
A Friulano é uma casta bastante difundida na região do - é claro! - Friuli, no norte da Itália. Tem a capacidade de elaborar vinhos de alta qualidade, com excelente estrutura, delicados aromas florais e de maçã e um final com toques amendoados.
Mas nem sempre a variedade estampou este nome em sua carteira de identidade. Desde que foi introduzida no Friuli, no início do século XIX, foi batizada como Tocai e, posteriormente, como Tocai Friulano. Segundo Jancis Robinson, este nome foi deliberadamente escolhido, à época, para tirar partido do valorizado nome da região húngara de Tokaj, muito embora a variedade não seja nem remotamente aparentada com a Furmint, a principal uva utilizada para os vinhos húngaros.
A partir de 2008, a União Europeia, atendendo a uma antiga reivindicação da Hungria, decidiu banir esse nome dos rótulos italianos, que passaram a estampar, não sem muita polêmica, o novo nome Friulano. No entanto, a determinação "colou" apenas oficialmente, pois quando estive no Friuli, em 2011, pude conferir que, nas conversas do dia-a-dia, os produtores continuam a identificá-la simplesmente como Tocai. O inconformismo é grande, mas manda quem pode...
E afinal, que casta é essa? Foi apenas com o advento das modernas análises de DNA, que se ficou sabendo que a variedade Friulano - ou Tocai, como queiram - é apenas um sinônimo da casta Sauvignonasse, originária do sudoeste da França e que hoje é práticamente inexistente em seu lugar de origem. E como confusão é o nome do meio dessa uva, apesar do seu radical, ela não tem nenhuma relação familiar com a Sauvignon Blanc.
Quer mais polêmica? Pois ainda tem... O outro lugar onde essa casta é bastante cultivada é o Chile, onde por muito tempo, ela foi simplesmente confundida com a Sauvignon Blanc. Portanto, quando os rótulos chilenos informarem Sauvignon Blanc como variedade, cuidado, pois você pode muito bem estar bebendo, na verdade, um Friulano.
A Di Lenardo é uma tradicional vinícola do Friuli estabelecida em 1878. Mas foi apenas em 1987, quando o jovial Massimo di Lenardo assumiu o controle da empresa, que esta começou a ser localizada no mapa do comércio mundial. Max, como ele gosta de ser chamado, tomou a decisão estratégica de produzir vinhos para exportação e, de fato, atualmente cerca de 80% de sua produção são dirigidos ao mercado externo.
Para incrementar a qualidade de seus vinhos, o produtor passou a utilizar somente uvas próprias, aumentou dramaticamente a densidade das vinhas, passou a fazer estritamente colheita manual e adotou as mais modernas técnicas de vinificação. E para conquistar os consumidores nas prateleiras, lançou mão de nomes engraçadinhos para seus vinhos: dentre outros, Comemivuoi, Gossip e o criativo Pass the Cookies! para batizar seu Passito.
Mais do que um nome, um manifesto |
Neste Natal, ganhei de minha amiga nem tão oculta - Maria Ilda - 2 garrafas de um dos vinhos do produtor: o Toh! Friulano 2012. O nome do vinho é um manifesto contra a proibição acima relatada, pois até os mais desligados podem perceber que o Toh! se refere ao banido Tocai. Isso é um segredo de polichinelo.
Muito curioso, não deixei nem se apagarem as luzes da árvore de Natal para experimentar uma das garrafas. O vinho é 100% Friulano, com 13% de álcool, do qual foram produzidas 55.000 garrafas. O vinho não passa por madeira e fica em contato com as lias até ser engarrafado. O resultado é de uma cor apaixonante, um inesperado amarelo-ouro para um vinho assim tão novo. No nariz, sobressaem os aromas cítricos, com toques herbáceos e de açúcar mascavo. Na boca é cremoso e longo, mas a conta não fecha: o açúcar residual é perceptível enquanto a acidez é baixa.
Eu vou deixar a segunda garrafa repousando na geladega e me lembrem de abrí-lo daqui a 2 anos, pois eu aposto que o vinho vai melhorar muito com o repouso.
Embora tenha sido um presente, eu vou revelar o preço: R$71,10 na importadora World Wine.
Oscar Daudt
27/12/2013 |