
Os vinhos Jerez são, para mim, os mais complicados do mundo. Embora sejam elaborados, basicamente, com duas castas - Palomino e Pedro Ximénez - esses vinhos fortificados são apresentados aos consumidores em 7 estilos diferentes: Manzanilla, Fino, Amontillado, Palo Cortado, Oloroso, Cream e Pedro Ximénez, elaborados sob processos complicados que incluem a flor e as soleras. Para confundir ainda mais, dentro de um tipo específico, há diferenças marcantes entre os diversos produtores, até mesmo no grau de doçura: por exemplo, um Oloroso pode ser seco feito a Andaluzia ou doce como uma crema catalana. É para dar um nó na cabeça do consumidor.
Não é de estranhar, portanto, que sendo dos vinhos mais sublimes do planeta, os Jerez sejam injustamente desprezados pelo mercado, que não lhe dirije a atenção merecida. Foi, assim, louvável a iniciativa do Restaurante Bazzar de oferecer um jantar - quase uma aula! - harmonizado do início ao fim, unicamente, com os diversos tipos desse espetacular vinho. Embora sejam considerados como vinhos de aperitivo, os Jerez mostraram sua deliciosa capacidade de acompanhar uma refeição por completo.
Para desempenhar essa difícil harmonização, Cristiana Beltrão, do Bazzar, convidou o professor Célio Alzer para escolher os vinhos de cada etapa. E eu aqui cumprimento, de público, meu amigo Célio pelo irretocável resultado final. Foi uma noite estupenda, onde tudo funcionou à perfeição, com os pratos valorizando os vinhos e esses impulsionando os pratos.
O convite listava os 5 tipos de Jerez e eu - avesso a vinhos doces - fiquei imaginando quantos seriam os secos, que eu poderia aproveitar. Com Jerez, nunca se sabe...
Mas para minha surpresa e grande satisfação, eram todos - todinhos! - secos. Os elegantes Hidalgo Manzanilla La Gitana e Bodegas Lustau Fino La Ina eram secos de deixar a boca murcha, o que faz a alegria dos apreciadores. Para se dizer um doutor em Jerez, é necessário saber que os Manzanilla provêm apenas da pequena cidade costeira de Sanlúcar de Barrameda, onde a brisa do mar empresta um toque salgado ao vinho.
O Bodegas Tradición Amontillado Vors 30 Años chegou com uma espetacular cor âmbar que visualmente poderia levar a pensar que se tratava de um vinho laranja, mas as semelhanças terminam por aí. Seus aromas de frutos secos, nozes e amêndoas são irresistíveis. São poucos os Amontillados secos, pois a maioria dos produtores os cortam com o adocicado Pedro Ximénez.
O temperamental Fernando de Castilla Antique Palo Cortado é um vinho com vontade própria: criado para ser um Amontillado, ele inexplicavelmente perde a "flor" que o protege e começa a assumir características de um Oloroso. O resultado mistura a delicadeza do primeiro com a estrutura e redondez do segundo. São vinhos raros e caros...
Também raro e também caro, o Oloroso seco é um vinho estonteante e o Bodegas Tradicióm Oloroso Vors 30 Años faz a confusão definitiva: o nariz leva para um lado, com toques de mel e de mesa natalina, fazendo o provador jurar que está diante de uma obra bem adocicada; mas quando o vinho é provado, a surpresa quase provoca uma crise de labirintite, pois sua boca carnuda é deliciosamente seca. É um dos 1.000 vinhos para provar antes de morrer. Ou, pensando melhor, um dos 100...
Sou um grande apreciador do Bazzar e admirador de sua proprietária Cristiana Beltrão e muito dessa fanzoquice é devido ao cuidado que ela tem com a escolha de ingredientes. Cristiana vai aos confins amazônicos em busca de produtos brasileiros-da-gema que definem a identidade inconfundível do restaurante. E tudo deve ser sustentável! Os pratos sempre aparecem no cardápio exibindo nome completo, CPF e título de eleitor, garantindo a procedência.
Com isso, o Bazzar também é cultura: em um único jantar, aprendi o que é camarão Aviú, castanha Baru, chocolate Amma, farinha Suruí e também fiquei sabendo onde se localizam a Fazenda Marítima Atlântico Sul e a Serra do Descoberto. É muito melhor do que Google...
Oscar Daudt
14/11/2013
Serviço:
Bazzar
Rua Barão da Torre, 538
Rio de Janeiro - RJ
Fone: (21)3202-2884 |