
Há cerca de 4 meses, publiquei na seção Na taça e... no foco a matéria de um vinho que harmonizava duas regiões portuguesas: o Alentejo, representado pelo enólogo Paulo Laureano, e o Douro, tendo Laura Regueiro, da Quinta da Casa Amarela, como embaixadora. O vinho resultante da empreitada era nada menos do que ESPETACULAR!
Desta feita, eu volto a esse assunto com mais um vinho que resulta do corte de duas regiões - o Dão e o Douro - na figura de dois dos mais fantásticos enólogos das terras lusitanas: Álvaro de Castro, da Quinta da Pellada, e Dirk Niepoort, da vinícola de mesmo sobrenome.
Seguindo uma sugestão de seu pai, Dirk contatou Álvaro com a intenção de elaboraram o "vinho perfeito", aquele que combinaria a elegância e a longevidade do Dão à concentração e a estrutura do Douro. O sonho se tornou realidade no ano 2000, com o lançamento da primeira safra do Dado, nome inicial do projeto. No entanto, problemas com o registro da marca, obrigaram os autores a trocar o nome do vinho para Doda, a partir da safra de 2005.
Como o vinho comete o "pecado capital" de misturar uvas de 2 regiões, ele foi automaticamente desclassificado para Vinho de Mesa, a mais baixa categoria que um vinho português pode receber. E como tal, não pode informar a safra. O rótulo frontal, como em um protesto, explica: "Segundo a legislação, um rótulo de vinho de mesa não pode ter menções a práticas enológicas, regiões envolvidas, ano da colheita, data de engarrafamento, nem sequer a história do surgimento do vinho. Assim, apenas podemos informar que este vinho foi feito por Dirk Niepoort e Álvaro de Castro..."

Entretanto, como o nosso "jeitinho brasileiro" parece ter sido inventado em Portugal, nossos colonizadores sempre acham uma maneira de revelar, indiretamente, a safra. E neste caso, os vinhos foram contados em "dados" e o rótulo deste que provei informa que o vinho foi alcunhado de "Quinto Dado". O consumidor que chegue a suas próprias conclusões. No meu caso, eu deduzi que era a safra 2005, o que foi confirmado pela rolha (foto à direita), que aparentemente não foi regulamentada pela Inquisição enológica.
Por sinal, vale a pena atentar a um detalhe dessa rolha: em lugar de estar escrito Doda 2005, vê-se que ela está identificada como Doudão 2005. Será um simples erro ou será que foi um recado para as autoridades portuguesas?
De qualquer forma, a rígida legislação já foi abrandada e, a partir da safra 2007, o vinho já informa livremente de que ano se trata. Melhor assim!
E então, o objetivo de fazer um vinho perfeito foi atingido? Na verdade, acho que isso nem existe, pois a perfeição de um vinho engloba outro fatores que fogem à vontade dos produtores, tais como a ocasião e a companhia com que o vinho será bebido.
Mas o vinho é excelente, suntuoso e inesquecível! As uvas das duas regiões foram vinificadas separadamente: as do Douro, em lagares com pisa a pé, com o vinho estagiando 20 meses em barricas de carvalho francês; as do Dão provêem de vinhas velhas, a metade delas Touriga Nacional, e o vinho amadureceu 24 meses em cascos de carvalho Allier. No total, a relação de castas informa estarem presentes as Touriga Franca, Touriga Nacional, Tinta Roriz, Tinta Amarela e Tinto Cão.
Os sedutores aromas apresentam flores, notas de cravo, muita fruta e toques minerais; apesar do longo período em carvalho, a madeira é uma leve menção, com quase imperceptíveis notas de baunilha. No paladar - sem medo de parecer piegas - é um vinho que acaricia a boca, aveludado, com frescor delicioso e a perseverança de um navegante português, com a fruta embromando, sem querer ir embora.
Se a ideia era competir a elegância do Dão com a concentração do Douro, arrisco-me a dizer que o Dão chegou na frente.
Este vinho foi comprado em Lisboa, há mais de 2 anos, ao preço de €39,94 (cerca de 135 reais). Aqui no Brasil, o vinho dessa mesma safra está à venda pela Importadora Mistral, por R$268,27, praticamente o dobro, o que, de acordo com as idiossincrasias de nosso mercado, é até uma diferença bem razoável.
Oscar Daudt
02/01/2014 |