
O governo de Juscelino Kubitschek, de 1956 a 1961, representou um período de grandes esperanças, com forte impulso na industrialização e com a construção de Brasília em prazo recorde. Foram tempos de alegria quase ingênua, em que a imagem de um país feliz ficou gravada no imaginário coletivo dos brasileiros. Como o nome do presidente era por demais complicado para se escrever ou falar, a imprensa logo o apelidou de JK, numa abreviatura que se tornou uma marca. Até automóvel de luxo havia com essas letrinhas.
Abençoado, o chefe Joachim Koerper, da Enoteca Uno, herdou essas iniciais e faz bom uso delas. Não é qualquer restaurante que pode ter os vinhos da casa assinados por alguém tão conceituado como Paulo Laureano, o bigodudo enólogo voador português. E, claro, aproveitou as poderosas letras para batizar os vinhos, que têm tudo para vender feito água. Bem, tudo, tudo mesmo, eu não tenho como afirmar, pois os vinhos ainda não entraram na carta e eu não sei o quanto irão custar.
Aproveitando a passagem do Salvador Dali da enologia pelo Rio de Janeiro, JK ofereceu um jantar incrível para a apresentação dos novos vinhos. E não foi qualquer jantar, pois conseguiu reunir no restaurante, excepcionalmente aberto à noite, cerca de 50 convidados, dentre jornalistas, artistas e formadores de opinião enogastronômica.
O enólogo comandou a noite, apresentando os dois vinhos JK que atravessaram o Atlântico em sua mala. O JK Branco 2013 é um corte de Arinto, Fernão Pires e Antão Vaz, as grandes estrelas brancas do Alentejo. No nariz, a Fernão Pires parece dominar a mistura com um certo exagero aromático, mas é só colocar o vinho na boca que a deliciosa Arinto domina com seu frescor, tornando o vinho uma escolha refrescante para nossas altas temperaturas.
Por outro lado, o JK Tinto 2012 apresenta um original corte de Tinta Grossa com Touriga Nacional. Esta última é por demais conhecida, mas a Tinta Grossa é uma especialidade da Vidigueira, onde fica a vinícola do enólogo, e é uma casta normalmente utilizada em cortes, aportando sua cor profunda e seu nariz peculiar.
Vale aqui elogiar a política do Bigodão de usar apenas as centenas de castas autóctones portuguesas em seus vinhos, sem cair na tentação de utilizar as onipresentes castas internacionais. É sempre bom valorizar o que é da gente.
Mas a noite não se limitou aos vinhos JK e teve espetaculares momentos embalados pela caprichada e criativa gastronomia do chefe luso-germânico. A "começar pelo começo", quando um foie gras com chocolate foi servido acompanhado de um espumante Paulo Laureano Bruto 2007, um vinho com perlage finíssimo, muita estrutura e trazendo à lembrança os toques de padaria e o frescor dos cítricos. O corte é muito estranho: a Arinto é acompanhada da Esgana Cão, uva com marcante acidez e que é mais conhecida por seu nome utilizado na Madeira, Sercial. Fermentado em barricas velhas e repousando mais de 50 meses em autólise é um graaaaaaaaande espumante.
Também marcante foi a passagem por nossas taças do Dolium Escolha 2011, um Antão Vaz em pureza que fermenta em barricas novas e nelas repousa por 8 meses. Mas quem domina o conjunto é mesmo a gigantesca estrutura que faz com que a madeira seja uma discreta menção. Eu achei maravilhoso e meu companheiro de mesa não se cansava de elogiar o caráter borgonhês do vinho. É claro que tudo isso tem um preço e na carta do restaurante este passava, e muito, dos 300 reais.
Finalmente, um vinho que é uma espécie de bandeira de Paulo Laureano: seu Selectio Grossa 2010 é um varietal da acima referida Tinta Grossa e parece ser seu filho preferido. Não é para menos, pois seu nariz exótico e explosivo combina com uma boca sedosa e de longa duração.
Oscar Daudt
11/04/2014 |