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 Fiz aniversário na semana passada. Completei 40 anos. Entrei nos "enta". E a data coincidiu com o almoço da confraria que nem nome tem, e para a qual tive a honra de ser convidado. Foi no Eñe, recém aberto restaurante espanhol, que fica no Hotel Intercontinental, em São Conrado. Nestes encontros, uma região é sempre a homenageada. Desta vez, foi o vale do Rhône, na França.
Geograficamente, o vale do Rhône vai de Vienne, ao norte, até Avignon, ao sul. São 20 diferentes apelações, algumas delas, entre as mais prestigiadas do mundo, além dos côtes-du-rhône genéricos e os côtes-du-rhône villages. Na parte sul, as uvas mais comuns são a grenache, mourvèdre, syrah e cinsault, entre as tintas, e grenache blanc, roussanne, marsanne, clairette e bourboulenc, entre as brancas. No norte, reinam absolutas a syrah, entre as tintas, e a viognier e a marsanne, entre as brancas.
Eu sou um fã incondicional dos vinhos do Rhône, especialmente os do norte. Embora os preços não sejam exatamente em conta, custam bem menos do que os tops de Bordeaux ou da Borgonha, as duas regiões vinícolas mais prestigiadas do mundo. E os grandes vinhos do Rhône não devem nada a nenhum vinho das duas conterrâneas mais famosas.
O almoço foi organizado pelo confrade António Campos, representante da Zahil no Rio de Janeiro. Além do organizador e do colunista aniversariante, participaram da mesa os chefs Paulo Pinho e Alexandre Henriques, o empresário Jorge Sales, o consultor de vinhos Paulo Nicolay, o restauranteur Roger Khouri, o advogado José Crescencio e o vice-prefeito do Rio Carlos Alberto Muniz.
O menu foi de uma delicadeza só. De entrada, vieira em emulsão de salsinha. Em seguida, um pimentão recheado com bacalhau. O terceiro prato foi um creme de mandioquinha. Depois, croquetes de presunto ibérico. Ainda vieram um ravióli de castanha de caju e foie gras, um jarret de vitela e um leitão crocante com maçã. Esta era a comilança programada, mas os comensais ainda completaram a farra com uma galinha d'angola. Nem precisava.
A orgia gastronômica veio acompanhada pelos vinhos do Rhône. O primeiro vinho servido foi o Condrieu La Loye 2004, de Jean Michel Guerin. Branco do norte do vale, feito com a viognier, estava perfeito. Aromático (pêssego, lichia, damasco), fresco, volumoso. Em seguida veio o Hermitage Blanc E. Guigal 2003, corte de marsanne (95%) e roussanne (5%). Um espetáculo de vinho. Complexo, cheio de estrutura, caráter, finesse. E com muita estrada pela frente. Robert Parker deu 92 pontos a este vinho. Merece mais. Infelizmente, este vinho não é trazido para o Brasil.
Aí vieram os tintos. O primeiro foi o Châteauneuf-du-Pape Reine Pédauque Les Bories 2000. De bom nível, com boa estrutura, no ponto certo para ser degustado. Em seguida, veio o Côte-Rôtie Brune et Blonde 1995, de E. Guigal. Corte de syrah (96%) e viognier (4%), elegante, evoluído, austero. O terceiro vinho foi o Hermitage Monier de la Sizeraranne 1999. Um syrah que esbanjou elegância e maciez. O quarto foi o Domaine Clape Cornas 2005. Região com prestígio inferior a Hermitage e Côte-Rôtie, Cornas tem apresentado vinhos de excelente nível a cada safra. Este é um deles. Ganhou 96 pontos da Wine Spectator. Não foi por acaso. Esbanja estrutura, força e volume.
O quinto vinho servido foi o Châteauneuf-du-Pape Domaine de La Solitude Cuvée Barberini 2001. Redondo, elegante, longo. Em seguida veio o Côte-Rôtie Les Jumelles 2004. Ainda muito novo, precisa de tempo para exibir melhor os dotes que tem. O sexto tinto foi o Hermitage La Chapelle 2002. Um dos clássicos da região, não decepcionou. No nariz, especiarias. Na boca, boa presença de taninos, acidez perfeita, volume e final. Embora novo, mostra todo o seu potencial. E olha que 2002 nem é uma grande safra no norte do Rhône. Depois do La Chapelle veio outro clássico, mas do sul do vale. O Château de Beaucastel é um dos melhores produtores de Châteauneuf-du-Pape e um dos poucos a utilizar na produção do vinho as 13 uvas autorizadas na região. E o 2001 estava um espetáculo. Intenso, encorpado, macio, fino, quase interminável. Um dos melhores, senão o melhor, do almoço. Para fechar com chave de ouro a festa, outro clássico. De Côte-Rôtie, o La Landonne 2005, de Jean Michel Guerin. Grande vinho em ótima safra, é para guardar. No nariz, frutas vermelhas e negras, especiarias. Na boca, quase mastigável, com taninos ainda duros, mas de qualidade, e um final longo e especial.
A sobremesa foi um creme catalão, harmonizado por um vinho espanhol, intruso na farra do Rhône. Mas o Pedro Ximenes de Añada 2004, da Alvear, segurou a onda. A festa, adornada pela beleza da praia de São Conrado, foi daquelas que ficam por eras na memória. E o próximo encontro da confraria sem nome já tem data e local para acontecer. Será em setembro, no MAM. E o tema do encontro será a Austrália. Ou seja, vem mais syrah por aí. |
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