
Uma das coisas que os cursos de vinho ensinam, logo nas primeiras aulas, são as uvas utilizadas para a elaboração dos espumantes de Champagne e a maioria dos apreciadores repete, com se fosse uma tabuada, sem hesitação: Chardonnay, Pinot Noir e Pinot Meunier. Essa é uma composição clássica e vitoriosa, copiada por produtores de espumantes ao redor do mundo.
Mas será que o assunto é assim tão simples e direto? É claro que não! Estamos tratando da França e o lema por lá parece ser: "Por que simplificar, se nós podemos complicar?"
Eu acreditava nessa "verdade absoluta" até 2010, quando então comprei um Champagne Montaudon Brut, cujo contra-rótulo informava a seguinte composição: Pinot Noir (45%), Chardonnay (25%), Pinot Meunier (10%) e Variedades (20%). Como assim?!? O que seriam essas variedades?
Essa descrição rendeu, à época, uma interessante e prolífica discussão no Forum Enológico, quando então aprendi sobre a existência de outras castas autorizadas.
Basta uma visita à página do CIVC - Comité Interprofessionnel du Vin de Champagne para saber que a lista vai além das três variedades clássicas: lá se encontram também as brancas Arbane, Petit Meslier e Pinot Blanc e a rosada Pinot Gris. Mas são castas quase que unicamente históricas e sua produção é absolutamente desimportante. Enquanto a Pinot Noir representa 38%, a Pinot Meunier 32% e a Chardonnay 30% do total de vinhedos, esses quatro micos-pretos somados não atingem 0,3% da área plantada da Champagne.
A Pinot Blanc e a Pinot Gris são castas bem conhecidas e muito difundidas em diversos países, principalmente na Itália (notadamente no Friuli), onde são conhecidas como Pinot Bianco e Pinot Grigio. Mas
as outras duas, Arbane e Petit Meslier, são virtuais desconhecidas em vias de extinção: a Arbane tem apenas 1 hectare plantado e a Petit Meslier aparece em apenas 4 hectares.
Não obstante a pequena produção, existem casas que apostam nessas variedades. A Moutard Père & Fils apresenta dois interessantes rótulos: o Moutard Vieilles Vignes, 100% Arbane, e o Moutard Cuvée des 6 Cépages, um corte de Arbane, Petit Meslier, Pinot Blanc, Chardonnay, Pinot Noir e Pinot Meunier.
Já a casa Duval-Leroy oferece o Authentis, um 100% Petit Meslier com a minúscula produção de 1000 garrafas.
A Maison Drappier também oferece um raríssimo blanc de blancs com quatro variedades: seu Drappier Quattuor é um corte de Arbane, Chardonnay, Petit Meslier e Blanc Vrai (Pinot Blanc).
Infelizmente, não encontrei nenhum desses espumantes em nosso mercado, muito embora o Moutard Vieille Vignes já tenha estado no Brasil, há alguns anos, importado pelos Supermercados Angeloni, de Santa Catarina. Estranho, não? Um Champagne assim diferenciado importado por um supermercado? E ainda mais do pequeno estado de Santa Catarina... Difícil de entender.
Hoje em dia eu questiono se a descrição das castas do Champagne Montaudon estava correta. Esse Champagne vende feito água na loja virtual wine.com.br, ao preço de 98 reais, uma surpresa para um vinho dessa região. Com produção que deve ser bem volumosa, não seria possível a fórmula conter 20% dessas raras variedades.
A página do produtor, atualmente, informa que a composição desse espumante é de Pinot Noir (45%), Chardonnay (25%), Pinot Meunier (10%) e 20% de "reserve wines". Embora essa descrição não seja exatamente a mais explicativa, tudo me leva a crer que o contra-rótulo da Montaudon, em 2010, foi simplesmente mal traduzido.
Oscar Daudt
04/01/2014 |