|
 Apesar dos famosos e reconhecidos internacionalmente Albariños da zona de Rías Baixas, vinhos de outras regiões galegas como Ribeiro, Valdeorras, Monterrei e Ribeira Sacra estão a caminho de se tornar sérios competidores no universo dos vinhos brancos.
Morar em Galicia me proporcionou um verdadeiro curso sobre o progresso das variedades autóctones de cada uma das cinco denominações e ainda
deparei-me com uma considerável quantidade de desconhecidas bodegas familiares elaborando vinhos de primeira linha e que só eram comercializados localmente. Verdadeiros tesouros escondidos...
A verde e chuvosa Galicia, localizada entre a fronteira norte portuguesa e uma longa costa atlântica, tem profundas raízes celtas e sua gente guarda muitas semelhanças culturais com os irlandeses, incluindo a adoração pelas batatas, podendo mesmo ser considerada um equivalente continental para a Irlanda. Porém, ao contrário da ilha esmeralda, as latitudes mais baixas da Galicia permitem a insolação necessária para a correta maturação das uvas, pelo menos na maioria dos anos. Por sua alta pluviosidade - aproximadamente 1600mm/ano nas Rías Baixas e 1000mm nas demais D.O.'s galegas - a umidade é altíssima, fator que favorece o aparecimentos de diversas enfermidades nas videiras, obrigando que a condução das vinhas seja em alambrados suspensos, muitas vezes sustentados por blocos de granito.
Minha peregrinação por terras galegas teve início em Verín, uma encantadora cidade banhada pelo rio Támega, a menos de 15km da fronteira com Portugal, e o berço da D.O. Monterrei. Seu terreno montanhoso - desprovido de vegetação pelos frequentes incêndios que assolam a Galicia nos meses de verão - rodeia o amplo vale de Monterrei e de onde logo avistamos a "Acropolis de Verín", um complexo que inclui um castelo do século XV e a igreja gótica de Santa María. Logo fui atraído por uma pequena adega (bodega, em galego) chamada Gargalo, produtora do Terra do Gargalo, vinho conhecido dos passageiros da classe executiva da Iberia. Um corte das variedades Treixadura, Godello e Doña Blanca resulta em um vinho mineral e ricamente frutado, e que é o legítimo representante do vinho da região.
Outras bodegas menores apresentaram ótimos brancos e aos tintos quase sempre faltava qualidade. A surpresa agradável foi a novíssima Quinta da Muradella, que recuperou castas autóctones quase extintas (Samarrica, Bastardo e Bastardillo) e teve sucesso nas experiências com uvas como Mencía, Alicante Bouschet e Garnacha Tintorera, alcançando uma qualidade que jamais vi em tintos galegos.
Após elaborar vinhos durante anos na vinícola familiar Palacios Remondo, na Rioja, Rafael Palacios entrou no cenário dos vinhos brancos galegos em 2004, com o branco de Godello As Sortes, causando sensação instantaneamente. Depois de algumas disputas familiares e, talvez, um desejo de seguir seu próprio caminho, livre da sombra de seu irmão famoso Álvaro, Rafael se mudou para Valdeorras (seus primos também produzem vinhos ali e na zona vizinha do Bierzo), adquiriu algumas vinhas velhas de Godello e iniciou sua empreitada. Seus brancos As Sortes e Louro do Bolo são fermentados em foudres de carvalho, ao estilo alsaciano. O resultado é sempre um vinho riquíssimo, expressivo e complexo, com um peso de Bourgogne e sem as marcadas características do carvalho e, com eles, Rafael Palacios demonstrou potencial para entrar para o time de produtores dos melhores vinhos brancos da Europa. Ainda em Valdeorras e seus vinhos de Godello, a bodega A Tapada elabora seu fantástico Guitián, sob consultoria do enólogo da riojana Bodegas Bilbaínas, José Hidalgo. Também merecem ser provados os clássicos de Godeval e Viña Somoza.
A oeste de Valdeorras está a denominação da Ribeira Sacra, com promissores brancos de Godello e Albariño e alguns tintos da uva Mencía, a redescoberta variedade espanhola mais interessante. As Adegas Moure, a mais importante da zona, elaboram um delicioso Mencía e um ótimo Albariño, ambos sob o rótulo Abadía da Cova.
A D.O. Ribeiro, com 85% da produção dedicada aos vinhos brancos, produzidos a partir de 3000 hectares de vinhedo repartidos por treze municípios da província de Ourense, vem melhorando consideravelmente, ano após ano, a qualidade de seus vinhos. Historicamente, são tidos como vinhos ligeiros e ásperos, produzidos em gigantescas quantidades, mas atualmente encontramos produtores e vinhos que primam pela elegância e qualidade. Alguns dos melhores produtores se localizam ao redor da cidade medieval de Ribadavia, a 35km de Ourense, capital da província de mesmo nome. Ribadavia é uma fascinante viagem ao passado, com o castelo dos Condes de Ribadavia, uma igreja do século XII, um evocativo bairro judeu medieval e as ruínas das antigas muralhas da cidade, voltadas para os rios Avia e Miño. Este último, poucos quilômetros a sudoeste, flui para desenhar a fronteira norte com Portugal. Os altos níveis de produção, com grandes cargas por planta, privaram estes vinhos de preços razoáveis a alcançar todo seu potencial no passado. Porém, as crescentes cotas de qualidade dos brancos espanhóis de outras regiões começaram a impulsionar os produtores do Ribeiro a um patamar mais alto. Por sua vigorosa acidez e elegante caráter mineral, os vinhos do Ribeiro são a escolta perfeita para os pratos da gastronomia local, com seus moluscos, crustáceos e pescados.
Emilio Rojo, engenheiro aposentado com fama de excêntrico, é geralmente reconhecido como a estrela do Ribeiro. Há alguns anos, Rojo voltou a sua Galicia natal para elaborar 9000 garrafas por ano de um branco mesclado com as variedades Treixadura, Loureiro, Lado, Albariño e Torrontés, originando um vinho pungente e especiado, com seu inesquecível final mineral. Também no Ribeiro, Viña Meín produz intrigantes vinhos com aromas de pêra e melão, a partir de dois hectares de vinhas velhas de baixo rendimento, localizados na pequena aldeia de Leiro.
Não há dúvida de que Galicia está elaborando vinhos verdadeiramente bons a partir de suas uvas nativas. Estas diferentes e refrescantes variedades - Albariño, Godello e Treixadura, especialmente - estão demonstrando ser capazes de dar lugar a vinhos memoráveis, de grande complexidade e excelentes companheiros para a comida. É uma grande revelação, em um país considerado, há uma década, como incapaz de fazer vinhos brancos de qualidade. |
|
Vinhos recomendados |
 As Sortes 2006 D.O. Valdeorras Muito expressivo e complexo, com aromas de frutas maduras, ervas, florais. Lembrando os melhores vinhos de Condrieu, este varietal de Godello fermentado em barrica está entre os grandes vinhos brancos da Espanha e do mundo atualmente. Nota: 95 Onde: Rafael Palácios - [email protected]
Valdesil Godello 2006 D.O. Valdeorras Ao contrário da maioria dos brancos de Valdeorras, fermentados em barrica, este vinho é criado em tanques de aço inoxidável. Vinho bastante fresco, com um caráter mineral e notas cítricas marcantes. Nota: 88 Onde: Península (21-2249-6217)
Viña Meín 2006 D.O. Ribeiro Um dos meus brancos galegos favoritos é um assemblage das melhores cepas de Treixadura (80%), Godello (10%), Loureiro (5%) e pequenas parcelas de Albariño, Torrontés e a variedade experimental Lado. Excelente expressão frutal, com variados matizes, boca potente, boa acidez e um inconfundível retronasal defumado. Nota: 91 Onde: Viña Meín - [email protected]
Quinta da Muradella Gorvia 2005 D.O. Monterrei Apesar dos fabulosos tintos, o destaque da bodega é este branco, produzido exclusivamente com a casta nativa Doña Blanca. O vinho exibiu uma cor ouro brilhante, com um intenso ataque aromático de flores e minerais. Boca elegante, com uma textura oleosa e ótima acidez. Se servido às cegas, eu diria que era um excelente Gewürztraminer. Nota: 92 Onde: Quinta da Muradella - [email protected] |
|