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Há muito tempo estava com vontade de ir à feira de São Cristovão. No dia seguinte ao feriado de 12 de outubro, na hora do almoço, resolvi e fui. Cheguei lá, estava tudo meio quieto. Achei a Barraca da Chiquita e fiquei por lá. Quem me recebeu foi o Leonel, irmão da Chiquita. Perguntei se ela estava e ele disse que sim. Para esquentar os motores, comecei pedindo uma porção de Bolinhos de aipim com carne seca e queijo (R$14). Chiquita chegou junto com os bolinhos, que estavam bem sequinhos. Quando viu que eu ia tirar fotos, logo tratou de arrumar uma pimentinha de um de seus vasos para dar uma corzinha à fotografia.

Logo que começamos a conversar, Chiquita me disse que naquele dia a feira parecia que estava dormindo. O que faz a feira são as pessoas, a saudade do nordeste, das comidas, da família. A maioria das pessoas que vão lá querem recuperar um pouco do aconchego de casa. Tem todo um cheiro no ar. As comidas sendo feitas, se misturando com o som do forró, as pessoas dançando. É uma energia e tanto.

"É isso tudo junto que faz a feira. Eu trabalho não só vendendo comida, as pessoas vão se alimentando e suprindo aquela saudade dentro do peito", entregou.

Chiquita chegou ao Rio em 1979. Veio como muita gente vem, em busca de emprego e melhor condição de vida. "Minha barraca, inicialmente, era debaixo de umas árvores, ainda não tinha o pavilhão. Foram tempos duros, tinha que trazer os ingredientes de ônibus para cá. Fui a primeira barraca a ter uniforme, banheiro e agora tenho uma adega, que meu irmão cuida. Se tivesse medo, não chegaria a lugar nenhum. A vida é uma luta sempre, mas com coragem e disposição, consegue-se tudo. Nunca imaginei que um dia teria 48 funcionários, com carteira assinada e tudo mais. Comecei com um pedaço pequeno, fui ampliando aos poucos. Tem semanas que trabalho sem parar três dias seguidos. Foi por isso que só pude ter minha filha depois dos 40. Queria que ela tivesse uma mãe que trabalhasse num lugar arrumado", contou Chiquita.

Crateús, no sertão do Ceará, é a terra natal da cozinheira. Lá, a luz elétrica só chegou há três anos. A vida dura é uma lembrança bem viva na memória de Chiquita. "Minha mãe bordava uma mantinha para cada um dos filhos. Tudo muito simples, mas com muito capricho. Acho que é por isso que minha barraca é assim, do meu jeito. Tem que ter coisas da minha infância, das minhas origens. Tive que colocar essa redes. Todo nordestino tem uma rede. A rede nos acompanha prá qualquer lugar, com ela você sempre tem uma cama. Aqui é coisa de rico, tem que ter uma varanda. Prá gente tem que ter é uma rede, não importa prá onde se está indo", falou.

Enquanto conversávamos, as comidas foram chegando: Paçoca de carne seca (R$23); Queijo coalho (R$14); Macaxeira cozida (R$11); Costela (R$70) e Carne de sol (R$35), na chapa, para duas pessoas. Para acompanhar, Baião de dois. Quando pensei que estava no fim, chegou a Buchada de bode, com pirão e feijão verde (R$35). Nessa hora Chiquita vira pra mim e diz: "O preconceito é a maior pobreza que uma pessoa pode ter. Fiquei impressionada que você não fez nem cara feia pra buchada, parece que come isso sempre".

A feira até podia estar dormindo, mas eu estava super-acordada, prestando atenção em cada coisa que Chiquita me falava. Enquanto eu comia a buchada, que estava uma delícia, ela me explicou que pra fazer um baião de dois, não basta misturar o arroz e com o feijão. Você cozinha o feijão, depois coloca o arroz, na mesma panela. Assim o feijão deixa de ser feijão, bem como o arroz. Eles vão se juntando, se misturando. Isso que é o baião de dois.

Aprendi também a fazer a paçoca de carne seca. Basta colocar num pilão enorme a carne e uma colher de farinha e ir macerando. Depois, por um pouco mais de farinha e a cebola crua no final prá dar um toque picante.

Ou seja, além de comer bem, aprendi uma série de receitas e, de quebra, ainda ganhei uma belíssima lição de vida.

Barraca da Chiquita
Pavilhão de São Cristóvão
Av. do Nordeste (em frente ao palco Jackson do Pandeiro)
São Cristóvão
Telefone: (21) 3860-2929/ 2047
www.barracadachiquita.com.br
 
Comentários
José Paulo Schiffini
Enófilo da velha guarda
Rio de Janeiro
RJ
23/10/2010 Fiquei feliz novamente, pois me lembrei desta passagem há tres anos atrás; parabéns Luciana por me fazer reviver tais momentos de felicidade.

Sent: Wednesday, September 12, 2007 11:59 AM
Subject: Um lugar onde todos são felizes

Um lugar onde todos são felizes. A felicidade dura o instante de uma flor, já dizia a canção antiga. Mas são os detalhes que provocam a felicidade.

Nós do mundo do vinho, mais cedo ou mais tarde, desenvolvemos e melhoramos nossa percepção sensorial através de todos nossos sentidos para buscar e viver um instante de prazer, de felicidade.

O ser humano já nasce sabendo disso, quando ele tem fome, ele procura no leite materno saciar sua fome, para de chorar e até ensaia sorrir.

Se alguém já passou dificuldades na vida e muitas vezes ficou sem se alimentar, sabe que basta uma refeição, uma comida, ou uma bebida para recuperar o momento de felicidade.

Pois é, sábado passado, alguns amigos estavam com vontade de comer cabrito.

Você já comeu cabrito? Assado devagarzinho no forno, até quase se desmanchar, acompanhado de batatas coradas, ou até mesmo acompanhado por um prato bem brasileiro: aipim crocante por fora, pastoso e delicioso por dentro, e quem sabe um feijão tropeiro, ou um baião de dois, ou aquele aipim recheado com carne seca desfiada, desafiando um bolinho de bacalhau... Humm... Hummm...

Pois é meu amigo, o Prata, conseguiu um Bacalhoa 1992 e nós fomos comer a iguaria acima na barraca da Chiquita, irmã daquele Sommelier o Leonel H. Dias, lembra dele? Meu amigo, que descoberta?

Não precisei voltar a São Paulo e ir à Cantina do Roperto no Bixiga , não precisei ir ao novo Fasano aquí do Rio e gastar cerca de 100 Euros por pessoa incluindo apenas uma botella de vinho, para ficar feliz.

Comemos 3 paletinhas assadas com os acompanhamentos acima, duas garrafinhas de vinho que o Leonel oferece na sua modesta , mas especial carta de vinhos com preços honestos , vinhos que bebemos mais o Bacalhoa 92 no final de seu apogeu, por apenas 25 dólares por pessoa e ficamos muito felizes das 13:00 às 17:00....

Eu estou com água na boca de novo. Soube que o Ricardo, o Farias, quando presidente da ABS-RJ realizou dois encontros lá e não contou para ninguém , mas eu conto.

Soube que um grande Sommelier cearense, como o Leonel, cearense como o Walmir, aquele do D’Amicci, de vez em sempre se reúnem lá para provar se as novidades vinícolas conseguem se harmonizar com o cabrito e as demais iguarias da Chiquita?

Mas a barraca não tem só cabrito, tem até site: www.barracadachiquita.com.br e tem um salão com ar condicionado no segundo andar; e se você for como eu que adora coisas e doces do Nordeste tem: guaraná Jesus, Caju ameixa, doce de buriti, redes originais, fumo em corda, e muita felicidade estampada no rosto, nos lábios e nos olhos de todos.

Parabéns Lionel, parabéns Chiquita.
SCHIFFINI
Monica Elisabeth Kich
Enófila e tradutora
Viçosa
MG
23/10/2010 Parabéns por ser tão eclética nas pesquisas gastronômicas. Por vezes, há mais "razões de ser" por trás de cada prato, como no caso do baião de dois, onde o fato de haver só uma panela provocou a necessidade deste ícone da cozinha nordestina. Mas a riqueza de nossos pratos é maravilhosa, as cores e sabores, incríveis!

Continue nesta pesquisa e publicando sabores e lugares inusitados!
Cláudia Holanda
Enófila
Rio de Janeiro
RJ
23/10/2010 Essa Chiquita é uma sábia, Luciana. É isso mesmo, o turista vai à Feira de São Crstóvão (ou feira dos paraíbas) pra conhecer, experimentar, mas o nordestino vai lá pra reviver, pra matar a saudade. Eu, como pernambucana, apareço por lá pra comer carne de sol com macaxeira cozida, feijão verde, etc... Tb compro queijo coalho pra fritar em casa com manteiga, porque o do mercado não é igual, é sem gosto!

Boa pedida, parabéns pela matéria. Meu coração nordestino ficou com mais saudade.

Beijos!
Luciana de Oliveira
Olivier Bebidas
Rio de Janeiro
RJ
28/10/2010 Adorei a matéria. Meu amigo e consultor Efraim Moraes sempre me convidou, Marcos Lima fez altos elogios. Agora eu faço questão de conhecer a Barraca da Chiquita!

Bje e vinhos.
EnoEventos - Oscar Daudt - (21)9636-8643 - [email protected]