola pela italiana Saronno, em 2005, e que ela é, de longe, a maior e mais importante das empresas vinícolas chinesas.

Boas impressões
A fantástica experiência de conhecer um vinho chinês me foi proporcionada pela enófila Teresa Cristina, que ganhou a garrafa de um amigo que esteve viajando por aquele distante país. Foi durante um jantar na casa de meu sócio e amigo Thiago, que Teresa gentilmente dividiu sua preciosa garrafa conosco.

Thiago é um chef amador de origem libanesa e sua especialidade, é claro, é a culinária árabe. Em nossos pratos passaram Salada Fatuch, Quibe de Bandeja, Babaganuch com molho de Tahine, Pasta Homus, Arroz com Aletria e Pão Sírio. Com isso surgiu a muito estranha harmonização de um vinho chinês com gastronomia tradicional do Líbano. E não é que deu certo?

Olhando-se distraidamente para a garrafa, sem se notar a escrita mandarim, pode-se imaginar que se trata de um vinho francês dos mais tradicionais, pois o desenho do rótulo é elegante e copia a aparência dos grandes vinhos de Bordeaux.

Mas foi só depois de muita luta que conseguimos descobrir que o vinho Changyu Dry Red Wine era da safra 2005, eis que os algarismos, pequenininhos, estavam misturados aos indecifráveis caracteres chineses do contra-rótulo. Quanto às castas, só logramos descobrí-las visitando a página da empresa: é um corte de Cabernet Sauvignon e Cabernet Gernischt. O quê?!? Que casta é essa? Felizmente a Jancis Robinson veio em meu auxílio e explicou que esse é o nome usado na China para a nossa conhecida Carménère... O teor alcoólico é discreto, de apenas 12%, e o vinho tem estágio em barricas de carvalho francês por 12 meses.

Na taça, a evolução era flagrante, com um halo alaranjado e aromas de couro e defumados, ainda embalados pela fruta. Na boca, era bem macio, conservava um ótimo frescor, apresentava um bom corpo, mas tinha a efêmera duração de fogos de artifício.

O saldo, no entanto, foi prá lá de positivo. Como é bom provar um vinho assim tão exótico, de tão difícil acesso por aqui e sabendo que, provavelmente, muitos outros anos se passarão até que eu tenha a possibilidade de repetir a experiência. Obrigado, Teresa!

Oscar Daudt
29/06/2013
Comentários
Teresa Cristina Nascimento
Enófila
Rio de Janeiro
RJ
29/06/2013 Nada como paciência chinesa para esperar e abrir esta garrafa na companhia de vocês em uma noite para lá de especial! O vinho realmente surpreendeu e a harmonização idem!

E vamos por mais vinhos exóticos! A busca continua!

Bjks
Agostinho Bernardino
Enófilo
São Paulo
SP
01/07/2013 É, eles estão aprendendo rapidamente. Sempre que vou prá lá, experimento algum novo e dá para ver a evolução que estão tendo.

Há programas na TV mostrando vinhedos, elaboração e como degustar. Vamos ver onde chegam...
Rogério Serra
Enófilo
Rio de Janeiro
RJ
02/07/2013 Prezado Oscar,

Que interessante esta matéria. Gosto de degustar vinhos exóticos, como esse chinês, Changyu Dry Red Wine, com blend de Cabernet Sauvignon e Cabernet Gernischt (Carménère). Deve ser interessante. Você consegue um desse para mim?

Recentemente degustei um vinho de Israel, o Yarden, safra 2006, casta Cabernet Sauvignon (varietal), do produtor Golan Heights, com amadurecimento de 18 meses em barricas de carvalho. Simplesmente maravilhoso. Vinho franco, com aromas de especiarias, chocolate escuro, tabaco e ervas frescas, vinho fino. Recomendo.

Abraços, RS

Rogério, esse vinho realmente é uma raridade por aqui e quem conseguiu foi uma amiga que ganhou de um amigo que esteve na China. Com isso, você vê que não tem nenhuma chance de se conseguir outra garrafa.

Também já provei esse vinho israelense e gostei muito. Se você tiver a oportunidade, experimente também o Yarden Syrah, que deve estar a venda nas lojas Bergut. Abraços, Oscar
Rodrigo Otavio Carvalho Moreira
Advogado
Rio de Janeiro
RJ
06/07/2013 Tive a oportunidade de ir à China duas vezes e lá tomei vários vinhos, inclusive esse da foto. Sinceramente, não gostei de nenhum deles. Saí do Brasil com a informação de que me surpreenderia com os vinhos chineses, mas foi só decepção. Não consegui tomar nada que fosse ao menos razoável.

Ah! esse vinho vende em qualquer supermercado chinês e é muito barato. Se me lembro bem paguei algo como uns R$ 20,00.
Cláudio Martins
Pedagogo
Belém
PA
29/03/2014 Tive o prazer de degustar esse vinho. Embora realmente seja um vinho barato, seu aroma e textura não o deixam atrás dos melhores vinhos do país. Vinho seco de sabor bastante agradável, excelente para ser servido em uma reunião de negócios.

Sou degustador e apreciador de vinhos.

Abraços a todos
EnoEventos - Oscar Daudt - (21)9636-8643 - [email protected]