
Por meu aniversário, março passado, recebi de uma querida amiga um vinho prá lá de especial: o Inéditos Brutal 2011. Laura Cavallieri havia chegado de Buenos Aires, de onde me trouxe esse vinho que eu nem imaginava existir. Vejam só: um vinho laranja elaborado em Mendoza!
Para quem ainda não sabe, os vinhos laranjas são, na verdade, vinhos brancos fermentados e macerados com as cascas por longos períodos, obtendo assim uma cor espetacular, alaranjada, luminosa, que encanta o bebedor.
Claro que não é de bom tom perguntar o preço de um presente, mas como era por uma boa causa - informar aos leitores - eu criei coragem e Laura me contou que pagou 195 pesos (cerca de 75 reais) por esse especialíssimo vinho de autor. Vejam só como são privilegiados esses argentinos: eles têm o Papa, o Messi, a rainha da Holanda e ainda têm vinhos baratos. É muito injustiça para conosco, os brasileiros...
O vinho foi comprado na Lo de Joaquin Alberdi (Calle Jorge Luís Borges, 1772 - Palermo Soho), uma loja charmosa, com vinhos diferenciados e fora do circuito turístico. Deixe o vendedor perceber que você é um conhecedor do assunto e está interessado em comprar rótulos de produtores de garagem e a visita está ganha: ele irá oferecer muitas e muitas provas para você escolher.
Após trabalhar na Luigi Bosca, na Doña Paula e na Finca Sophenia, o jovem enólogo Matias Michelini (foto à direita) decidiu tornar-se um enólogo consultor e conta, atualmente, em sua carteira de clientes com a própria Finca Sophenia, as Bodegas del Tupun, a Familia Reina e a Zorzal.
Essa mudança lhe deu fôlego para partir para um projeto pessoal, a Passionate Wines, em Tupungato, onde ele pode dar asas à imaginação. Matias é considerado como um enfant térrible da enologia argentina, sem perseguir o que está na moda e buscando apenas aquilo que sua criativa mente determina.
Em sua empresa, ele elabora os seguintes vinhos:
Montesco, que destaca a personalidade dos vinhos de altitude, com vinhedos em latada plantados a 1.100 metros de altura; são 4.000 garrafas de um corte de Malbec, Bonarda e Cabernet;
Montesco Agua de Roca, um Sauvignon Blanc de uvas plantadas a 1.500 metros de altitude, com um caráter bastante mineral, que inspirou o seu nome; produção de 2.000 garrafas;
Malbon, um corte das duas castas tintas mais emblemáticas da Argentina - Malbec e Bonarda; produção de apenas 1.500 garrafas;
Inéditos, uma linha de vinhos experimentais, que conta com dois rótulos: um Bonarda vinificado com maceração carbônica e o vinho que eu ganhei, um Torrontés elaborado pelo método Oslavia de vinhos laranjas.
Desde que ganhei o vinho, ele ficava me olhando, pedindo para ser bebido. Como um voraz apreciador de vinhos laranjas, as expectativas estavam na estratosfera. E não me decepcionei.
Interessante conferir, à direita, o esquema de produção do vinho, desenhado por seu próprio autor, onde se pode ver os tempos utilizados para a fermentação, a maceração e o repouso em madeira.
O vinho anuncia, já em seu rótulo, que não é filtrado. Mas foi uma surpresa ver que, em pouco mais de um mês repousando na adega, ele tenha criado uma grossa camada de depósito na lateral da garrafa. O melhor teria sido decantar, cuidadosamente, para que o vinho se mostrasse transparente. Mas como ele tinha de fazer pose para as câmeras, eu pulei essa parte.
Servi a primeira taça devagarinho, mas mesmo assim houve uma revolução nos depósitos que o deixaram levemente turvo. Mas quem se importa, pois a cor alaranjada luminosa - ou, como prefere o rei desse vinhos, Josko Gravner: cor âmbar - era bonita demais. Um vinho com essa cor nem precisaria ter aromas e sabores. Mas tinha, e deliciosos.
No nariz, é inebriante, bastante aromático, sem querer negar o DNA da casta Torrontés, mas longe dos exageros tão comumente encontrados por aí. Destaca-se uma encantadora tangerina, toques florais, mel e damasco.
Na boca, no entanto, é ainda melhor, com imenso volume, excelente acidez, taninos discretos, bem seco, deixando um gostinho de nêspera e de cítricos. A persistência é tão grande que eu resolvi fazer o teste no cronômetro de quanto tempo o vinho ficaria marcado nas papilas. Demorou muito e quando chegou a 5 minutos e o gosto ainda estava bem marcado, eu desisti do teste e parti para outro gole!
Quem for a Buenos Aires não pode voltar sem uma garrafa dessas na bagagem. Ou duas, para me presentear a outra no aniversário do ano que vem. O vinho é excepcional, surpreendente e diferente de tudo o que a gente conhece. Só que não deve ser fácil encontrá-lo, já que sua produção na safra 2011 foi de apenas 600 garrafas. É muito pouco para um vinho tão maravilhoso!
Oscar Daudt
05/05/2013 |