
A Azienda Agrícola Bera está localizada na minúscula Neviglie. Com cerca de 500 habitantes - menos do que o meu condomínio em Laranjeiras - essa comuna está situada em região privilegiada, a 15 quilômetros de Alba.
Seu proprietário, Valter Bera (foto à esquerda), esteve esta semana no Rio de Janeiro e a Importadora Vinci ofereceu um almoço para a apresentação de seus vinhos. O local escolhido não poderia ter sido melhor: o meu restaurante italiano preferido, a Casa do Sardo e o improvável encontro da gastronomia da Sardenha com vinhos piemonteses andou pianissimo. Foi uma tarde especial!
Eu tenho uma grande dificuldade em falar italiano, apesar de conseguir compreender muita coisa quando os italianos falam devagar... isto é, quase nunca! Valter, a meu lado, não falava inglês e apenas arranhava um francês. Com isso, nossa comunicação foi complicada, mas ao final nos entendemos, falando a língua dos vinhos.
Se eu bem pude compreender, a vinícola Bera tem um produção anual de 140 mil garrafas. Dessas, 80 mil são de Moscato d'Asti e 20 mil são de Asti Spumante. Sobram poucas garrafas para serem divididas entre Brachettos, Nebbiolos, Barbarescos, Arneis, Barberas (d'Asti e d'Alba), Dolcettos e outros. O negócio da Azienda é mesmo os espumantes.
Valter é referência na produção de Moscato d'Asti, sendo o presidente da Associazione Sindaci dei Comuni del Moscato e também da Enoteca Regionale delle Colline del Moscato. E cheio de orgulho, trouxe na mala a mais recente edição da revista Gambero Rosso, cuja capa apresenta os 7 Homens de Ouro do vinho italiano. E quem são eles? São os presidentes dos consórcios que não sentem os reflexos da crise econômica italiana e continuam a crescer: Valpolicella, Salice Salentino, Chianti, Lambrusco, Lugana, Conegliano-Valdobbiadene e... Asti - o nosso Valter!
A tarde começou com um Bera Arneis 2010. Valter nos contou que, em 1960, quando o Piemonte decidiu investir nessa casta, ela estava praticamente extinta e não foi encontrado nem um único vinhedo dessa uva; apenas pés isolados em meio a outras variedades. Atualmente, no entanto, a casta está bastante difundida e são produzidas cerca de 4 a 5 milhões de garrafas ao ano. A Arneis é uma uva com excepcional estrutura, levemente frutada mas pode pecar por falta de acidez. Embora seja recomendado que seus vinhos sejam bebidos jovens, o 2010 que nos foi servido estava uma delícia, com bela complexidade.
Outro notável momento foi o Bera Alladio Nebbiolo 2008, que não é nada menos do que um Barbaresco sem esse nome. Seus vinhedos ficam a 5km daquela prestigiada região demarcada, as uvas são as mesmas, o método é o mesmo; só o preço é que é mais em conta do que o do Barbaresco real.
Mas o próprio Barbaresco também encantou, com toques florais e envelhecimento em um mix de barricas - pequenas e grandes, novas e usadas - que lhe empresta um equilíbrio especial entre o poder, a elegância e a vocação gastronômica. Vale ressaltar que, em nosso caso, fez companhia a um porquinho à pururuca - ou que outro nome tenha na Sardenha - que fez a tarde parecer mais bela.
Os chefes Paolo e Sílvio estavam em tarde de graça. Ou melhor, nós estávamos em estado de graça com a inspiração que tomou conta dos dois italianos. O mexilhão gratinado, o cordeiro à caçadora e o acima citado porquinho estavam para derreter os corações.
Mas o que eu gostaria mesmo é de contar sobre os Culurgiones, um tipo de ravioli avantajado que é típico da Sardenha. Seu recheio é feito com queijo, batata, azeite, alho e hortelã, e é simplesmente maravilhoso. É cozido e servido com molho de tomates. Mas o chefe Sílvio apresentou-os em duas versões: a original e a assada. E contou-nos que, quando criança, todos em casa eram recrutados para fazer os culurgiones e quando a fome batia sem querer esperar o almoço, colocavam alguns deles na lareira para assá-los. E foi essa a sua fonte de inspiração para o novo prato da Casa do Sardo. Vida longa às suas lembranças!
Oscar Daudt
30/04/2014 |