
Durante muito tempo, a vinicultura brasileira acreditou nos ditames europeus de que boas uvas - e, consequentemente, bons vinhos - só poderiam ser obtidos do paralelo 30º para baixo. Vinhos, apenas no Rio Grande do Sul, e olhe lá! E assim se passaram mais de 100 anos...
Hoje em dia, com o desenvolvimento dos conhecimentos de agronomia vitícola, esses limites tirânicos não fazem mais sentido. Nos Estados Unidos, por exemplo, todos os 50 estados são produtores de vinhos, desde o gelado Alasca, beirando o Círculo Polar Ártico, até o tropicalíssimo Havaí, nas proximidades do Equador.
Aqui no Brasil, nos últimos 20 anos, tem-se testemunhado a expansão das fronteiras da vinicultura, com empreendimentos em Santa Catarina, Paraná, Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Goiás. Surpreendentemente, não havia notícias de vinícolas de vinhos finos em São Paulo. Nosso estado mais rico preferia se concentrar na produção de vinhos de garrafão.
Esta semana, no entanto, tive a oportunidade de conhecer a Vinícola Guaspari, situada em Espírito Santo do Pinhal, pequeno município do nordeste do estado de São Paulo, lindeiro a Minas Gerais e em plena Serra da Mantiqueira. É um projeto de entusiasmar...
Os vinhedos começaram a ser plantados em 2006, mas a primeira safra a chegar ao mercado foi a de 2011, que começa agora a aparecer em nossos restaurantes. Não é um empreendimento amadorístico de um apaixonado por vinhos que decidiu fazer uma produção de garagem. É um projeto sério, de grande porte, mas também de um apaixonado por vinhos. Tudo é feito com extremo cuidado, com a melhor tecnologia e os melhores recursos humanos, como se não houvesse limites para o investimento. É surpreendente! Só em São Paulo, mesmo...
Para comandar a enologia, a vinícola contratou ninguém menos do que Gustavo Gonzalez, um norte-americano que tem em sua carteira profissional os carimbos da Robert Mondavi e da Tenuta dell'Ornelaia, quando foi responsável pela elaboração do famoso Masseto de 100 pontos! De mês em mês, Gustavo deixa a Mira Winery, no Napa Valley, para coordenar a Guaspari. Mas quando ele não está presente, quem toma as decisões é a enóloga Flávia Cavalcanti, que traz em seu currículo os nomes da Miolo, da Perini e da alentejana Herdade do Esporão.
A enologia de campo recebeu, também, a mesma atenção, com a contratação da consultoria do agrônomo português Paulo Macedo, responsável há 12 anos pelos vinhedos do grupo Symington. Mensalmente ele bate o ponto na Guaspari, mas quando ele está fora, o comando dos vinhedos passa para a responsabilidade de Cristian Sepúlveda, agrônomo chileno que empresta sua experiência nas vinícolas Concha y Toro, Santa Rita e Kendall Jackson, dentre outras, para cuidar com carinho das videiras paulistas.
Para um projeto assim recente, em uma região até então inexplorada para a vinicultura, o que se poderia esperar seria, no máximo, vinhos bons. No entanto, o que foi servido em nossas taças vai muito além dos adjetivos moderados. São vinhos estupendos, apaixonantes, requintados e inesquecíveis.
O Guaspari Sauvignon Blanc 2012 não tem nada a ver com o Novo Mundo, seguindo o estilo do Loire, com notas minerais, herbáceas, muito frescor e uma complexidade oferecida pela fração de 20% do vinho que estagia em madeira - francesa, é claro. Já para a safra 2013, a vinícola importou da França um moderníssimo ovo de concreto, onde uma parcela extra de 30% do vinho repousou. Se o 2012 já era bom, o 2013 então...
Os outros 2 rótulos que já estão no mercado são vinhos 100% Syrah, cada um proveniente de vinhedos específicos. O Guaspari Vista da Serra 2011 e o Guaspari Vista do Chá 2011, ambos vinhos de muita concentração e ao mesmo tempo elegância. Parece que a Syrah finalmente encontrou um "terroir" para chamar de seu aqui no Brasil!
Se você mora em São Paulo, poderá encontrá-los no Fasano, Gero ou Mani. Aqui no Rio, a única opção - por enquanto - é o Lasai. Como se vê, são vinhos destinados à "zelite", cujos preços sugeridos são de R$89, para o Sauvignon Blanc, e de R$139 para os Syrah.
Oscar Daudt
19/04/2015 |