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Tudo começou em novembro de 2009, com a participação no Road Show Bordeaux ao seu Alcance, um curso de um dia sobre vinhos de Bordeaux, apresentado no Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, para cerca de cem participantes em cada cidade, entre profissionais, formadores de opinião e amantes do vinho. O curso, ministrado por Charlie Arturaola, especialista radicado na Flórida, EUA, forneceu uma visão panorâmica e moderna da principal região produtora da França, com degustação de diversos vinhos selecionados entre as sessenta Appellations da região.

Aos participantes foi dada a oportunidade de, ao final do curso, prestar um exame e se candidatar a treinamento futuro, em Bordeaux, para obtenção do credenciamento como Embaixador de Vinhos. No Rio de Janeiro, cerca de cinquenta participantes prestaram o exame e os cinco melhores colocados foram chamados a uma entrevista com a representante da Sopexa - organismo de fomento internacional para produtos agrícolas franceses. Assim também ocorreu em São Paulo e, entre os dez entrevistados, quatro candidatos foram selecionados para o curso de credenciamento em Bordeaux. Várias datas foram oferecidas, para cursos em francês ou inglês, ao longo de 2010. Eu me enchi de coragem e resolvi enfrentar logo a primeira turma, no início de maio, já sabendo que, além do curso em horário integral durante uma semana, teria que passar por um exame teórico e prático, com prova de degustação às cegas!

Planejei minha viagem usando o TGV entre Paris e Bordeaux. Embarquei no trem ainda no Terminal 2 do Aeroporto CDG, o que é muito prático e conveniente. Na ida, tive tempo de passar duas noites e um dia visitando os amigos Eric e Aurea Recchia, em Pontlevoy, que fica mais ou menos no meio do caminho (já relatei esta passagem na matéria sobre os Recchia). Neste dia do Loire, fui à feira com Eric, para comprar ostras gigantes frescas para o jantar, um charme! Visitamos o Domaine Huet, produtor top da região, e os Champalou, que eu conheço de longa data, pois estiveram na ABS-Rio, trazidos pelo saudoso Club du Taste Vin.

Cheguei a Bordeaux no sábado 01 de maio, contando em deixar as malas no hotel e seguir para Saint Emilion, a meia hora de trem, sabendo que lá havia um evento Portes Ouvertes, no final de semana, quando vários chateaux recebem para degustação e venda de seus vinhos. Entretanto, ao desembarcar na gare, a desagradável surpresa. Nem mesmo o transporte público funcionava naquele Dia do Trabalho. Um exagero, convenhamos. Os poucos taxis de Bordeaux cobram tarifas inflacionadas e não valia a pena a ida a St. Emilion. A solução foi me distrair em um simpático Marche aux Puces, na Place des Girondines, onde adquiri dois ótimos livros sobre vinhos da região, almocei um delicioso kebab acompanhado de uma garrafa de um honesto chateau vendido a 5 euros em um dos boxes e passei o resto da tarde apreciando as modas.

No domingo 02 de maio, era vedada a circulação de carros no centro, como em todos os primeiros domingos de cada mês. Em compensação, a Opera de Bordeaux, ali ao lado, oferecia um programa imperdível. Um concerto com um conjunto de câmara, seguido por uma degustação de vinhos de Pessac-Leognan, tudo isto por 10 euros! Deliciei-me com o concerto, executado por músicos virtuosos e provei uns cinco brancos notáveis e mais uns dez tintos de respeito, entre os quais destaco Domaine de La Solitude, Chateau Bardins, Chateau Haut Nochet, Chateau d'Eyran, Chateau Baulos-Charmes e Domaine de Grandmaison.

Passava da hora do almoço e resolvi partir para Saint Emilion (o bonde público já funcionava normalmente). Me arrependi quando desembarquei na singela estação do famoso lugarejo e constatei que a única opção para chegar a cidade era uma caminhada de vinte minutos morro acima! Não havia outro jeito e cheguei esbaforido e faminto, ocupando uma mesa no primeiro restaurante ao ar livre (fazia calor), em frente à igreja monolítica, monumento ancestral da cidade, onde segundo consta, o peregrino St Emilion originalmente escavara uma gruta na rocha para seu repouso e que foi posteriormente ampliada por seus seguidores, transformando-se numa capela encravada no rochedo.

Após o almoço frugal, uma caminhada pela cidade, bem turística, com dezenas de lojas de vinhos e uma Maison du Vin onde, além de comprar vinhos a bons preços, se pode testar a percepção olfativa numa sala dedicada aos aspectos sensoriais do vinho. O macete para driblar a caminhada de volta foi embarcar no trenzinho turístico que parte do centro e serpenteia pelos vinhedos, com uma parada no Chateau Rochebelle Grand Gru, onde há uma visita às caves (em cavernas naturais) e degustação e venda de vinhos a preços superfaturados, para os turistas desavisados. O trenzinho pára perto da minúscula gare e, ao final da tarde, o frio aumentou, antecipando a onda fria que perduraria por quase toda a semana.

À noite, em Bordeaux, foi hora de revisitar o típico restaurante L'Entrecôte, muito popular e de prato único, o entrecôte ao seu famoso e secreto molho, acompanhado de fritas. Há congêneres em Paris, onde se bebe bom vinho, mas aqui a única opção é o vinho da casa, um AOC Bordeaux bem simples. Para quem não exige grandes menus e muitos rapapés, mas gosta de uma boa carne, vale a pena conhecer.

O CURSO
A École du Vin é uma parte importante da Maison du Vin, que congrega também o CIVB - Conseil Interprofessionel de Vins de Bordeaux, sindicatos e um ótimo Bar à Vin (vejam descrição na matéria Viagem a Bordeaux, de Oscar Daudt), tudo localizado em um antigo edifício, bem no centro da cidade. A escola oferece inúmeros cursos aos amantes do vinho em geral, mas o nosso foi um curso exclusivo e profundo, com visão bastante profissional.

A minha turma era a mais eclética possível, com predominância absoluta dos asiáticos. Cinco chineses: um hoteleiro e um PhD em viticultura, de Hong Kong; dois sommeliers de Macau (que faziam questão de não saber falar português!) e uma jovem escritora de Taiwan. Um importador de vinhos e um sommelier indianos. Um consultor de Singapura, um consultor norte-americano, uma consultora alemã e uma comerciante inglesa. A grande maioria, inclusive o professor, um consultor de enoturismo inglês radicado em Bordeaux, são graduados pelo WSET. Aliás, estou impressionado com o valor de uma graduação WSET, no âmbito mundial.

Inicialmente a Diretora, Mme. Anick Martinez apresentou a École du Vin, fundada em 1990, sua missão e o papel dos educadores (embaixadores) credenciados, ressaltando nunca ter havido uma turma tão internacional como aquela. Desde a fundação, já foram treinadas 150 mil pessoas, entre amadores, distribuidores e educadores. Há atualmente 179 embaixadores distribuídos pelo mundo, exceto America Central e do Sul. O professor Alex Hall é um consultor experiente, com passagens pela Nova Zelândia e por vinícolas de Bordeaux. No primeiro dia, um pouco de história, uma ampla visão econômica e os conceitos tradicionais do sistema de comercialização (negociantes e corretores), um dos pilares de sustentação da região, responsáveis por 70% das vendas de vinhos

Durante o almoço, um encontro com M. Tremelot, Diretor da Cordier, tradicional empresa negociante e produtora de Bordeaux, com degustação de seus vinhos Cordier Prestige 2008 AOC Bordeaux Blanc, Cordier Prestige 2006 AOC Bordeaux e Desiré Cordier 2006 AOC St Emilion Grand Cru. À tarde, mergulhamos no estudo do sistema de AOC, principalmente a nova sistemática de gerenciamento e controle, com o surgimento dos ODG (Organismos de Proteção e Gestão das AOC) e dos OI (Organismos Externos de Inspeção), numa estrutura muito parecida com os Sistemas de Qualidade da ISO. Falou-se também um pouco sobre as novas AOP (Appellation d'Origine Protegée) que substituirão paulatinamente as AOC e DOC, em toda a Europa. Houve tempo ainda para estudar os solos, os micro-climas, as variedades de uvas, as diversas famílias de vinhos da região e suas tipicidades. No final do dia, aula de técnicas de degustação e avaliação de quatro vinhos: Chateau du Cros 2009 AOC Bordeaux Superieur (branco); Chateau Le Boscq 2004 AOC St Estéphe Cru Bourgeois; Chateau Guibot La Fourvieille 2004 AOC Puisseguin St Emilion e Chateau Caillou 2002 AOC Barsac (branco licoroso). Um dia bem puxado!

O segundo dia iniciou com o estudo da tecnologia de vinificação em tinto, desde a viticultura até o amadurecimento em barricas. Destaques para o uso maciço de cápsulas de confusão sexual para as pragas nos vinhedos e desprezo pela movimentação do mosto por gravidade, na adega, considerada muito lenta. Em seguida, uma exposição sobre a família Côtes de Bordeaux, que iríamos visitar em seguida.

Após duas horas de teoria, partimos para o campo! A primeira visita foi a Tanoaria Boutes,em Beychac et Caillau, uma das muitas existentes ao longo da auto-estrada N89, saindo de Bordeaux para Libourne. Alta produção de 130 barricas por dia, com muita automação. A próxima parada é o Chateau Pey La Tour, em Salleboeuf, para degustação e almoço. Pertence a Dourthe, negociante-produtor proprietário de seis Chateaux em Bordeaux, um no Languedoc e sócio do conhecido Clos de los Siete, em Mendoza. O foco aqui são os Bordeaux Superieur de alta qualidade, realmente notáveis.

Mudando de um pólo ao outro, seguimos para Belvés de Castillon, até o Chateau Robin, AOC Castillon Côtes de Bordeaux, uma pequena propriedade familiar de 15 ha, onde fomos recebidos pelo jovem proprietário Jérôme Caillé, antigo revendedor de carros, agora encantado com o mundo dos vinhos, onde está há seis anos. O vinho, com predominância absoluta de Merlot, é redondo e saboroso, mostrando a pujança dos satélites de St Emilion.

No terceiro dia estudamos mais duas famílias de tintos: Médoc e Graves e Saint Emilion, Pomerol, Fronsac. As visitas iniciaram pelo Chateau Clément Pichon, AOC Haut Médoc, em Parempuyre, onde tivemos uma horizontal 2006 apresentada por Mme. F Lamothe, Diretora da Alliance des Crus Bourgeois du Médoc, seguida de almoço harmonizado. Foram dez vinhos: Chateau Lousteauneuf AOC Médoc; Chateau Clément-Pichon AOC Haut-Médoc; Chateau Granins Grand Poujeaux AOC Moulis en Médoc; Chateau Anthonic AOC Moulis en Médoc; Chateau Lestage AOC Listrac-Medoc; Chateau Fonreaud AOC Listrac-Médoc; Chateau Clauzet AOC St Estèphe; Chateau Grand Tayac AOC Margaux; Château Paveil de Luze; Château Haut-Bages Monpelou AOC Pauillac.

Daí partimos para visita ao Chateau Kirwan AOC Margaux 3eme. Cru Classé, em Cantenac, onde nos foi oferecida uma vertical com as safras 1991, 1997, 2003 (destaque), 2004 e 2009.

O quarto dia inicia com estudos sobre os vinhos brancos doces, antes de partimos para visita e degustação harmonizada no Chateau d'Arche AOC Sauternes 2eme Cru Classé. Foi uma experiência interessante, com o grupo degustando uma série de vinhos doces na cozinha enquanto o chef Georges Gotran preparava, servia e explicava os quitutes, desde ostras gratinadas a chocolates. A tarde, estivemos no Chateau Smith Haut Lafitte AOC Pessac-Leognan, em Martillac, junto ao Spa Sources de Caudalie. É um Chateau familiar, Cru Classé de Graves, que tem sua própria tanoaria e produz ótimos brancos e tintos. Durante a visita, provamos os tintos Chateau Cantelys 2003 e Chateau Smith Haut Lafitte 2004 e, em seguida, tivemos a última aula do curso, sobre vinhos brancos secos, com degustação dos brancos Chateau Cantelys 2008 AOC Pessac-Leognan e uma vertical de Chateau Smith Haut Lafitte 2009, 2008, 2007 e 2000, este último ainda fresco e equilibrado.

O EXAME
Finalmente, o temido exame. Uma hora de prova escrita, com 40 questões, quase todas discursivas, meia hora para uma dissertação e quinze minutos para degustação às cegas, com descrição e identificação de dois tintos. Um mês de ansiedade para receber o resultado, felizmente positivo.

Almoçamos na cidade e partimos para Saint Emilion onde visitamos o lindo Chateau Beausejour-Becot, com suas caves ancestrais e, após um passeio pelo charmoso lugarejo, seguimos para o último compromisso da semana, visita, degustação e jantar no Chateau Laroze AOC St Emilion Grand Cru Classé, com mais uma agradável vertical conduzida pelo produtor.

Assim me tornei um Formateur Accrédité de Bordeaux (Educador Credenciado), mais conhecido como Embaixador de Bordeaux!

A bientôt!
 
Comentários
Cláudio Alves
Sommelier
Rio de Janeiro
RJ
17/06/2010 Mestre Homero, parabéns!

Por isso minha grande admiração por ti e pela Jô! Sempre tão antenado ao mundo do vinho, inspiração para que eu, assim como outros profissionais, venhamos a nos manter estudando sempre e aprendendo cada dia mais.
Valéria Patrocínio
Médica
Niterói
RJ
17/06/2010 Parabéns Homero, nosso Embaixador de Bordeaux e também pelo excelente texto contando sua trajetória. Que seja um incentivo para todos nós enófilos.

Abraços
Valéria
Cláudia Holanda
Enófila
Rio de Janeiro
RJ
18/06/2010 PARABÉNS, HOMERO!!!!!!!!!!

Assim que você iniciar suas palestras e cursos, terei o maior prazer em participar.

Bjs,
Claudia
EnoEventos - Oscar Daudt - (21)9636-8643 - [email protected]