Quando se fala em vinhos toscanos, todos logo lembram dos Chianti, dos Brunello di Montalcino e dos Vino Nobile di Montepulciano. Os mais antenados podem até lembrar em seguida dos Bolgheri, Carmignano e Morellino di Scansano. E só...
No entanto, a Toscana, terra privilegiada em termos de vinicultura, é muito mais dos que esses nomes que são as estrelas da região no comércio internacional e no coração dos apreciadores. E é bom lembrar que até mesmo na Itália, essas são as denominações dominantes. Estive em várias lojas de Florença - incluindo a gigantesca Eataly - e apenas esses grandes vinhos estavam disponíveis. As demais denominações são simplesmente ignoradas. Elas devem se contentar em serem vendidas em seus respectivos comércios locais.
Mas isso é realmente uma pena, pois existem muitos outros vinhos de alta qualidade, com preços muitas vezes bem mais acessíveis e que são ilustres desconhecidos.
 Rene van Hoof (Bélgica), Paul Howard (Grã-Bretanha), Oscar Daudt, Anne Meglioli (Secretária-Geral da FIJEV), Romeu Valadares (Brasil), László Bálint (Hungria) e Bernard Burtschy (França) |
Nesta recente viagem à região, a convite da FIJEV - Fédération Internacionale des Journalistes et Écrivains des Vins e Spiritueux, juntamente com um grupo de jornalistas de diversos países (foto à direita), tive o prazer de conhecer in loco algumas dessas pequenas notáveis.
E como a programação incluía a participação na feira Anteprime di Toscana, pude ainda degustar algumas outras denominações que dificilmente chegam a nosso mercado, como as de Cortona, Montecucco e Valdarno di Sopra.
A excelência de Val di Cornia |
Das zonas visitadas, Val di Cornia foi a que mais me impressionou. A denominação existe há cerca de 30 anos e, há 2 anos, foi promovida a DOCG. Sem surpresas, seus vinhos são elaborados à base de Sangiovese, que deve constituir no mínimo 40% do corte, que pode ser complementado com Cabernet Sauvignon, Merlot e outras variedades tintas da Toscana. Os produtores - a grande maioria de pequeno porte, com até 7 hectares - preferem, no entanto, a elaboração de vinhos monovarietais.
Os vinhos brancos são elaborados com base na uva Vermentino, que pode ser misturada com a Trebbiano, a Ansônica (Inzolia) e a Malvasia.
Um destaque da região são os vinhos "passitos", elaborados com 100% de Aleatico, uma perfumadíssima variedade tinta.
Em Campiglia Marittima, cidadezinha charmosa localizada no topo de uma montanha íngreme, o Consorzio ofereceu-nos uma degustação inesquecível de 12 varietais e 1 vinho de corte. Foram momentos marcantes em que todos os vinhos, sem exceção, eram de uma qualidade invejável. E pude acrescentar a meu catálogo de castas a desconhecida Pugnitello, variedade recuperada há poucos anos e que é vinificada por Jacopo Banti, que se anuncia como o único produtor desta uva, com seu vinho Diacopo 2008.
Um sofisticado jantar seguiu essa degustação, harmonizado unicamente com vinhos brancos, leves e refrescantes.
A pequena Terratico di Bibbona |
A pequena zona de Terratico di Bibbona foi criada em 2006 e conta, atualmente, com apenas 12 produtores. Seu nome é imponente mas sofre com o desconhecimento dos consumidores. Eu mesmo, para minha vergonha, troquei o nome para Bibbano em conversa com os produtores... Um deles até nos confessou que prefere classificar seus vinhos como IGT Toscana, nome mais conhecido, do que com a nova DOC, ignorada pela grande maioria dos apreciadores. O começo é sempre difícil.
O destaque da visita ficou com a Azienda Agricola Elizabetta, não só pela excelência de seus vinhos, mas principalmente pela qualidade do restaurante do hotel associado à vinícola: as duas melhores refeições da viagem aconteceram por lá. Enquanto o pai, o falante Luigi Brunetti, comanda a vinícola, o filho, Leonardo Brunetti, um chefe de renome, toma conta da cozinha. Seus pratos, elaborados com requinte, mas sem frescuras decorativas, chegavam ao limiar da perfeição, com temperos delicados emoldurando ingredientes fresquíssimos. Um espetáculo que bem vale um desvio em sua próxima viagem à Toscana.

Os vinhos ensolarados de Elba |
No verão, a bela Elba transborda de turistas provenientes de todas as partes da Europa. O turismo é a principal atividade econômica da ilha e molda, inclusive, o estilo dos vinhos que são produzidos por lá. São vinhos deliberadamente jovens, frescos, descompromissados, para serem consumidos na praia ou em refeições leves. Se você pensou no Rio de Janeiro, somos dois... São vinhos apropriados a nosso estilo de vida descontraído e calorento.
Elba já foi chamada, em tempos históricos de "Isola Vinifera", mas impressiona saber que, ao final da 2ª Guerra Mundial, havia 3.000 ha de vinhedos na ilha e que hoje não passam de 150 ha. Uma queda violentíssima, devida em parte ao desenvolvimento do turismo. No entanto, segundo os produtores, está ocorrendo, hoje em dia uma lenta recuperação da área plantada.
A DOC foi estabelecida em 1967 e conta, atualmente, com 17 produtores associados. Os vinhos brancos podem ser elaborados com a Vermentino, com a Ansônica (Inzolia) ou um corte de Trebbiano, Ansonica e Vermentino. Para os tintos, a casta principal é a Sangiovese, que pode ser acompanhada de Merlot, Cabernet Sauvignon e Syrah. Neste caso, existem duas classificações: o Elba Rosso e o Elba Rosso Riserva, que deve estagiar por 24 meses depois da colheita, sendo pelo menos 12 meses em barricas, fugindo um pouco do estilo leve preferido em Elba.
Outro orgulho dos ilhéus são os vinhos "passitos" que, em sua versão com a casta Aleatico, foram alçados à categoria de DOCG desde 2011.
Enquanto as demais zonas lutam para serem reconhecidas, Bolgheri nada de braçada na piscina da fama. É uma zona que deve sua existência ao renome de um único vinho que surpreendeu o mundo com sua inesperada qualidade a partir de 1968. O Consorzio só foi regulamentado muito depois, em 1994. São duas as denominações: a Bolgheri Superiore e, caso único na Itália de uma DOC dedicada a um só vinho, a DOC Bolgheri Sassicaia.
Apesar de ser uma zona assim tão nova, conta com 38 produtores associados, alguns deles de nomes respeitados de outras regiões que correram para Bolgheri em busca das oportunidades douradas. O diretor do Consorzio Riccardo Binda contou-nos que Bolgheri é uma zona fechada e, assim como na gafieira, "quem está fora não entra, quem está dentro não sai". Questionei essa decisão para uma zona tão recente, que me pareceu exclusivamente política e não técnica. Riccardo preferiu corrigir-me afirmando tratar-se de uma decisão "estratégica", para controlar a oferta.
A viagem pela Toscana foi pródiga em vinhos. Não cheguei a contar, mas devo ter provado mais de 200 rótulos. Foram todos devidamente documentados e fotografados, mas a quantidade impede que eu os divulgue na totalidade nesta matéria, o que tornaria a página muito pesada.
Tive, então, de escolher e divulgo nesta reportagem aqueles que mais me agradaram durante as degustações. Abaixo, nas fotos publicadas, o leitor encontrará os meus favoritos de cada zona.
Oscar Daudt
25/02/2014 |