|
 Jerez de la Frontera
Nas terras ensolaradas do campo andaluz, se criam vinhos de ouro, de finíssimo e suave paladar. Trata-se do vinho de Jerez, sem dúvida o vinho espanhol que mais remotamente alcançou fama pelo mundo e que é fruto de uma série de afortunadas coincidências naturais.
A história do vinho de Jerez é tão antiga quanto a própria Jerez de la Frontera, a capital vinícola da região. Por estar situada cerca da costa e no estreito de Gibraltar, Jerez foi uma região arduamente disputada por fenícios, cartagineses, romanos e, mais tarde, por árabes.
Muitos historiadores opinam que é provável que Jerez já existisse na época da colonização fenícia e não sobram dúvidas de que, na dominação romana, as vinhas e vinhos da região tinham importância comercial. Somente mais tarde, após a invasão árabe no ano 711 d.C., que a região adotaria o nome definitivo de Scherisch, que finalmente derivaria até o atual Jerez.
Até o século XVI, o vinho branco da região era muito diferente do que conhecemos hoje como Jerez, mas já havia conseguido certa fama na Inglaterra, sob o nome de sack, nome que possivelmente teve sua origem na expressão espanhola sacar.
Naquele tempo, havia-se estabelecido nas cercanias de Sanlúcar de Barrameda uma colônia de mercadores ingleses que, regularmente, exportavam os vinhos jerezanos para a Inglaterra. Conta Jan Read que, graças ao famoso pirata Francis Drake, o vinho de Jerez foi amplamente conhecido no mercado inglês: por ocasião de um ataque à cidade de Cádiz, o pirata capturou nada menos que 2.900 pipas de excelente vinho que, posteriormente distribuído em terras britânicas, contribuiu para consolidar finalmente o prestígio de Jerez.
Com a expulsão dos judeus espanhóis, chegaram às terras de Andaluzia um grande número de comerciantes ingleses, escoceses e irlandeses, que fundaram grande parte das atuais empresas produtoras de Jerez. Pedro Domecq foi a exceção, por se tratar de uma empresa fundada por iniciativa francesa.
Durante a primeira metade do século XVIII, o florescente comércio com a Inglaterra sofreu um severo contratempo ao firmar-se o tratado de Methuen, em 1703, que deu absoluta prioridade aos vinhos de Portugal naquele mercado.
Porém, foi no final do século XVIII e na primeira parte do século XIX, como conseqüência do apoio inglês à luta contra a França, que o vinho de Jerez conheceu seu maior período de expansão, tanto que os nomes dos comerciantes envolvidos são ainda os das grandes bodegas de nossos dias: González Byass, Sandeman, Duff Gordon, Osborne, Williams & Humbert, etc...
Existem na zona de Jerez, além de sua capital de mesmo nome, outras cidades de tradição vinícola, como Sanlúcar de Barrameda e Puerto de Santa María. Entre essas cidades, situadas entre o Oceano Atlântico e os rios Guadalquivir e Guadalete, se extendem os vinhedos sobre terrenos ondulados, formados por um solo calcário conhecido como "albariza". São terras extraordinariamente convenientes para a produção de vinhos de qualidade, esponjosas e frescas que, graças à influência atlântica, conseguem um refrescante alívio, que ameniza os efeitos das altas temperaturas e constantes períodos de estiagem da região andaluza.
A produção do Jerez
Produzido quase que exclusivamente a partir das uvas Palomino Fino, que cobre 90% da superfície de vinhedo e da casta Pedro Ximénez, que serve para fazer vinhos doces, o princípio de elaboração do Jerez está na mescla de vários vinhos provenientes de barris e idades diferentes.
É o princípio da solera, que consiste numa sucessão de cortes, onde é retirada uma certa quantidade do vinho mais jovem, que é transvasado para barris do ano anterior, esvaziados de 1/3, sucessivamente, até o engarrafamento do vinho obtido na base da pirâmide de barris.
Os vinhos de Jerez são únicos, pessoais. Há basicamente duas famílias de Jerez: os que têm a flor (como é conhecida a levedura do gênero Saccharomyces) sobre o vinho dentro de barricas deitadas, cheias até 2/3, conhecidos como Finos e os que não desenvolvem a flor, chamados de Olorosos.
A flor agrega sabores e aromas e retarda a oxidação do vinho, por cobri-la. Nos Finos não há influência da madeira: quanto mais velhos e inertes os cascos, melhor. Os pálidos, Finos, velhos, tornam-se Amontillados. A esta família pertencem os Manzanilla, vinhos brancos muito secos. Os que não formam a flor são os Viejos, Olorosos, criados em barris cheios.
Boas opções no Brasil
Apesar de o consumo de vinhos de Jerez ser muito pequeno no Brasil, quase todas as grandes casas produtoras estão presentes em nosso mercado. Emilio Lustau, Hidalgo e Barbadillo são alguns dos principais. Outro grande produtor de Jerez que nos oferece seus excelentes vinhos é Pedro Romero. Seu Manzanilla Fina é fresco e seco, exibindo no paladar a salinidade típica dos vinhos de Sanlúcar de Barrameda. Também nos chega o Viña El Álamo Oloroso Dry, imbatível em sua faixa de preço.
Outras regiões de Andaluzia produzem vinhos maravilhosos e menos conhecidos, como Málaga e o Condado de Huelva, assim como Montilla-Moriles, situada no interior e cerca da cidade de Córdoba, famosa por seus vinhos doces feitos a partir da uva Pedro Ximénez. Ali, a família Alvear produz vinhos de sonho desde 1729 e seu PX Solera 1927 é o maior exemplo. É o "top de linha" da bodega, com sua cor escura, âmbar, e paladar espesso e cremoso. Envelhecido em sistema tradicional de solera, com o corte mais velho datado de 1927, é uma das melhores opções de vinhos de sobremesa no mercado nacional.
Atualmente, alguns produtores de Andaluzia vêm contrariando as tradições e produzindo vinhos brancos secos de mesa com a uva Palomino sem muito resultado. Talvez os melhores brancos do país estejam na zona de Rueda, na Espanha central, e na Galicia.
Esses novos vinhos jerezanos em nada desmerecem , possivelmente, a tradição e o prestígio do clássico Jerez, o vinho mais imitado no mundo, já que na California e na Austrália, na África do Sul e até no Chipre já tentaram copiá-lo, sem sucesso. Mesmo na França, país com identidade vitivinícola própria, existe um tipo de vinho "ajerezado" que pretende remeter aos clássicos andaluzes.
Elaboram-se na região de Jura, onde seus vins jaunes têm certamente um aroma que recorda, com menor intensidade, o dos vinhos de Jerez. Claro que, nestes casos, é justo reconhecer que, ao contrário dos Estados Unidos, Austrália e outros países, não se usurpa nos rótulos a denominação Sherry, que só a Jerez pertence.
E também não podemos esquecer que, ao final, foram os próprios soldados espanhóis em guarnições no Franco Condado que tiveram a feliz idéia de tentar elaborar em solo francês um vinho que lhes permitisse aplacar a ausência do Jerez e suas felizes recordações.
Cesar Galvão |
|
|