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 Na 3ª e última etapa desse giro pelo Chile, nossos holofotes apontam para dois vales que primam pelo frescor e elegância de seus tintos e (principalmente) brancos: Casablanca e Limarí. São esses vales, junto com San Antonio (Leyda), e Elqui que colocam o Chile na liderança isolada em vinhos brancos na América Latina. |
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Morandé e Casablanca |
 Restaurante da Morandé
| É impossível falar de Casablanca sem mencionar Pablo Morandé, que em 1982 descobriu a região para os vinhos. Esse vale, que fica a apenas 70km de Santiago, possui um terroir único, com influência do Oceano Pacífico e da corrente fria Humbolt.
Em 1986, Morandé lançou seus primeiros vinhos com uvas de Casablanca. No início dos 1990, havia apenas 100 hectares de vinhedos nessa região; no ano de 2000, já eram 3.500 hectares; hoje este número chega a 4.100 hectares e só não é maior pela dificuldade de se conseguir água na região.
Para maiores detalhes sobre o terroir de Casablanca, leia minha coluna sobre o assunto clicando aqui.
A visita à Morandé foi em seu restaurante gourmet em Casablanca, comandado pelo chef Christopher Carpentier. Uma curiosidade é que na prova havia mais tintos, apesar de o nome da empresa estar mais associado ao vale de Casablanca e aos brancos.
A prova foi ao lado do próprio Pablo Morandé, que me confidenciou que se pudesse, como diversão, faria vinhos no Priorato (Espanha), na Hungria e no Afeganistão. A qualidade média dos vinhos foi muito boa. A surpresa ficou por conta de um esplêndido Carignan, cheio de personalidade. Vejamos os destaques da prova:
 Gran Reserva Syrah 2005 Amadurece 14 meses em carvalho americano. Rubi escuro violáceo. Sem tanta tipicidade de fruta nos aromas, mostrando fruta cozida, coco queimado, toque animal de carne. Na boca é encorpado, co toque de rusticidade, com taninos que secam a boca, 14,3% de álcool. Um belo Syrah em um estilo mais pesado. Segundo Morandé "não buscamos elegância, buscamos um Syrah de clima quente, para comer com carne, com churrasco". Nota: 88 pontos
Edición Limitada Syrah-Cabernet Sauvignon 2007 50% Syrah (amadurecido em carvalho americano, 16 meses) e 50% Cabernet Sauvignon (amadurecido em carvalho francês). Rubi escuro violáceo. Aroma intenso e fresco, boa fruta da syrah, geléias, especiarias da madeira, eucalipto. Paladar encorpado, taninos presentes, finos entre secos e doces, 14,5% de álcool, longo, boa acidez, ótimo vinho, para guarda. Nota: 91 pontos
Edición Limitada Carignan 2006 Vinhedo plantado nos anos 1950, vale de Loncomilla, em Maule, centro-sul do país, onde há vários vinhedos antigos de Carignan. Passa 20 meses em madeira nova americana de La Rioja, de média tosta (MT+). Doçura de fruta nos aromas lembra um Syrah, muito maduras, geléia de cereja, chocolate, madeira aparece bastante, bem integrada ao conjunto. Paladar concentrado, taninos bem presentes, doces, 14% de álcool, acidez bem marcada, precisa de tempo de garrafa, deve evoluir bem. Muita força e distinção, ainda é cedo para ser bebido, precisa de tempo de garrafa, melhor vinho da provado na casa. Nota: 92 pontos |
LIMARÍ |
 Solo de Limarí
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O acesso a Limarí não é tão fácil quanto a Casablanca. De Santiago foram 400 km de carro, rumo ao norte, para chegar até Maycas del Limarí, uma empresa que pertence à Concha y Toro. Antes de comentar esta visita falemos um pouco sobre Limarí.
A influência Inca nesse vale se deve à proximidade com o Perú; os índios teriam chegado aqui em 600DC. Nomes como Limarí, Maycas e Tabalí, são de origem Inca.
São poucas as vinícolas presentes aqui - apenas oito - e a maioria não possui vinhedos próprios. O total plantado é de 1.800 hectares, e destes 1/3 pertence a Maycas del Limarí (Concha y Toro). Pode-se pensar que é um contra-senso, mas 82% da área plantada é de castas tintas, notadamente a Cabernet Sauvignon. Tratando-se de uma região mais fria, pensamos logo em castas brancas, mas aqui a luminosidade é intensa e é muito seco (bem mais seco do que em Casablanca ou Leyda), o que possibilita a produção de bons tintos, embora o reinado aqui (em qualidade) seja da Chardonnay.
Solo Os solos em geral são de 70% de argila roxa na superfície, o que beneficia a maior estrutura nos vinhos. O subsolo, no entanto, é que guarda o segredo de Limarí: muitas pedras, que contém carbonato de cálcio, substância que propicia mineralidade aos vinhos, dando-lhes distinção e grande finesse. A ribeira sul do rio Limarí possui mais argila (depositada pelo rio), enquanto a ribeira norte (mais valorizada) possui apenas 20-25% de argila.
Chuva, Sol, Luz e Calor Chove pouco ou quase nada em Limarí (apenas 100mm anuais em média); esta é uma zona pré-desértica. Como Casablanca, esse vale possui uma neblina matinal, que não chega a comprometer os vinhos com notas verdes, pois a luminosidade é altíssima, 35% maior do que Santiago.
O clima é ameno, com média anual de 15,1ºC (mínima de 9,8ºC e máxima de 22,7ºC). A influência marítima é grande (estamos a 29km do Oceano Pacífico), com presença marcante do vento frio vindo do mar, que pode chegar a quase 50 km/h.
O resultado geral dessas condições é um ciclo vegetativo mais longo e mais uniforme para as vinhas. Em outras palavras, o nirvana de qualquer enólogo.
Já há um consenso entre enólogos chilenos de que Limarí é a melhor zona do país para a Chardonnay, que aqui desenvolve um elevada acidez natural com fina mineralidade. Os Sauvignon Blancs daqui também são excepcionais e os Syrah demonstram ótimo potencial. |
Maycas del Limarí |
O projeto Maycas del Limarí começou em 2005, quando a gigante Concha y Toro comprou a Viña Francisco de Aguirre, que possuía muitos vinhedos na região. Hoje a Concha y Toro é proprietária de 868 hectares em Limarí, sendo 638 já com vinhedos implantados.
Uma curiosidade é que muitas das vinhas de Sauvignon Blanc são enxertadas sobre raízes de Cabernet Sauvignon. A casta tinta havia sido plantada em um terreno que hoje sabe-se ser mais adequado à Sauvignon Blanc. O objetivo dessa enxertia é apenas aproveitar as raízes mais antigas e profundas, já que não há qualquer aporte de característica da Cabernet Sauvignon ao vinho branco oriundo destes "novos-velhos" vinhedos.
O enólogo Javier Villarroel (que trabalhou com Enrique Tirado no Dom Melchor) é o responsável pelo projeto, com a supervisão de Marcelo Papa, da Concha y Toro.
Eu já havia provado alguns destes vinhos, no ano passado, com Marcelo Papa em Pirque e na ocasião fiquei muito bem impressionado. A grande novidade da prova deste ano com Javier Villarroel em Limarí ficou por conta de um vinho que só será lançado oficialmente no fim do ano, o "Icono Chardonnay". Este, que é o novo TOP da empresa e já um dos maiores brancos do país, é da região de Quebrada Seca em Limarí, que está ganhando status de Grand Cru e já merece uma D.O. específica. Esse pequeno pedaço de terra é um antigo sulco do rio Limarí, formado há milhões de anos e hoje, como diz o nome, seco. Outro excelente Chardonnay de Quebrada Seca, que não pode ser esquecido, é o da De Martino.
 Reserva Especial Sauvignon Blanc 2008 Na cor é mais claro que o Reserva, palha muito claro e esverdeado. Aroma intenso, sério, mais austero, com toques florais, bastante mineral, cítrico, muito elegante. Paladar de muito frescor, menos corpo que o reserva, acidez menos aguda, mas mais elegante, com muito finesse, 13,5% de álcool, longo. Belissimo Sauvignon que nos remete aos bons do Loire, com estrutura de Novo Mundo. Nota: 93 pontos.
Reserva Especial Chardonnay 2007 Fica 100% por 1 ano em barricas francesas, 1/3 nova, 1/3 de 2º ano, 1/3 de 3º ano. Palha claro reflexos dourados, brilhante. A madeira/baunilha aparece bem integrada à fruta, elegante, mostra frutas tropicais, abacaxi, manga, mas tudo elegante, sem exageros de madurez, o que marca seu perfil é a mineralidade. Paladar de bom corpo, untuoso, com acidez bem presente, 14,4% de álcool, muito longo, está próximo ao Icono, que só se distingue por um pouco mais de corpo, maior complexidade e profundidade. Nota: 92 pontos.
Icono Chardonnay 2007 Fica 100% barrica francesa, 50% nova, 50% 2º ano, por 1 ano. Este vinho usa as melhores parcelas dos vinhedos da empresa. Palha claro com reflexos dourados. Aroma complexo e elegante, madeira, tostados, mel, baunilha, madeira bem colocada. Paladar encorpado, com profundidade e complexidade, 14,5% de álcool, acidez marcante, muito longo. È um branco para ser decantado e merece ao menos mais um ano antes de ser aberto e pode evoluir por 10 anos. No estilo lembra um bom Borgonha. Nota: 94 pontos
Reserva Especial Syrah 2008 Engarrafado em dezembro de 2008 e ainda não lançado ao mercado. Roxo na cor. Aroma de bom ataque com frescor e fruta intensos, fruta densa, limpa e elegante, típica dos bons Syrah, especiarias picantes, menta. Paladar encorpado, taninos muito finos, macios, fruta, madura com acidez, longo. Ótimo vinho, a diferença para a linha Reserva é grande na estrutura e qualidade. Ótimo Syrah de clima frio. Nota: 92 pontos. |
Tabalí |
 A Tabalí pertence ao SPTWG (San Pedro Tarapacá Wine Group) e foi a pioneira em vinhos finos na região (primeira safra em 2002). Visitei a bodega no Vale del Encanto, rodeada de um terreno árido com muitos cáctus, em uma propriedade de 2.500 hectares, com 180 hectares de vinhedos. A produção da Tabalí é bem pequena, apenas 60 mil caixas no total, sendo 65% de tintos.
A identidade visual da empresa foi inspirada na tribo Molles, que dominou a região. A entrada da sala de barricas tem uma atmosfera densa. A iluminação é baixa e as paredes são decoradas com pinturas que retratam rituais desse povo, que era ligado à astronomia e que deixou um legado de muitos afrescos espalhados pela região.
A prova foi na sala de barricas, após uma verdadeira aula sobre o terroir de Limarí, dada pelo enólogo Felipe Müller. Na prova chamaram a atenção o magnífico Reserva Especial Sauvignon Blanc (que roubou a cena do Chardonnay) e um esplêndido Syrah de clima frio.

 Paredes decoradas da Tabalí
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Reserva Especial Chardonnay 2008 Fermenta em barricas francesas 25% novas onde permanece por 10 meses. Palha claro e esverdeado. Aroma intenso cítrico e mineral, frutas mais delicadas como pêra, sem aromas mais banais como aspargos ou frutas tropicais. Paladar com bom volume de boca, cremosidade, acidez ótima. Muito limpo e elegante, madeira quase não parece, com finesse. Nota: 91 pontos.
Reserva Sauvignon Blanc 2009 Fermentado em INOX, sem passagem por madeira. Branco papel esverdeado. Muito intenso e fresco no nariz, ervas típicas da casta, toque salé (salino) aparece depois de alguns minutos na taça. Paladar com ótima acidez, crocante (um pouco menos crispy que os da Concha y Toro e da Maycas). Excelente. Nota: 91 pontos.
Reserva Especial Sauvignon Blanc 2009 Fermentado em INOX, sem passagem por madeira. Branco papel esverdeado. Muito intenso e fresco no nariz, ervas da casta, mais denso no nariz, mais mineral e salino que o Reserva. Paladar muito fresco, com textura mais densa, boa maciez, alta acidez, elegante, final mineral salé, muito fino, grande vinho, sugiro decantar por 15-20 minutos (assim como os Chardonnays), leve toque de aspargos no fim de boca. Nível altíssimo de qualidade, complexo e de alta finesse. Nota: 94 pontos.
Reserva Especial Syrah 2008 Engarrafado um dia antes desta degustação. Amadurece 12 meses em carvalho 100% francês, 70% novo. Roxo na cor, muito escuro e muito vivo. Aroma de pimenta negra, violetas e as frutas negras maduras típicas da Syrah. Paladar concentrado, mas com muito frescor, taninos finos, longo, ótima combinação de frescor com concentração e fruta, final com mineral de grafite. Nota: 91 pontos. |
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