Os países europeus produtores de vinho há anos buscam combater o flagelo da flavescência dourada, uma doença que ataca a videira através de uma bactéria transportada por um inseto. Essa doença, em pouco tempo, além de comprometer a produção, destrói completamente a planta, sendo altamente contagiosa. Países como a França e a Itália emitiram decretos para a luta obrigatória contra esse parasita, com sanções pecuniárias altíssimas e até mesmo a prisão do infrator.
Após a grande controvérsia e o clamor desencadeado pela recusa em tratar suas videiras contra a flavescência dourada utilizando um inseticida altamente tóxico, não esperava encontrar Emmanuel Giboulot disponível para uma conversa. Quando vi este homem de aparência e atitude modestas, servindo seus vinhos, tive de ler o nome no crachá para ter certeza de que era ele mesmo.

Seus vinhos tintos já se acabaram e os únicos disponíveis para degustação eram os brancos Côte de Beaune: La Grande Chatelaine, com bom corpo e boa acidez; Les Pierres Blanches, muito bom, nariz amplo e intenso e boca com ótimo equilíbrio e final muito longo; e, por último, o La Combe d'Eve, com uma etiqueta moderninha mas que se manteve no patamar dos vinhos normalmente bons.
Perguntei se ele tinha noção da repercussão da notícia sobre as ameaças que sofreu, já que esta correu o mundo todo. Ele timidamente afirmou que crê nas suas próprias convicções, uma vez que não se trata só de agricultura orgânica mas, no seu caso, também dos princípios da biodinâmica.
Interessante! Fiz de conta que não entendia do assunto e perguntei o que significava e ele me disse que, além de não empregar produtos de síntese química, utilizava também alguns rituais preparatórios enterrando entre as vinhas substâncias (ou coisas) naturais e atuando na adega.
Ah! Na adega? Como se faz biodinâmica na adega? A princípio ele pareceu titubeante em responder, mas eu caprichei no melhor sorriso e ele entregou o ouro: para Giboulot, cada barrica tem uma alma, uma personalidade e para fazer os cortes de vinho ele tem de conciliar a personalidade de cada uma para que se harmonizem. Os rituais que pratica são justamente esse "casamento" entre as barricas.
Disse a ele que tudo isso me lembrava os ritos xamãs. Ele me deu uma piscadela e sorriu.
Ada Regina Freire é carioca, radicada no Friuli, sommelière formada pela AIS, comissária da Câmara de Comércio de Udine para as DOCs e membro do Grupo de Análise Sensorial da Universidade de Udine
27/03/2014 |