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Em recente visita ao Chile, a convite da Vinícola Santa Carolina, pude desfrutar não somente dos vinhos, mas de um pouco da cultura do país. Como disse uma nova amiga da viagem, "foi uma viagem muito generosa". Para fechar com chave de ouro, o último jantar tinha que ser especial. E o restaurante escolhido foi o Boragó, aberto no ano passado, e que segue a tendência da cozinha molecular.
Logo que chegamos notei que em cima da mesas tinham pedras negras. Achei legal. Todos na mesa ficamos pensando para que elas serviam. Não conseguimos descobrir até agora, mas suspeito que sejam apenas enfeites. Uma questão de estilo. Éramos dez à mesa. O menu escolhido para todos foi o Endêmico. Com oito pratos.
O couvert chegou e ficamos todos surpresos. Dois pãezinhos com um patê que não consegui entender o que era exatamente, nem depois que provei. Parecia um vasinho com uma mudinha plantada. Gostei.
Ingressamos no menu. Reparei que na cozinha havia umas árvores de bonsai. Não entendi exatamente para que elas estavam lá. Apenas quando veio o primeiro prato, o lagostim com ervas e flores de verão, que eu entendi. Eles penduraram os pobres lagostins nos bonsais com um gancho. Você vai lá pega o lagostim florido e frio. A fome era muita e eu comi um monte, mas era bem mais ou menos.
Comecei a prestar mais atenção na cozinha. Só via os cozinheiros e o chef com pinças e não avistei fumaça, panelas, fogo. Não parecia uma cozinha de verdade.
O prato seguinte foram os pimentões orgânicos assados ao fogo. Foram assados na nossa frente, com um maçarico. Achei bom, tinha um gosto defumado bom.
Depois de uma longa (e bota longa nisso) espera, o terceiro prato chegou. Chamava-se Kra kra cozido sobre pedras vulcânicas, emulsão de ervas selvagens e Salicornias. Até aquele momento o único kra kra que me saltava a memória era o da música que os Mamonas gravaram (sabão crá-crá). Depois descobri que se tratava de um peixe, por sinal, saboroso. Quanto às pedras vulcânicas, eu e meus colegas de mesa levamos certo tempo até entender que eram para ser comidas. A textura era interessante, mas o gosto, bem sem graça.
Logo depois, chegou a garoupa cozida, batata bruxa e clorofila de manjericão. A garoupa estava muito macia e tenra; já a batata bruxa não consegui saber do que se trata, mas o conjunto do prato estava bem interessante.
Quando pensei que as surpresas haviam terminado, me enganei. Chegou à mesa uns vasinhos dos quais saía uma fumaça. Em seguida, um prato que se chamava peça de vaca defumada em madeira de Tepú, cozida 40 horas e musgo de ervas da colina Manquehue. No começo, pensei que tínhamos que molhar a carne no vaso. Ledo engano. No vaso havia apenas gelo seco, que era mais pra dar um clima, compor o cenário. Comemos a carne com as mãos, a fumaça dava um ar vulcânico com ajuda das pedras negras que permaneciam em cima da mesa. Mas a verdade é que achei ruim. O gosto lembrava o de carne assada sem molho, ou seja, sem gosto. E ainda por cima, doce.
Passamos para as sobremesas. Eram três. Eu já sem vontade de continuar. A primeira foi sorvete de flores de violetas, nogado e crocante de maqui. Não me encantei com o sorvete, muito doce e com um gosto muito forte de violeta, mas o nougat tinha uma textura diferente, meio arenosa.
A sobremesa dois eram morangos selvagens, caramelo, chocolate e ervas doces de verão. O caramelo era transparente como vidro e ficou legal com os morangos e tudo mais. Mas, na verdade, o bom eram os morangos. O resto era melhor de ver do que de comer.
A última sobremesa chamava-se frio glacial, com a última surpresa, uma pastilha de menta que fazia sair fumaça pelo nariz. Na boca, fica o gosto da menta e o gelado do sorvete. É legal por conta dos efeitos especiais. Só isso.
No final das contas, fiquei com a sensação de que o restaurante era muito mais para impressionar pelo visual do que pela comida. Não sei se fui eu que não entendi a proposta do Boragó, mas para mim sobrou história e faltou sabor. É como um filme plasticamente bonito, mas sem conteúdo nenhum. Eu, que já tenho uma certa restrição a experiências espetaculares, saí de lá com a certeza de que prefiro mesmo o bom e velho fogão, as comidas com gosto e colheres, facas e garfos no lugar de pinças.
Boragó
Nueva Costanera 3467, Santiago, Chile
953 8893
www.borago.cl
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