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Uma grata surpresa em Flores da Cunha |
Após minha estreia como colunista no EnoEventos, tive o prazer de ser convidada para visitar uma pequena vinícola em Flores da Cunha. Aos apreciadores de vinho, é inegável que nosso primeiro pensamento sobre uma vinícola fora do eixo produtor-dominante de vinhos finos do Brasil (refiro-me ao Vale dos Vinhedos) possa parecer uma má idéia... grande engano!
Já faz algum tempo que tenho percebido que devemos abrir nossos olhos, ampliar nossos horizontes vitivinícolas. Com certeza há, no mundo, áreas de excelência em produção de vinhos por vários motivos, mas não é o objetivo deste artigo falar sobre isto ou tecer comparações...
Em poucas palavras, Flores (como é carinhosamente chamada a cidade) é o maior produtor de vinhos (em volume) e o segundo em produção de uvas do Brasil. Doze vinícolas integram a Rota dos Vinhos dos Altos Montes (Apromontes). Inserida neste contexto, a Vinícola Salvador é uma típica cantina familiar onde encontrei várias surpresas... Lá permaneci por três horas e meia, imersa em suas histórias e encantos, que de forma breve quero compartilhar com você, leitor.
A proposta ousada e humilde da família se dá em 1998, quando Sr. Antonio Salvador compra um velho moinho abandonado (cuja data de construção remete ao ano de 1911) em uma zona nobre da cidade e inicia aí, não só a restauração, mas a realização de um sonho que demorou 10 anos para ser concluído. Sempre com o objetivo de abrir as portas para o público conhecer o que é, até então, uma das vinícolas mais belas do Brasil!
Ao longo dos seus 37 anos como enólogo, o Sr. Antonio acumulou conhecimento e bons contatos que agora, contando com a parceria de Daniel Salvador, seu filho e também enólogo da vinícola, podemos perceber muito desta tradição e conhecimento, degustando seus vinhos e espumantes.
Numa área de 1017m², um prédio de aparência simples, após muitos anos de dedicação, pesquisa e de árduo restauro com recursos próprios da família e com a ajuda do Escritório de Design de Interiores de Lucia Pedron Finger, surge esta joia no centro de Flores da Cunha. Visitar esta atração é um verdadeiro mergulho na história, nos detalhes do mobiliário, nas tesouras de madeira, no vigamento, nos ladrilhos hidráulicos.
A empresa, em sua totalidade, foi decorada procurando respeitar a arquitetura utilizada no início do século XX. Desde seus lustres, pisos e móveis, tudo está em conformidade com a moda antiga. Em lugares especiais foram gravadas enormes pinturas, de Henrique Borges de Lima, um artista local, que retrata o mundo do vinho, onde cinco quadros gigantescos dão à vinícola a condição de espaço cultural do vinho. Desde o hall de entrada até as caves, toda uma decoração foi erguida a fim de valorizar o universo do vinho, buscando nos mínimos detalhes devolver a característica arquitetônica do início do século passado.
A receptividade da família Salvador - pai, mãe e filho- nos faz entender o verdadeiro significado do turismo receptivo familiar. Naturalmente que já encontramos membros da família em várias cantinas, trabalhando nos seus negócios, mas, não de forma tão integral e dedicada como visto neste caso. Além disso, fica clara a política da vinícola: trabalhar com o turismo e vender seus vinhos e não, se utilizar do turismo para vender vinhos. Há uma grande diferença nisso, que você irá perceber ao visitar a proposta da vinícola Salvador.
Sempre digo que não sei e nem conheço o melhor vinho do mundo e acredito que não seja este o caso, mas certamente são vinhos honestos e perfeitos dentro da proposta da vinícola, para cada uma de suas linhas de produtos. A capacidade de produção é de até 200 mil litros de vinho, espumantes e suco de uva. Todos os vinhos da Salvador são elaborados sem a presença de madeira.
Vamos às linhas:
Gran Báculo (Gran Reserva): Báculo significa o cajado do Papa. Ícone da empresa, vinho de lote único e com rolhas numeradas dando exclusividade ao consumidor. Esta proposta do vinho Báculo pode ser utilizada também para outros varietais e até em espumantes, pois ela representa "o melhor" da vinícola, elaborado em safras excelentes. Fato a ser destacado é a inusitada e elegante escolha da garrafa, uma Borgonha importada da França que normalmente é utilizada para vinhos Pinot e Shiraz. Atualmente, o vinho comercializado é um Cabernet Sauvignon 2005, a R$ 39,00 a garrafa. Com aromas e sabores verdadeiros e é isto que me encantou, ou seja, a não-adição de madeira, um contraponto àqueles apreciadores de "suco de carvalho"... Por isto, caro leitor, você pode ter a certeza de estar tomando um Cabernet Sauvignon oriundo dos melhores produtores da região.
Salvattore (Reserva): significa o nome original da família, antes do "aportuguesamento", por ocasião da imigração. Para este vinho, as uvas são colhidas 8 dias antes daquelas utilizadas para a elaboração do Báculo, porém contemplando outras safras. Nesta linha estão o Cabernet Sauvignon, Merlot, Espumante Moscatel e Brut e, em breve, o lançamento do Chardonnay. Vinhos muito bons e com preço acessível: R$ 21,00. O espumante Brut utiliza um licor de expedição que o deixa próximo a um demi-sec, portanto, fácil de beber. O Moscatel não é tão doce se comparado a muitos por aí, o que o deixa atraente. Chamo atenção para a cor laranja do rótulo deste Moscatel, que traduz a intensidade de aromas de frutas cítricas. Uma boa escolha.
Casa Salvador (Varietal): o vinho da família... Estão o Cabernet Sauvignon, Merlot e Moscato, com características mais leves, sutis e joviais, buscando um vinho com estrutura para o consumo regular diário, com preços prá lá de acessíveis: R$ 13,50.
Além dos vinhos finos, a vinícola possui uma linha de vinhos de mesa, dito por muitos como "linha baixa"... Discordo! Embora estes varietais sejam proibidos na Europa, representam a maior produção de vinhos do Brasil e são reconhecidos como os vinhos do dia-a-dia e também por terem "aquele gosto de UVA"!
Durante muito tempo procurei um vinho para tomar diariamente. E, vamos ser honestos: quem toma vinho engarrafado, de varietal FINO todos os dias???? Com certeza uma pequena parcela da população. Eu já tentei bags, garrafões, mas confesso que o adocicado destes, me enjoa! Sendo assim, mais uma vez a vinícola Salvador acerta em oferecer a seu público esta linha de vinhos. Devo dizer que é o melhor Bordô (vitis labrusca) que tomei até hoje e o rosado da mesma uva surpreende!
Finalizando, esta é uma atração da cidade de Flores da Cunha. Uma proposta de vinícola familiar bem estruturada para receber pequenos grupos, amantes do vinho, que encanta o visitante pela sua receptividade, apreço, determinação e humildade. Espere honestidade, boa qualidade e um bom preço nos vinhos, além de um ambiente repleto de histórias e detalhes. E para quem apreciou o filme Titanic, não deixe de ver a réplica da lareira no espaço para eventos.
Os vinhos Salvador podem ser encontrados em algumas lojas virtuais e em restaurantes em 14 estados brasileiros, inclusive no Rio de Janeiro. |
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