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Quando se fala em vinho francês, as referências de alta qualidade são sempre as regiões de Bordeaux e Bourgogne, que encantam e deliciam os mais exigentes apreciadores com seus vinhos nobres e famosos, assentados em séculos de tradição e reconhecimento público. Outras regiões produtoras francesas costumam ser relegadas a um plano inferior, face ao domínio quase absoluto do mercado de vinhos de alta gama, pelos chamados Crus Classés, néctares extraídos dos melhores terroirs das mais renomadas comunas do Médoc (Bordeaux) e da Côte d'Or (Bourgogne). Esta bem engendrada redoma de cristal, criada pelos comerciantes locais em meados do século XIX, conseguiu manter até hoje os rótulos agraciados com a comenda, num conceito de "qualidade máxima inatingível pelos demais" que vem engordando significativamente os bolsos dos proprietários das marcas, a custa de manobras dignas de aplauso pelos melhores especialistas em marketing. Nem mesmo a revolta dos não-escolhidos, algumas décadas depois, criando os Crus Bourgeois - classificação paralela em Bordeaux - ou ainda a contenda de Paris, em 1974, quando os Crus Classés perderam feio em qualidade para os top californianos, foram suficientes para abalar o prestígio dos medalhados.

Os (talvez) mais injustiçados com esta história, são os vinhos da Côtes du Rhône, região produtora da França central, com rótulos diversificados, variadas Denominações de Origem (AOC), rica em excelentes tintos - os mais conhecidos vêm da comuna de Chateauneuf-du-Pape - e consistentes brancos, predominantes nos vinhedos do extremo norte. Sem dúvida alguma, vários vinhos do Rhône merecem ocupar mais do que o terceiro lugar em uma classificação geral de franceses por qualidade, mas perdem prestigio por não ostentarem em suas garrafas os nomes Grand Cru e 1er Cru.

As encostas do rio Rhône (Ródano, em português) estendem-se por cerca de 200 km, desde Vienne, ao sul de Lyon, até as cercanias de Avignon, serpenteando em direção ao mar Mediterrâneo. O Rhône se divide em duas sub-regiões: Setentrional (norte) e Meridional (sul). Um dos destaques do Norte é a produção de brancos na AOC Condrieu, a melhor expressão da casta Viognier, nativa da região. O clima continental, seco e quente, os solos graníticos e os vinhedos com boa exposição solar sul-sudeste garantem a tipicidade e qualidade dos vinhos brancos aromáticos e untuosos da região. São vinhos para degustar jovens, com até oito anos de garrafa, para manter o frescor e a aromaticidade. Concorrem, em elegância e equilíbrio, com os melhores Crus brancos da Bourgogne. A singela e pitoresca AOC Chateau Grillet está encravada dentro da região Condrieu, também produzindo exclusivamente brancos Viognier. Trata-se de um "monopole" - vinhedo AOC pertencente a um único proprietário, a família Neyret-Gachet, desde o inicio do séc. XIX. O estilo diverge dos Condrieu, devido ao estágio de até 24 meses em barricas de carvalho, adicionando ao vinho mais complexidade e estrutura, com notas aromáticas de especiarias e baunilha.

Ao norte de Condrieu, fica a AOC Côte-Rotie, com seus cortes Syrah/Viognier - até 20% de Viognier podem ser adicionados ao vinho Syrah para enriquecer os aromas. Produz vinhos de média longevidade (até 15 anos) que demonstram o estilo vigoroso da casta-rainha do Rhône, a Syrah. Os Côte-Rotie são famosos por suas nuances aromáticas paradoxais, mostrando aromas animais mesclados com notas florais.

Ainda ao Norte, mas na outra margem do rio Rhône, estão localizadas duas importantes AOCs: Crozes-Hermitage e Hermitage. Apesar da semelhança nos nomes, pode-se dizer que os vinhos (na maioria tintos) diferem bastante em qualidade e estilo. Enquanto os Crozes-Hermitage são vinhos fáceis e leves, produzidos em cooperativas para serem degustados jovens e frescos, os Hermitage, tânicos, complexos e longevos (duram até 40 anos) têm renome por sua especial qualidade, podendo superar, neste quesito, alguns bons Crus Classés de Bordeaux e 1er. Crus da Bourgogne. No séc. XIX era comum o "assemblage" de Hermitage com vinhos de Bordeaux, para que estes alcançassem melhores preços. O "terroir" destas AOC é praticamente idêntico ao de suas vizinhas, com climas quentes, solos graníticos e boa exposição solar. Aqui aparecem castas coadjuvantes para a Syrah, como a Roussane e a Marsanne, que colaboram com até 15% dos vinhos. St.Joseph, Cornas e St.Peray são as AOC complementares e menos expressivas do norte do Rhône. Na transição norte-sul, encontram-se também as AOC Côte du Rhône (equivalente às genéricas Boudeaux e Bourgogne) com maioria de tintos Syrah e Clairette de Die (espumantes).

No sul do Rhône repousa a sua grande estrela, a AOC Chateauneuf-du-Pape, consagrada por seus tintos e brancos encorpados e consistentes. Como o nome indica, boa parte do desenvolvimento desta região vinícola deveu-se à instalação do Papado na cidade de Avignon, durante o séc. XIV. A baixa altitude, a influência dos ventos Mistral - que reduzem a umidade provocada pela proximidade com o Mediterrâneo - e a diversidade de solos, transformam o terroir do sul em paraíso natural de diversas variedades viníferas. O solo varia de arenoso na parte leste ao cascalho mais ao sul, mas os "galets", seixos redondos resultantes de fragmentos de quartzo oriundos dos glaciares alpinos e arredondados durante milênios pela ação das águas do Rhône, formam o espetacular solo pedregoso da área principal de vinhedos.

Quinze castas compõem o espectro ampelográfico da AOC: as tintas Grenache Noir, Syrah, Mourvèdre, Picpoul Noir, Terret Noir, Counoise, Muscardin, Vaccarèse e Cinsault e as brancas Grenache Blanc, Picpoul Blanc, Picardan, Clairette, Roussane e Bourbolenc. A Grenache Noir domina 72% dos vinhedos, seguida pela Syrah (10,5%) e Mourvèdre (7%). Na prática, estas três variedades predominam no corte dos tintos, que atingem teor alcoólico de até 15% e exalam complexos aromas de caça, alcatrão e couro, com notas de especiarias. São robustos e tânicos quando jovens e evoluem galhardamente durante décadas. Os melhores exemplares enfrentam com louvor os Grand Crus famosos do país. AOCs adjacentes como Gigondas, Côtes de Ventoux, Tavel (rosés) e Muscat-de-Beaume-de-Venise (brancos doces) completam a oferta de bons vinhos da região.

Com certeza, os vinhos da Côtes du Rhône merecem mais lugar e atenção à mesa dos brasileiros!
 
Comentários
Eduardo Araujo
Sommelier
Florianópolis
SC
19/03/2010 Excelente materia!

Tenho degustado diversos vinhos da região e eles se tornaram um dos meus favoritos ultimamente: Vieux Telegraphe, E. Guigal, são alguns dos bons produtos que me deixaram excelente lembrança. Côte-Rotie e Chateauneauf du Pape, além do "único" Condrieu.

Você resumiu bem, "Com certeza, os vinhos da Côtes du Rhône merecem mais lugar e atenção à mesa dos brasileiros!"
Mauro Raja Gabaglia
Enófilo
Rio de Janeiro
RJ
19/03/2010 Homero,

Você tem toda razão, os grandes vinhos do Rhône estão entre os melhores do mundo. Em relação ao Hermitage, é bom acrescentar que seria um pecado tomá-lo antes de 10 anos de idade.

Essa necessidade vale também para os 1ers crus de Bordeaux, o que talvez explique a derrota dos franceses para os americanos no famoso Julgamento de Paris (aliás, uma pequena correção, a prova ocorreu em 1976), já que a maioria dos vinhos na disputa era da safra de 1973.
José Luis Azeredo
Enófilo
São Paulo
SP
19/03/2010 Homero,

Nos anos 80, fiz parte dos meus estudos em Lyon. O Rhône é tudo o que disseste e um pouco mais. É região cheia de estrelas do Michelin, e podes acreditar, deveria ter mais do dobro delas, tal é a diversidade gastronomica que tem.

Antes de ir para lá, passei por Paris. Num almoço com o Prof Raymond Roy-Camille, chefe do serviço de ortopedia da Pitie Salpetriere e um dos melhores gourmets que conheci, perguntei: - Os melhores vinhos da França são de Bordeaux?

A resposta foi: os melhores vinhos da França são os de Côte-Rotie, vai lá para conheceres. Eu fui, e até hoje tenho a mesma opinião dele.

Um []
Azeredo
Leonardo Mattietto
Enófilo
Rio de Janeiro
RJ
20/03/2010 Homero,

Muito boas as suas observações. Os vinhos do Rhône são excepcionais no quesito custo-benefício. Se tomamos, por exemplo, os grandes nomes do Châteauneuf-du-Pape, como Beaucastel e Vieux Télégraphe, constatamos que eles custam bem menos do que um premier grand cru classé de Bordeaux, mas têm excelentes notas em qualquer avaliação e um ótimo potencial de longevidade.

Mesmo os mais simples, como os da extensa gama de M. Chapoutier, dificilmente decepcionam. Outra coisa boa: o Rhône está repleto de pequenos produtores, que nos oferecem verdadeiros achados!

Abraços,
Leonardo

PS. Mauro, os tintos provados no Julgamento de Paris de 1976 foram o Haut Brion 1970, o Mouton 1970, o Montrose 1970 e o Léoville-Las-Cases 1971. Os brancos eram, aí sim, três de 1973 e um de 1972, da Bourgogne.
Rafael Mauaccad
Enófilo
São Paulo
SP
22/03/2010 Caro Homero,

Você nos presenteou com esta visão panorâmica do Vale do Rhone, como num "sightseeing", nos apontando os principais locais para conhecimento. Em novos artigos, retorne em cada um deles para nos apontar detalhes de suas regiões, seus produtores, suas tipicidades. Os villages e seus vinhos maravilhosos merecem parada obrigatória, principalmente em Rasteau.

Rhone é a região vinícola da Franca que permite aos brasileiros ace$$o a seus vinhos de qualidade.

Até a volta,
Rafael
EnoEventos - Oscar Daudt - (21)9636-8643 - [email protected]