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 O mundo do vinho é repleto de sonhos. Alguns parecem ser utopias, mas na medida em que caminhamos pela deliciosa estrada da enogastronomia, muitos deles se tornam realidade. Na encantadora Borgonha, que visitamos diversas vezes nos últimos doze anos, uma das paradas obrigatórias é o vinhedo Romanée Conti, com seus singelos 1,8 ha de solo calcáreo, com altitude, inclinação e drenagem perfeitas para o cultivo de videiras nobres. São vinhedos do séc. XV, plantados pelos monges de St. Vivant e comprados em 1760, pelo príncipe Louis François de Bourbon-Conti. Parece mesmo que, fechando os olhos, nos ares do local se respira a complexa paleta aromática presente nas taças do incomparável néctar.
Dali, sempre vem a pergunta: Mas onde está a adega? Ora, é simples. Consultando o mapa turístico na minúscula praça central da comuna de Vosne Romanée, chega-se facilmente ao endereço onde nascem os Grand Crus da renomada marca. A única identificação são as iniciais RC, no alto do portão vermelho. Para os simples mortais, é impossível entrar. Nada de recepcionistas ou lojinhas com ofertas e souvenirs, como nas outras vinícolas. Para comprar o vinho, só no comércio local, a preços estratosféricos.
Apenas seis mil garrafas de Romanée Conti são produzidas em cada safra. O vinho não é vendido em unidades, dúzias ou caixas, mas sim em um assortiment - seleção de doze vinhos em que apenas um é o RC!
Desta vez foi diferente. Como um presente de Baco, os portões de ferro se abriram para nosso pequeno grupo e logo nosso anfitrião surgiu. Nada menos que Bernard Noblet, o enólogo-chefe da Romanée-Conti, nos recebeu no pátio. Um senhor forte e grandalhão, fisionomia séria, que revelou ao longo da visita, uma sensibilidade fora do comum, totalmente afinada com os princípios do mais puro cultivo biodinâmico, sem dúvida um dos fatores de qualidade dos vinhos da casa. Ao longo da pequena caminhada até a próxima esquina, fomos quebrando o gelo e, usando a simpatia carioca, construindo nossa amizade com Noblet. Chegamos ao local onde, guardada a sete chaves numa cave subterrânea não identificada, amadurecia a safra 2008 em toda a sua plenitude. Descemos as escadas emocionados, chegando à rústica sala de barricas, onde faríamos, muitos de nós, a melhor degustação de nossas vidas. Noblet distribuiu a cada um, as taças que trazia em um embornal de vime e iniciamos os trabalhos!
Direto das barricas, safra 2008, o primeiro vinho foi o Echezeaux 2008, em seguida, o Romanée St. Vivant 2008, depois o La Tache 2008 e, finalmente, o Romanée Conti 2008, num crescente de prazer sensorial, quase luxúria! Para alimentar a imaginação e descrever as características de cada vinho, Noblet os comparava a mulheres: a primeira, uma felina a ser domada e dominada em sua voluptuosidade; a segunda, sensual e lasciva, envolvendo-nos em seus braços; a terceira, recatada e mimosa, mas com uma explosão de prazer quando provocada e, por último, uma grande dama, que reluta em mostrar seus segredos íntimos.
Nesta altura, a degustação já tinha valido toda a viagem e a expressão de felicidade dominava o rosto dos participantes! Mas Monsieur Noblet tinha entendido a nossa insaciável sede de caldos nobres e resolveu ir adiante, nos servindo um Grand Echezeaux 1999! Quase ficamos de joelhos, impressionados com a magnitude sensorial daquele vinho, ainda despertando do seu repouso de dez anos nas caves mágicas da RC!
Sacando então uma chave do bolso, declarou sua simpatia pelo grupo e nos ofereceu um presente, reservado a poucos escolhidos. Abriu a porta de ferro, que dava acesso a um nicho privado, empilhado de garrafas empoeiradas e de lá sacou um ... Richebourg 1967! O coração acelerou, a vista turvou, a mente embaralhou, mas conseguimos nos recuperar a tempo de sorver o néctar divino, com refinados aromas etéreos e notas vegetais de folhas umedecidas que exalavam um misto de frescor e complexidade inigualáveis.
O golpe fatal de nosso anfitrião veio a seguir: um Montrachet 1974, sublime expressão dos melhores brancos secos do planeta, do qual se produzem apenas 250 caixas ao ano. Trinta e cinco anos após ter sido elaborado, o vinho - classificado por Noblet como uma loira sensual, balzaquiana mas ainda cheia de vida e sensações - mostra uma natural cor âmbar, aromas de frutas secas e paladar infinitamente longo, com vigor e frescor inimagináveis.
Não há como descrever uma degustação na Romanée Conti, senão com todos estes superlativos, metáforas e alegorias. Este grupo de enonautas, organizado por José Grimberg, da Bergut Bistrô e Vinhos, do Rio de Janeiro, vem se especializando em degustações de sonho como esta. A próxima meta são os 1er. Crus Classés de Bordeaux. Que Baco nos guie! |
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