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A hora é esta
Desde que eu me conheço por gente, ainda morando em Porto Alegre, as relações turístico-econômicas entre Brasil e Argentina sempre foram cíclicas. Ora eram os argentinos que invadiam nossas praias, ora eram os brasileiros que tomavam conta das lojas portenhas, ganhando o apelido de "da-me dos". Atualmente, a balança está pendendo para nosso lado e viajar para Buenos Aires está muito favorável.

Enquanto o câmbio oficial fixa o valor do dólar em cerca de 5,50 pesos, no paralelo - que eles chamam de "dolar blue" - está valendo por volta de 8,70 pesos. Nas trocas com o real, o fenômeno é o mesmo. É claro que o mercado paralelo é ilegal, mas ele é onipresente no centro da capital, realizado às barbas da polícia, sem que haja repressão. Contam-se às dezenas, apenas na Florida, os cambistas que ficam encostados às paredes, recitando o tempo todo, como se fosse um mantra: "Cambio, cambio, cambio...". A troca envolve riscos de se receber notas falsas, mas com um mínimo de cuidados, você fará uma operação muito vantajosa, tornando os preços locais irresistíveis para nós. Vinhos, refeições, hotéis, táxis e roupas, tudo fica a preço de banana.

Nesta época do ano, o frio empresta um charme todo especial a Buenos Aires que, apesar de todas as crises, continua uma cidade com ares europeus, intensa vida cultural, gastronomia excelente e - é claro! - vinhos magníficos.

Portanto, se você tem um dinheirinho sobrando e pode gozar de alguns dias de folga, não pense duas vezes. Embarque logo para a Argentina e viva experiências enogastronômicos inesquecíveis.

Aqui vão as dicas dos restaurantes que visitei em quatro dias na capital portenha. Afora uma experiência negativa - o luxuoso Le Sud - as demais casas foram excepcionais e valem bem sua visita. Mas se seu tempo for curto, permitindo apenas um jantar, eu não hesito em recomendar: o Aramburu é o melhor restaurante de todos os que conheço por lá - desta e de outras viagens - e você não pode perder a oportunidade de conhecer uma cozinha argentina de autor, com pratos surpreendentes, diversos, lindamente apresentados, numa sequência interminável de etapas a um preço que causa frouxos de riso àqueles que estão acostumados com os inalcançáveis valores cariocas.

Oscar Daudt
21/08/2013
Aramburu
O melhor de todos
De todos os restaurantes que conheço em Buenos Aires, o Aramburu é simplesmente o melhor. O nome deriva de seu chef, Gonzalo Aramburu, que apesar de jovem, tem uma invejável bagagem internacional, tendo trabalhado com nomes tais como Daniel Boulud.

O cardápio oferece apenas um menu degustação de 12 etapas! Só os fortes sobrevivem. Mas quando chegou o primeiro serviço, com 6 pequenos aperitivos, logo pensamos: "Assim vai ser fácil!", imaginando que eles contariam como 6 das 12 etapas. Ledo engano! Era apenas a primeira delas... Ficamos a sonhar com o que vinha pela frente e ao mesmo tempo assustados com a quantidade que iríamos experimentar.

Mas a completa sequência é feita de pequenas porções e os pratos lindos, criativos e deliciosos, com requinte de ingredientes, ajudam a vencer cada fase desse jogo. Vale a pena examinar, uma a uma, as fotos abaixo que ilustram essa inigualável experiência gastronômica.

Para sustentar as obras do chef, tive a surpresa de reencontrar a sommelière Agustina de Alba, que havia conhecido em Mendoza, há 4 anos, trabalhando na Ruca Malén. Naquela época tomei conhecimento de que a precoce profissional havia ganho o Concurso de Melhor Sommelier da Argentina 2008, com a tenra idade de 20 anos. Agora, uma pouco mais madura, forma uma dupla imbatível com o criativo chef Gonzalo.

E o que surpreende a nós, brasileiros, é o preço desse interminável e sofisticado menu: 390 pesos, o que equivale a menos de 100 reais! Dá vontade até de se mudar para Buenos Aires...

Serviço:
Aramburu Restaurante
Salta, 1050 (entre Humberto Primo e Carlos Calvo)
Buenos Aires
Tel: +5411 4305 0439
Horário: de terça a sábado, das 20:30 às 23:00h
Etapa 1 - Sopa de mandarina y zapallitos Etapa 1 - Humita norteña Etapa 1 - Trufas de hongos
Etapa 1 - Roll de algarroba y cacao con queso de cabra Etapa 1 - Patée de ave con baño yogurt Etapa 1 - Croquetas de arroz con vitel toné
Etapa 2 - Tartare con quinua roja y huevo de codorniz, helado de mostaza y miel Etapa 3 - Ensalada verde tibia, cintas de pepino y manzana verde Etapa 4 - Langostino en masa Kadaif sobre piedra reflectaría, sopa de langostinos
Etapa 5 - Ñoquis de azafrán y cítricos, calamares y algas fritas Etapa 6 - Trucha arcoiris, achicoria, espuma de limón, coliflor Etapa 7 - Cochinillo confitado, pomada de cabutia, gel de pomelo y zanahorias, bizcocho de pimentón de Cachi
Etapa 8 - Filet Mignon, papines andinos y liliáceas. Humo de Regaliz Etapa 9 - Sorbet de Manzana, frutos secos del delta
Etapa 10 - Bavarois de lima, grosellas, delicias de frutas Etapa 11 - Helado de Café, coco, granita de cardamomo, biscuit de avellanas, couscous al café
Etapa 12 - Petit fours en algodón dulce Zaha Cabernet Franc 2011 Chef Gonzalo Aramburu
Casa Cruz
Requinte portenho
A chegada ao restaurante Casa Cruz, situado no bairro de Palermo, impressiona, com uma enorme porta dourada a nos receber. O requinte da decoração continua por dentro, num ambiente amplo, discreto e moderno. A iluminação da casa é tão discreta que, para ler a carta de vinhos, tive de acender a lanterna de meu celular.

O cardápio é enxutíssimo e oferece apenas 7 entradas, 9 pratos principais e 8 sobremesas, a preços elevados para o padrão argentino (mas bem razoáveis para nós). Os pratos principais, por exemplo, variam de 110 a 250 pesos (R$27,50 a R$62,50). Mas a gastronomia é caprichadíssima e o serviço afiado. Minha entrada de camarões, cozidos a vácuo, em baixa temperatura, foi uma das melhores experiências da viagem. Não deixem de pedir.

A adega é muito linda, de grandes proporções e oferece uma excepcional variedade de rótulos de primeira linha.

Serviço:
Casa Cruz
Uriarte, 1658
Palermo
Buenos Aires
Tel: 5411 4833-1112
Aperitivo Langostinos al vacio, cornalitos, espuma de vieiras, papas y peras confit
86 pesos
Pulpo, mango, hinojo, chorizo, brotes
90 pesos
Costilla de ternera, papas crocantes, bernaise de pimienta verde
250 pesos
Chivito mendocino, papas rotas, tomates secos, queso parmesano
250 pesos
Navarro Correa Structura Ultra 2007
Experiencia del Fin del Mundo
E o mundo não terminou
Um programa imperdível para os apreciadores de vinho é o restaurante Experiencia del Fin del Mundo, localizado em Palermo Hollywood. É um restaurante exclusivo da Bodega del Fin del Mundo e da NQN, pertencente ao mesmo grupo.

O local é amplo, moderno, bonito e aconchegante e funciona tanto como restaurante quanto como lugar de degustação. Durante a semana, serve almoço e jantar, mas aos sábados e domingos só abre a noite, a partir das 20 horas. Recomendo fazer reserva antecipada, pois o local é bastante concorrido.

Excelente pedida para quem quer uma refeição (nem tão) ligeira e descompromissada é pedir a Degustación de entradas (174 pesos, ou R$43,50), um prato muito grande que serve "paté casero, terrina de ave confit e langostinos patagónicos" acompanhados de queijos e salada verde, que serve para ser compartilhado. Ainda insistimos em pedir um Gravlax de salmón, mozzarella y remolacha (58 pesos, ou R$14,50).

Para acompanhar, escolhemos um vinho branco, tão gostoso que não conseguimos trocar de rótulo: era o Reserva del Fin del Mundo Viognier 2011, com uma estrutura invejável. Fortemente recomendado.

Serviço:
Experiencia del Fin del Mundo
Honduras, 5673
Palermo Hollywood
Buenos Aires
Tel: 4852-6661
Aperitivo Degustación de entradas (paté casero, terrina de ave confit, langostinos patagónicos)
174 pesos
Gravlax de salmón, mozzarella y remolacha
58 pesos
Reserva del Fin del Mundo Viognier 2011 O salão principal e a adega A varanda
Cabernet
Localização estratégica
Com nome sugestivo, o Cabernet é parada obrigatória para os amantes do vinho. Casa simpática, aconchegante, com serviço amigável - fomos atendidos por uma garçonete brasileira - e com uma carta de vinhos caprichada, vale a pena uma visita a Palermo Viejo. Os preços são bastante em conta e as porções generosas, permitindo dividir os pratos.

E, melhor ainda, após o almoço, você pode atravessar a rua e fazer suas compras na Lo de Joaquin Alberdi, a melhor loja de vinhos de Buenos Aires, que fica estrategicamente em frente ao restaurante. Um programa completo!

Serviço:
Cabernet
Jorge Luis Borges, 1757
Palermo Viejo
Buenos Aires
Tel: 4831-3071
Champignones rellenos de ave sobre escama de papas y salsa de azafrán Lomo con salsa de Cabernet con molhojas de papas
Carmelo Patti Malbec 2007, o melhor vinho da viagem O aconchegante salão do restaurante
Le Sud
Mais alto o coqueiro, maior é o tombo
O restaurante Le Sud veio cercado de grandes expectativas. Situado no requintado hotel Sofitel Buenos Aires, eu esperava alguma coisa do mesmo nível que o Le Pré Catelan, do Sofitel carioca, nos proporciona.

A chegada ao restaurante só faz aumentar a boa vontade para com a casa: a decoração é luxuosa e imponente e a recepção é gentil e calorosa. Fomos posicionados em uma mesa na janela, o melhor lugar do restaurante. A noite prometia...

Pedimos o menu degustação de 6 etapas, com harmonização, ao preço de 790 pesos (cerca de 198 reais). O maître nos informou que os vinhos seriam todos da Zuccardi e que a carne seria harmonizada com o Zuccardi Q, o que despertou certa alegria em nós.

Logo na primeira etapa, uma falha inacreditável para um restaurante desse nível: minhas vieiras foram servidas em uma concha quebrada (vide foto). Mas a gente perdoa o descuido, pois o prato em si estava gostoso. Assim como foram bons também a entrada e o prato de peixe.

Mas a coisa desandou mesmo foi no prato de carne, um cordeiro com purê de batatas. Os 3 pedaços eram tão duros, tão solados, que foi impossível comê-los. E o prometido vinho Zuccardi Q foi, na verdade, um Zuccardi A, da linha básica da vinícola, e bastante decepcionante para quem está em Buenos Aires para comer e beber bem.

O ânimo ficou tão prá baixo, que nem reclamamos. Mas o restaurante teve uma atitude positiva e quando os cordeiros voltaram intocados, o maître veio nos oferecer outro prato em substituição, mas nem isso quisemos.

Das duas sobremesas, a segunda tinha uma aparência digna dos meus tempos de refeitório do Colégio Militar: três pratinhos que mal se equilibravam em um prato pequeno, sem o menor dos cuidados com a apresentação (vide foto). O chef Roland Villard, do Sofitel do Rio de Janeiro, tão cuidadoso com suas sobremesas, ficaria indignado se visse o que seu conterrâneo Olivier Falchi está aprontando em terras portenhas.

Ao final, como um pedido de desculpas, o restaurante decidiu não cobrar a parte dos vinhos do menu harmonizado. Mas é claro que não era isso o que esperávamos. Era uma noite para desfrutar de uma bela experiência gastronômica e não para economizar na conta. Saímos frustrados de lá e eu não recomendo a ninguém uma noite como essa.

Serviço:
Le Sud
Arroyo, 841
Retiro
Buenos Aires
Tel: +5411 4131-0000
Vieiras gratinadas a la mostaza antigua Ragout de morillas y hongos de Bariloche, huevo trufado en bolsa Merluza negra a la parilla y su consomé; vegetales torneados de estación
Cordero y su jugo emulsionado con tomillo; tian provenzal, puré mousseline de papas Milhojas de peras y crottin, membrillas al almíbar, pan de especias Soufflé de chocolate, salsa inglesa, helado de vanilla
Comentários
André Luiz de Oliveira
Provador de Café
Itaperuna
RJ
21/08/2013 Experiências interessantes em Bs As... mesmo com a decepção no Le Sud...

Isso costuma acontecer quando as expectativas são criadas para o "gran finale" e as prévias são tão boas que a "merveille" acaba por ruir e nesse caso imagino a situação de tentar comer cordeiro solado... E a concha quebrada me lembrou as casquinhas de siri quebradas (quase sempre) servidas em Prado-BA, na praia rsrsrs

Com isso tudo até imagino que a passagem pelo popular (mas ótimo) La Cabrera tenha sido para aí sim, comer carne na Argentina, pois o corte da foto no Facebook estava linda! rsrs. Sei que é popular, mas senti falta dos detalhes como o serviço e os preços do La Cabrera!

Um grande abraço

André, não escrevi sobre o La Cabrera, pois não levei a máquina fotográfica naquele dia. Uma pena, pois foi uma excelente escolha, com carne deliciosa, bom serviço e belo vinho. Abraços, Oscar
Luciana Duarte
Enófila
Rio de Janeiro
RJ
22/08/2013 Estive no Casa Cruz, mas não recomendo. A decoração é muito bonita, mas o atendimento deixa a desejar.

Chegamos no horário, o restaurante estava vazio e nos forçaram a esperar (?!) no bar e consumir drinks (muito caros, por sinal...).

Atendimento lento, alguns pratos do cardápio não estavam disponíveis, carta de vinhos com poucas opções. Fiquei com a impressão que é um lugar mais para ver e ser visto.

Abraços

Luciana, essa história do balcão também aconteceu conosco, mas eles apenas perguntaram se gostaríamos de beber uns drinques antes do jantar. Simplesmente respondemos que não e fomos imediatamente dirigidos a nossa mesa. Abraços, Oscar
Carlos Arthur Carrijo
Advogado
Rio de Janeiro
RJ
22/08/2013 Oscar, como vai? Mais uma ótima matéria, parabéns.

A minha dica é o Sottovoce, um dos melhores da cidade.

Abraços
Eugênio Oliveira
Enófilo
Brasília
DF
25/08/2013 Oscar, esse câmbio está certo? 01 real está valendo 2,35 pesos (cambio oficial) e no primeiro restaurante você disse que a conta deu 390 pesos (menos de 100 reais). Mas 390 pesos dá 166 reais. Quantos pesos eles estão pagando por 01 real?

Abraço,
Eugênio

Eugênio, está certo. Essa cotação que você usou é do câmbio oficial e no paralelo o real está valendo muito mais. Não saberia te dizer quanto, pois fiz o câmbio em dólares (que no paralelo valia 8,70 e no oficial 5,50). Com o real, facilmente conversível em qualquer cambista, acontece o mesmo fenômeno. E a coisa continua melhorando (para nós): o jornal La Nacion de hoje informa que o dólar paralelo subiu dos 8,70 que eu troquei, para 9,14. Portanto, tudo ainda mais barato! Abraços, Oscar.
Abilio Cardoso Jr
Dentista e enófilo
Brasília
DF
26/08/2013 Ir ao Aramburu e provar seu menu degustação não é um mero jantar, é uma verdadeira experiência gastronômica. Isto sem falar da simpatia e profissionalismo da sommelière.

Creio que deveria servir de exemplo aos nossos restauranters. Nada de pompa desnecessária, nada de badalação, nada de sobreserviço e tudo por um preço honestíssimo!!!!

Abs

Abílio, sua dica foi preciosa! Muito obrigado! Oscar
Nelson Soares
Empresário
Rio de Janeiro
RJ
27/08/2013 Oscar, eu e minha esposa tivemos uma experiência inesquecível no Tomo 1, do chef Federico Fialayre. Fica dentro do Panamericano. Menu com 10 etapas. Vale muito.

Abraço!
Cristiana Beltrão
Bazzar
Rio de Janeiro
RJ
28/08/2013 Pegando o primeiro avião...
EnoEventos - Oscar Daudt - (21)9636-8643 - [email protected]