
Ciro Picariello é um pequeníssimo produtor da Campania, no sul da Itália, que elabora não mais do que 50.000 garrafas de vinho anualmente.
Mas em janeiro deste ano, Ciro mereceu muito mais do que 15 minutos de fama, e em escala planetária, quando a imprensa noticiou que ele estava sendo processado pela gigante francesa Veuve Clicquot. A Viúva alegava que o rótulo do espumante Ciro Picariello Brut Contadino estava infringindo seus direitos exclusivos ao uso da famosa cor amarelo-ovo.

Conforme se pode verificar na reprodução à direita, as duas cores não são nem parecidas e o desenho do rótulo também não procura imitar o do Champagne francês. Mas mesmo assim, a Veuve Clicquot, que elabora a estonteante quantia de 18 milhões de garrafas ao ano, alegou que poderia ter prejuízos que decorreriam da venda dos 5.000 espumantes do produtor italiano. Por favor, conte outra...
A repercussão da notícia foi tão negativa nas redes sociais e na blogosfera que, poucos dias depois, a marca francesa veio a público informar que "não estava processando a vinícola, mas que apenas havia alertado o produtor sobre a semelhança entre os rótulos e sugerido que o mesmo 'evoluísse' para evitar confusões". E como meia palavra é mais do que suficiente para um bom entendedor, eu acredito que, a essa altura do campeonato, o pobre italiano já deve ter alterado a cor de seu rótulo para roxo.
Há males que vêm para bem |
Pouco depois desse episódio, estive na Itália e fui procurar o espumante da discórdia. Mas os lojistas me explicaram que, devido à super-exposição do produtor, já não era mais possível encontrar essa garrafa por lá. Imagino que, atualmente, Ciro deve estar rindo de orelha a orelha com a publicidade gratuita de que foi alvo.
E para não voltar de mãos abanando, terminei comprando outro vinho da mesma vinícola: o Ciro Picariello Greco di Tufo 2011. Com um rótulo, prudentemente, branco...
A casta Greco é uma das mais plantadas no sul da Itália e desempenha um papel muito importante na região da Campania, onde seus varietais são elaborados em diversas DOC's, como Irpinia e Sannio. Além disso, é casta permitida como corte em diversas outras DOC's.
Mas a denominação mais importante e reconhecida internacionalmente é mesmo a Greco di Tufo, que foi promovida a DOCG em 2003. Nela, a uva Greco deve participar com pelo menos 85% do corte, sendo usualmente complementada com a ancestral Coda di Volpe Bianca. Esses vinhos normalmente estão prontos para serem bebidos em 3 ou 4 anos, tendo um excelente potencial de guarda de até 12 anos.
E que tal o vinho de Picariello? A bela cor pode ser categorizada como amarelo-ouro e no nariz destacam-se o damasco e o limão siciliano, acompanhados por notas florais e de mel.
Na boca, a acidez dança uma tarantela que se desenvolve em um corpo bem malhado, deixando um final cítrico e com um certo amargor. No entanto, para mal dos pecados, é bastante sensível uma dose extra de açúcar residual que, para meus parâmetros, deixa o vinho pesado e não convida a uma segunda taça.
Em suma, um vinho descontraído, estival, de uma casta que aqui no Brasil podemos até chamar de exótica, o que faz despertar interesse dos aventureiros. No entanto, não merece ocupar lugar e fazer peso na mala. A especialidade de Ciro é a Fiano e se eu soubesse disso naquele momento, teria escolhido essa outra casta.
Oscar Daudt
19/07/2014 |