
O Chile, geograficamente, parece uma piada pronta, com seu formato comprido e fininho. Lembro-me de uma divertida conversa, nos tempos pré-históricos do Orkut, em que alguém se refere a uma vinícola localizada a oeste daquele país, ao que um gaiato prontamente retruca: "Mas o Chile tem oeste?"
Em termos vinícolas, no entanto, nosso parceiro parece buscar a confusão, com uma divisão de áreas absolutamente psicodélica. Tradicionalmente, o Chile foi demarcado em regiões vinícolas determinadas pelos vales dos rios que correm dos Andes até o Pacífico. Eram poucas e os consumidores até que, bem ou mal, podiam identificá-las. A partir de 2012, entretanto, com o novo zoneamento, o pequeno país andino passou a contar com 6 regiões, 17 vales e 8 sub-vales.
Como se não bastasse esse retalhamento, as autoridades vinícolas resolveram traçar linhas longitudinais que dividem, cada um dos vales, em 3 áreas: a Costa, a Entre Cordilleras e os Andes. Com isso, o Chile foi dilacerado em nada menos do que 86 áreas, muitas com nomes esquisitos e impronunciáveis, como Llaillay, Vichuquen e Litueche. Se para nós, brasileiros, de língua latina, já é difícil, alguém consegue imaginar um americano num restaurante pedindo um vinho de Chimbarongo? Não dá... Esse esquartejamento mais me parece um tiro no pé.
Para tentar trazer um pouco de luz sobre a obscuridade denominativa, o enólogo Francisco Baettig (foto), da Viña Errazuriz, esteve esta semana no Rio de Janeiro, comandando um seminário sobre o Vale do Aconcágua, onde ficam localizados os vinhedos da premiada vinícola chilena. Nem todos os vales foram demarcados com as 3 divisões verticais, mas Aconcágua foi um dos que foram triplamente fatiados.
A denominação Costa, seguindo o nome do vale, indica que os vinhedos estão localizados entre o Oceano Pacífico e a Cordilheira da Costa, influenciados pela brisa marítima que sopra das águas frias trazidas pela Corrente de Humboldt e com um solo calcáreo que empresta uma mineralidade e uma salinidade aos vinhos, que resultam frescos e elegantes. As estrelas dessa área são a Sauvignon Blanc, a Chardonnay e a Pinot Noir, com a Syrah apresentando também bons resultados.
Entre a cadeia costeira e os Andes, fica a denominação Entre Cordilleras, a região mais tradicional do Chile e que elabora 60% dos vinhos desse país. A maioria dos ícones chilenos provêm dessa área. Embora protegida pela Cordilheira da Costa, mesmo assim os ventos marítimos encontram caminhos para refrescar seus vinhedos durante o dia, enquanto que pela noite, descem os ventos da Cordilheira dos Andes, permitindo que variedades como a Merlot e a Petit Verdot apresentem excelentes resultados por ali. No entanto, a rainha absoluta dessa zona é mesmo a Cabernet Sauvignon, que apresenta excepcional potencial de guarda.
A terceira denominação, Andes, refere-se aos vinhedos plantados ao sopé da massiva Cordilheira. Seu solo aluvional com profusão de pedras oferece uma drenagem perfeita para as videiras, enquanto que os ventos que descem das montanhas oferecem uma grande variação de temperatura entre o dia e a noite, essencial para a produção de grandes vinhos. Tanto as variedades brancas quanto as tintas apresentam excelentes resultados nessa área.
A pioneira Errazuriz, rápida no gatilho, trouxe para harmonizar com o seminário 4 vinhos que já exibem em seus rótulos a denominação Aconcagua Costa. Da linha Max Reserva, um fresco e agradável Sauvignon Blanc 2013, bem como um terroso e intenso Pinot Noir 2012.
Mas foi da linha Aconcagua Costa que chegaram as surpresas mais espetaculares. De uma elegância fantástica, embalado por uma mineralidade e uma cremosidade, o Chardonnay Aconcagua Costa 2013 era a epítome da equilíbrio. De olhos bem fechados, eu poderia jurar que estava bebendo um Borgonha da mais alta estirpe.
Já o Syrah Aconcagua Costa 2012, chegou com um ataque vigoroso, exalando a frutas e trazendo uma sensação carinhosa ao palato. Infelizmente, como a Vinci ainda não recebeu esses vinhos, não se sabe quanto custarão, mas o enólogo informou que o preço deve ficar entre o Max Reserva e o The Blend, o que significa um intervalo entre US$43,90 e US$69,90. Vamos aguardar para ver...
Mas uma degustação da Errazuriz tem de ter o grande The Blend e, principalmente, o ícone da vinícola, o Don Maximiano Founder's Reserve, que fecharam com chave de ouro a prova.
Oscar Daudt
05/08/2014 |