Matérias relacionadas
França

Uma região complicada
Conhecer a Borgonha não é tarefa simples. Embora seja uma região relativamente pequena, como seus 28.000 hectares de vinhedos (Bordeaux, por exemplo, é 4 vezes maior), é dividida em uma atordoante quantidade de denominações: no total são 100 AOC's. Acrescente-se a isso os incríveis 684 climats de Premiers Crus e a confusão está formada.

Para facilitar um pouco a vida dos pretendentes a se iniciar nos vinhos borgonheses, a região vive, praticamente, de apenas duas castas: a Chardonnay para os brancos e a Pinot Noir para os tintos. No entanto, isso não é uma verdade absoluta, pois as duas variedades estreladas convivem com a Aligoté, a Gamay, a Sauvignon Blanc e outras de menor expressão, como a Melon de Bourgogne, a Sacy, a César, a Pinot Blanc e a Tressot.

Embora elaborando tintos considerados como os melhores - e mais caros - do mundo, a Borgonha, no entanto, é um região com vocação para os brancos. Sua produção divide-se entre 61% de brancos, 30% de tintos, 8% de espumantes e apenas 1% de rosés. Eu, como voraz devorador de vinhos brancos, encontrei uma região para chamar de minha...

Na hierarquia da produção, os vinhos são classificados, em ordem crescente de qualidade, como denominações Regionais, Villages, Premiers Crus e Grands Crus. São estes últimos que fazem a fama da Borgonha e se constituem no objeto de desejo dos apreciadores pelo planeta afora, muito embora representem apenas pouco mais de 1% da produção total. A segunda categoria, os Premiers Crus, representam outros 10%. Com isso, percebe-se que o grande volume, cerca de 90%, é constituído pelas denominações de mais baixa hierarquia.

Viagem emocionante
No entanto, reduzir a Borgonha a números e estatísticas é quase uma heresia. A região constitui-se da mais pura emoção para os apreciadores. Esta foi minha primeira viagem por lá e o coração bateu mais forte.

Visitar as pequenas cidades com nomes mágicos - e quase sempre hifenizados - conhecidos apenas dos rótulos dos vinhos, como Chassagne-Montrachet, Puligny-Montrachet, Nuits-St-Georges, Gevrey-Chambertin, Vosne-Romanée, dentre muitas outras, é que nem Mastercard: não tem preço. Aliás, chamá-las de cidades é até uma hipérbole, pois são pequenas vilas modorrentas, com seculares casas de pedras, sem viva alma nas ruas e cercadas de vinhedos por todos os lados. É puro charme!

Outra experiência quase esotérica foi conhecer os vinhedos mais famosos do mundo. Em Vosne-Romanée, a visita ao Romanée-Conti - com as indefectíveis fotos e "selfies" - foi o momento mais alto do périplo. Dias depois, em Paris, encontrei esse vinho nas Galeries Lafayette, pela inacreditável quantia de 22.500 euros (cerca de 72.000 reais) para a safra 2009. Imaginem na Copa! Outro momento inesquecível, principalmente para mim, adorador de brancos, foi conhecer Le Montrachet, vinhedo dividido pelas comunas de Chassagne-Montrachet e Puligny-Montrachet. Na verdade, é uma admiração platônica, pois nunca tive a oportunidade de beber um vinho dessa denominação e nem na feira eles podiam ser encontrados.

Além da emoção, a viagem foi de descobertas e aprendizado. Ao chegar à Borgonha, feito um Sócrates etílico, repetia incessantemente para mim mesmo: Só sei que nada sei. Dei-me conta de como conhecia pouco dessa intrincada região e fiz questão de aprender tudo o que podia. E ainda trouxe na mala um livro bastante abrangente que já comecei a estudar com afinco.

Muito mais do que uma feira
A viagem teve como objetivo participar de Les Grands Jours de Bourgogne, uma feira que se multiplica em muitas outras, realizadas em diversas cidades da região. Nessa busca pelos diversos eventos, vai-se descobrindo o coração da Borgonha. Foram 5 dias de degustações, com um estonteante total de 940 expositores, com uma organização primorosa e uma diversidade incrível, atendendo à seguinte programação:

Daqui a dois anos
De todos os eventos de vinho a que já compareci, este foi o mais espetacular. Abrangente, organizado, bem documentado, com duração extensa, com vinhos bastante exclusivos e algumas vezes acompanhado de gastronomia requintada. Foi uma verdadeira aula sobre a Borgonha.

O evento se repete a cada dois anos, sempre em março, e é dirigido apenas a profissionais e imprensa. No entanto, como é sobejamente conhecido, esses conceitos são bastante elásticos e acredito que quem deseja realmente participar, mesmo não estando enquadrado nessas categorias, não encontrará maiores dificuldades.

Nosso pequeno grupo de três - Ada Regina Freire, Roberto Rodrigues e eu - alugou um carro em Paris e hospedou-se em Auxerre, no primeiro dia (para o evento em Chablis), e Beaune nos demais dias. Ficamos com a liberdade de circularmos pela região à vontade. No entanto, isso não é obrigatório, pois a organização do evento providencia um sistema de vans que leva os participantes de Beaune aos locais de realização das feiras e entre uma feira e outra.

Em 2016, lá estarei eu de novo. E recomendo a quem queira melhor conhecer a maravilhosa Borgonha fazer o mesmo. Não há melhor época para visitá-la.

Oscar Daudt
26/03/2014
Chablis
À caminho do evento Dominique Gruhier Montée de Tonnerre Chablis 1er Cru 2011 Daniel Seguinot Chablis 1er Cru Forchaume 2012
Domaine de Chaumes Chablis Vieilles Vignes 2011 Domaine Dampt Chablis Grand Cru Bougros 2012 Clotilde Davenne Saint-Bris Vieilles Vignes 2012
Seguinot-Bordet Chablis Grand Cru Vaudésir 2012 Degustação de ostras Todos os caminhos levam ao vinho
No centro de Chablis A colina dos Grands Crus Um belo recanto da cidade
Côte de Nuits
Decelle-Villa Nuits-Saint-Georges 1er Cru Les Crots 2009 Georges Chicotot Nuits-Saint-Georges 1er Cru "Les St-Georges" 2001 O imponente Château du Clos de Vougeot
Château de Premeaux Nuits-Saint-Georges 1er Cru Clos de Corvées Pagets 2009 Um Clos do Domaine Bertagna Maison Ambroise Nuits-Saint-Georges Cuvée Vieilles Vignes 2010
O belíssimo Château de la Tour, em Vougeot Domaine Dupasquier Nuits-Saint-Georges 1er Cru Les Chaînes Carteaux 1995 Henri de Villamont Grands Echezeaux Grand Cru 2012
Château de la Tour Clos-Vougeot Grand Cru 2008 O Clos Blanc de Vougeot, um enclave branco em pleno território dos tintos Domaine Bertagna Clos de Vougeot Grand Cru 2012
Mâconnais
A entrada da feira em Beaune Louis Bouillot Crémant de Bourgogne Blanc de Noirs Brut Nature Dessus Les Vermots 2005 Château de la Greffière Saint-Véran 2011
Domaine Corsin Pouilly-Fuissé Vieilles Vignes L'Exception 2007 O imenso pavilhão do Palais des Congrès Denis Bouchacourt Pouilly-Fuissé Cuvée Ammonite 2010
Vertical de Michel Prunier Beaune 1er Cru Les Sizies 2012-2011-2010 Os vinhos de Daniel Largeot Os vinhos de Françoise André
Côte de Beaune
Um dos eventos aconteceu na Tonnellerie Seguin Moreau Henri de Villamont Chassagne-Montrachet 1er Cru Clos Saint Jean 2010 Fontaine-Gagnard Criots-Bâtard-Montrachet Grand Cru 2011
Philippe Colin Chevalier-Montrachet Grand Cru 2011 No famoso "Le Montrachet", em Puligny-Montrachet
(foto de Roberto Rodrigues)
Château de Santenay 1er Cru Beaurepaire 2011
Domaine Jomain Puligny-Montrachet 1er Cru Les Perrières 2011 Domaine Bachelet Bienvenues-Bâtard-Montrachet Grand Cru 2012 Guy Bocard Meursault-Charmes Premier Cru 2011
O belo Château de Corton André Domaine Bertagna Corton Charlemagne Grand Cru Château Corton Andre Corton Charlemagne
Os viajantes no Romanée-Conti
Ada Regina Freire Roberto Rodrigues Oscar Daudt
(foto de Ada Regina Freire)

Comentários
Agostinho Bernardino
Enófilo
São Paulo
SP
26/03/2014 Excepcional o programa.

A Borgonha realmente é um show. Estive por 5 dias há 3 anos e ficou muita vontade de retornar. Se conviver com "vinhateiros" nas diversas regiões já é bom, lá então é melhor ainda!
Eugênio Oliveira
Enófilo
Brasília
DF
26/03/2014 No DRC só houve visita externa? Não degustaram os vinhos?

Foi só nos vinhedos mesmo. Como a programação era intensa, não marcamos nenhuma visita. Mas afinal visitamos uma outra vinícola - decidida por lá mesmo - que será assunto de uma matéria especial. Abraços, Oscar
Rogerio Ruschel
Jornalista, editor do blog In Vino Viajas
Cotia
SP
26/03/2014 Muito bom, Daudt. Gosto do jeito que você trabalha, não é um "leitor de rótulos" que é o que a gente vê tanto por ai. Você faz a lição de casa, estuda, dá informação e agrega valor ao leitor.

Keep walking, Daudt.

Abraços,
Rogerio Ruschel
Pierre Morier
Enófilo que caiu dentro quando era pequeno...
Rio de Janeiro
RJ
26/03/2014 AAAAAh Oscar, que saudades da minha terra... que bom que você gostou da região dos melhores brancos do mundo!

O meu preferido é o Meursault e o Chablis, bien sûr! Minha avò morava pertinho do vilarejo e já me deu um Chassagne-Montrachet tinto de 1978... meu ano de nascimento!

Parabéns pela matéria, deu muita vontade de fazer La Route des Grands Crus. Agora te desafio a tomar um chardonnay chileno ou argentino de 2012!!

Abraço grande.

Desafio não aceito. :) Abraços, Oscar
Carlos Stoever
Advogado e Enófilo
Porto Alegre
RS
26/03/2014 Grande reportagem!

Que saudade de lá! Estivemos no ano passado e certamente voltaremos em 2016! No máximo vou te pedir um crachá do EnoEventos para poder entrar na feira! Rsss

Grande abraço!
Carlos Stoever

Bem, como você já publicou uma matéria no EnoEventos, é justo. Abraços, Oscar
Urai Oliveira
Enófilo
Natal
RN
26/03/2014 Tive o prazer de retornar da Borgonha há 2 semanas e também fiquei encantado com a organização da cidade de Beaune e daqueles vinhedos que avistamos nos rótulos dos vinhos. Tudo muito maravilhoso.

Uma das coisas que me impressionou é que os Domaines (tão badalados pelos adoradores de vinho) não são lugares de ostentação, como já vi até aqui em Mendoza. São simples e humildes, seguindo o pensamento do Hospices de Beaune.
Leonardo Caram de Castro
Enófilo
Rio de Janeiro
RJ
26/03/2014 Parabéns Oscar, bela viagem e grandes momentos. Deve ter sido mágico.
Renato Egídio Olivé Esteves
ABS-Campinas
Campinas
SP
27/03/2014 Prezado Oscar,

Que vinhos vc trouxe na mala, quais vc comprou que considera um bom custo/benefício?

Parabéns pela belíssima reportagem.

Abraço,
Renato

Renato, desta vez eu trouxe 18 garrafas: 17 brancos e 1 tinto. Mas isso será assunto para uma matéria específica, em breve. Abraços, Oscar!
Rafael Mauaccad
Enófilo
São Paulo
SP
27/03/2014 Oscar,

Pelo que você comeu e bebeu durante toda a viagem, nós estamos invejando até agora, através dos seus posts no Facebook, "just in time", e por esta excelente matéria.

Lá vão três perguntas indiscretas e recorrentes: o que você trouxe de vinhos na mala? Vai promover alguma degustação deles em "petit comité"? Posso levar o "foie gras"?

Parabéns pela modéstia e discrição demonstrados em seu relato, deixando o superlativo para a valorização da Borgonha e de seus inigualáveis vinhos.

Abraço.

Rafael, serve a mesma resposta que eu dei para o Renato, acima... Mas adianto que trouxe um branco Hautes Côtes de Nuits, da safra 1996, que é um espetáculo! Se você não demorar muito com o foie gras, eu posso esperar um pouco para dividir com você quando vier ao Rio. Abraços, Oscar
Julio Berruezo
Enófilo
Rio de Janeiro
RJ
27/03/2014 Muito dura essa sua vida. Se não bastasse ter que ficar alguns dias na Borgonha, visitando vinícolas, comendo muito e tomando aqueles vinhos, principalmente os brancos que você nem gosta, ainda foi obrigado a aturar um overbooking e ficar retido em Londres.

Dias melhores virão...
Valdiney Ferreira
VINISA Projetos, Desenvolvimento e Treinamento
Rio de Janeiro
RJ
29/03/2014 Caro Oscar, que belíssimo programa para um mes de março em que os mortais ficaram por aqui ralando e torrando no escaldante sol de verão do Rio! Uma estadia em alto estilo na Borgonha, a Rainha da França!

O caminho mais longo que percorri na minha vida e que nunca consegui terminar, são aqueles 55 km que vão de Dijon até Santenay. Alí aprendi que nunca se pode ter a ousadia de afirmar que se conhece os vinhos borgonheses. Para você que ama brancos e pretende mergulhar fundo nos brancos do lugar, conto uma experiência alí vivida. Também sonhava em degustar os vinhos míticos dos vinhedos de Le Montrachet! Embora não chegue a ser a loucura do Clos Vougeot, também tem vários produtores, se não me engano 15 (quinze).

Gastei uma boa grana até descobrir que para ter nas mãos um Borgonha branco que faça jus à fama e ao custo, não basta que venha de uma das três "aldeias de ouro" e de um vinhedo Grand Cru como o Le Montrachet. É preciso ter uma bom produtor por trás! Esta informação vale ouro quando se trata da Borgonha. Tanto quanto, eu diria, uma boa safra. Provavelmente você concorda e sabe muito bem disto. A diferença de qualidade pode ser abissal e o preço nem tanto.

A Côte Chalonnaise (Givry, Mercurey, Montagny, Rully) é menos conhecida e famosa, mas faz Borgonhas brancos frescos, bons para o nosso clima, que tem um custo-beneficio bem mais justo do que a maioria dos vinhos de Montrachet. Salvo se estivermos falando dos Domaines Leflaive (meu favorito), Marc Colin, Romanée Conti (não custa nem 10% do tinto), Ramonet, Des Comtes. Você concorda?

Atualmente no mundo dos tintos estou encarando outra região tinhosa, Sua Majestade o Piemonte, onde também a vida é dura para ter o justo por sua grana.

Abraços e bom fds.

Valdiney, por isso é que eu achei este evento espetacular. Pode-se conhecer bons vinhos que são vendidos a preços acessíveis e também pode-se experimentar vinhos que, de outra forma, eu não teria condições de comprar. Grande abraço. Oscar
Rodrigo Britto
Enófilo
São Paulo
SP
02/04/2014 Já estive por lá, quero voltar sempre. Quem sabe você não poderia organizar um grupo para 2016?

Seria bom ter mais brasileiros por lá, mas eu não tenho perfil para organizar viagens... Abraços, Oscar
EnoEventos - Oscar Daudt - (21)99636-8643 - [email protected]