
Em 1998, Michel Rolland, o célebre enólogo globalizado, descobriu a Argentina - mais precisamente Mendoza - e se encantou com o potencial vinícola da região. Passou a alimentar o sonho de desenvolver um projeto por lá até encontrar uma área que ele considerou como o "terroir" ideal, localizada 100km ao sul da cidade de Mendoza a uma altitude de 1.100m. Acontece que a extensão da parcela era grande demais, com 800 hectares, e ele não tinha condições de adquirí-la sozinho.
Começou, então, a convencer alguns investidores - todos eles produtores de Bordeaux - a apostar na ideia de implantar um mega-projeto por lá. O esquema funciona assim: todos os investidores participam da elaboração de um vinho comum - o Clos de los Siete - vinificado pelo próprio Rolland, com uvas fornecidas por cada associado. E o restante da produção de uvas poderia ser vinificado conforme o desejo de cada um.
Dos sete investidores, 4 construíram suas próprias instalações e estão elaborando seus vinhos "hechos en Argentina": o próprio idealizador, com a Bodega Rolland, a Monteviejo (dos Châteaux Montviel, La Gravière, Le Gay e La Violette), a Cuvelier de los Andes (dos Châteaux Léoville Poyferré e Le Crock) e a DiamAndes (dos Châteaux Malartic Lagravière e Gazin Rocquencourt).
Semana passada, o proprietário e diretor técnico da DiamAndes - Jean-Jacques Bonnie - esteve no Rio de Janeiro para apresentar seus vinhos argentinos e a Importadora Magnum ofereceu um jantar para recebê-lo e a alguns poucos felizardos que puderam desfrutar de vinhos de Mendoza com toque bordalês.
Eu, achando que iria colocar o visitante em uma saia justa, perguntei quais vinhos de sua produção ele gostava mais: os franceses ou os argentinos? A resposta, diplomática até dizer chega, já estava pronta e ele, de cima do muro bem fininho, explicou que dependia da harmonização. Correto, respondeu a uma pergunta impertinente sem dizer nada! É a sempre invejável elegância francesa!
E essa mesma elegância foi servida nas taças. Apesar do caráter vivamente argentino dos vinhos, podia-se notar o "savoir-faire" francês, que reprimia os exageros novo-mundistas e aparava as arestas. São vinhos que devem ser experimentados para se apreciar a qualidade da região de Mendoza sob o comando do conhecimento secular da França!
O branco DiamAndes de Uco Viognier 2012 era um belo exemplo da alta categoria. Essa casta francesa, que usualmente oferece excessivos aromas, nas mãos de Jean-Jacques (e de Rolland, consultor da vinícola) trazia deliciosas e sutis notas florais, com uma textura cremosa que fez excelente parceria com o polvo.
No departamento dos tintos, o DiamAndes de Uco Gran Reserva 2008 foi quem mais cintilou. Esse corte da argentina Malbec foi "bordalizado" com 25% de Cabernet Sauvignon e repousou por 24 meses em barricas - francesas, é claro! - resultando em um vinho complexo, opulento e elegante. Posso até pensar que, se Jean-Jacques tivesse aberto seu coração e não tivesse sido tão diplomático em sua resposta, teria confessado que seu vinho preferido era esse mesmo!
Oscar Daudt
14/04/2015 |