
Quando as tropas napoleônicas invadiram Nápoles, no início do século XIX, a rainha Maria Carolina (irmã da infeliz Maria Antonieta) foi obrigada a fugir para a Sicília. Isso é fato. A ficção é que quando o escritor Tomasi di Lampedusa escreveu sua obra-prima, O Leopardo (Il Gattopardo), batizou a propriedade onde a rainha ficou refugiada de Palazzo di Donnafugata (Palácio da mulher em fuga). E essa é a origem do nome da vinícola Donnafugata e também da logomarca, que representa a rainha com cabelos ao vento.
De propriedade da família Rallo, a vinícola é - em termos italianos - recente. Foi fundada em 1983, quando os proprietários - antigos produtores de Marsala - decidiram abandonar esse negócio, tendo em vista o galopante declínio que esses vinhos estavam enfrentando, cada vez mais reputados como "vinhos culinários" - quem nunca provou um Escalopinho ao Molho Marsala? - e cada vez menos servidos em taças.
Mas em seus poucos anos de vida, a nova Donnafugata expandiu-se e hoje elabora uma extensa linha de vinhos não fortificados: são 7 brancos, 5 tintos, 2 de sobremesa e 1 espumante que gozam de grande prestígio, sendo a vinícola uma das únicas 7 casas da ilha estreladas pelo Gambero Rosso.
Seus vinhedos encontram-se em 3 locais da Sicília: a sede e 10ha estão na bela cidade de Marsala, 250ha na DOC Contessa Entellina e 10ha na cobiçada ilha de Pantelleria.
Quando da viagem à Sicília, ano passado, fizemos uma visita à Donnafugata que foi considerada, unanimemente pelo grupo, como a melhor de todas. Para isso colaboraram a excelência dos vinhos, o surpreendente almoço elaborado por um prestigiado chef local e a calorosa recepção oferecida por nossa anfitriã Zane, uma exuberante loira da Letônia com pilha de 12 volts.
Quando recebi o convite da importadora World Wine para o almoço de apresentação dos vinhos da Donnafugata, logo imaginei com entusiasmo: será que é a Zane que irá apresentar? Ficaria indelicado dizer que foi um tanto decepcionante saber que ela não estaria conosco e, portanto, não digo nada sobre isso. Ainda mais, por que o Diretor de Exportações, Fabio Genovese (foto acima), esmerou-se em tornar a tarde bem agradável e cheia de informações. E com belos vinhos, é claro!
Cada vez eu gosto mais de Chardonnays não barricados e o Donnafugata La Fuga 2011 só veio aumentar esse prazer, com a fruta se exibindo faceira em meio aos toques minerais. Plantada na DOC Contessa Entellina, é interessante saber que, devido ao escaldante calor da ilha, a colheita é realizada à noite, quando a temperatura cai vertiginosamente. Até aí tudo bem, muito gente faz isso... O diferencial é que a colheita é a oportunidade para realização de uma festa, com a presença maciça de visitantes e, consoante com os tempos modernos, transmitida ao vivo pela Internet.
Agora, espetacular mesmo foi o Donnafugata Mille e una Notte 2004, um corte da uva emblemática da Sicília - a Nero d'Avola - com um pouquinho da virtualmente desconhecida Perricone. O vinho é grandioso, complexo no nariz, encorpado, elegante, fresco e ninguém diria que já completou 9 aninhos de idade. Sua vida será longa e cheia de prazeres. No entanto, o precinho é que assusta, pois por 353 reais, torna-se um vinho proibitivo para a grande maioria dos mortais.
Para os demais convidados, o almoço se completou com o Ben Ryé Passito de Pantelleria 2009, considerado um dos melhores vinhos de sobremesa da Itália. Fabio explicou que na ilha de Pantelleria pratica-se uma "agricultura heróica" onde as encostas vulcânicas foram transformadas a duras penas em vinhedos e as plantas são conduzidas junto ao solo para se protegerem dos ventos incessantes. Esse vinho é elaborado com 100% de Moscato de Alexandria (ou Zibibbo, como é apelidada na Sicília), proveniente de 11 diferentes vinhedos, com vinhas de mais de 100 anos, já que a filoxera não chegou por lá. A colheita é realizada em 2 tempos: em agosto, as uvas que serão passificadas ao ar livre durante um mês, e em setembro, os demais cachos que são debulhados à mão e misturados ao mosto das passas. O nariz resultante é sedutor, mas não cheguei a provar esse vinho que arrebatou os "tre bicchieri" do Gambero Rosso. Claro que tantas dificuldades assim encarecem ainda mais o produto, que chega por aqui ao preço de R$186 a garrafinha de 375ml. Porém, se compararmos com o brasileiríssimo Pericó Icewine - que custa R$217 a ampola de 200ml! - pode-se até pensar que o Ben Ryé é uma verdadeira barganha!
Oscar Daudt
19/07/2013 |