
Era um belo anoitecer em Santa Teresa e o Bar dos Descasados descortinava a cidade que começava a se iluminar. No céu, estranhamente alaranjado, havia apenas uma estrela. O produtor Luiz Carlos Gelli perguntou-me, retoricamente: "Oscar, você sabe que estrela é aquela? É Júpiter, meu ascendente astrológico, que veio trazer bons fluídos para os novos vinhos." Como eu não quis estragar a festa, nem retruquei que achava que o ponto brilhante era, na verdade, Vênus.
Mas assim é Gelli, um engenheiro que, contrariando seus pares, acredita em horóscopo e mapa astral e estampa nos rótulos dos vinhos a figura de seu signo Sagitário. Ele explica, confundindo-nos um pouco mais: "Meus vinhos não refletem apenas o 'terroir' dos vinhedos, mas também o 'terroir' da minha alma."
Apesar das diferenças, eu, um cético de carteirinha, lhe devoto uma profunda admiração, talvez porque ele percorra o caminho que eu, também engenheiro, gostaria muito de haver trilhado: produzir vinhos. Gelli não possui um único pé de videira, não tem instalações físicas, mas percorre o sul do Brasil à procura de boas - e surpreendentes - uvas e parceiros para elaborar os vinhos com que sonha. E ele sonha bonito!
O fato é que, com ou sem um empurrãozinho dos astros, seus vinhos seguem uma trajetória de inquestionável sucesso, imprimindo seu nome em algumas das mais prestigiadas cartas da cidade: Sushi Leblon, Vieira Souto, Paris, Enotria, Enoteca Uno, Aprazível, só para citar alguns. É de causar inveja a muita gente grande...
Até agora, sua carteira de vinhos contava com 4 rótulos: um Merlot e um espumante extra-brut (elaborados pela Miolo), um Gewürztraminer (elaborado pela Luiz Argenta) e um Peverella (elaborado pela Salvati & Sirena). Com os 2 novos vinhos lançados esta semana, o número cresce para 6. E o incansável Gelli promete que só vai parar quando estiver produzindo 20 diferentes vinhos.
O primeiro dos lançamentos é o Cattacini Espumante Rosé Extra-Brut, elaborado pelo método Charmat, pela Santa Augusta, uma vinicola da Serra Catarinense, da predestinada cidade de Videira, cujos vinhedos encontram-se a 1.000 metros de altitude. O que mais surpreende aqui é o complicado e inusitado corte: Cabernet Sauvignon (45%), Merlot (20%), Malbec (20%), Montepulciano (12,5%) e Cabernet Franc (2,5%). São apenas 1.800 garrafas e o resultado é encorajador: a cor é um rosado casca-de-cebola que raramente encontramos fora da Provence; os aromas trazem muita fruta e emprestam um caráter exótico e inesperado; no paladar, é fácil e refrescante, refletindo o desejo de seu criador, que o projetou para momentos festivos e descontraídos.
Gelli nos contou que, até 1970, na Serra Gaúcha proliferavam as castas italianas, herança da colonização. Com a chegada das multinacionais, estas deram preferência às castas internacionais, incentivando os plantadores a cultivá-las e criando uma nova vinicultura na região. Com isso, as castas tradicionalmente cultivadas foram desaparecendo de nossas encostas. Um dos objetivos de Gelli é exatamente resgatar essa tradição, buscando as castas esquecidas. Ele já fez isso com a Peverella e agora parte para uma segunda experiência, trazendo o Cattacini Barbera 2011, também elaborado pela Salvati & Sirena, dos Caminhos de Pedra, a partir das poucas videiras remanescentes, que foram multiplicadas para permitir uma produção comercial. Ainda assim, é um vinho elaborado em quantidade mínima - apenas 600 garrafas - que envelhece por 8 meses em barricas de carvalho francês de segundo uso. Belo vinho, com sedutores aromas florais e muito veludo, frescor na boca e um discreto teor alcoólico de 11,5%, que quase não se encontra mais nesses tempos de aquecimento global.
Ao final, eu não resisti e cometi a indiscrição de perguntar se o produtor já estava rico. Foi então que ele, tirando o boné do esoterismo, voltou a ser engenheiro e respondeu, fulminando meus sonhos de um dia ainda fazer meus vinhos: "Quem se engaja num projeto como este, deve ter uma perspectiva de pelo menos 10 anos para pensar em lucros."
Oscar Daudt
04/08/2013 |