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Poucas nações do planeta têm sua população, economia e cultura tão concentradas na capital, quanto a Argentina tem em Buenos Aires. Ao mesmo tempo, raros povos possuem uma imagem tão fortemente associada a uma música e dança quanto os argentinos ao Tango. O mesmo raciocínio lembra que poucos países produtores de vinho estão tão estreitamente ligados a uma única casta, como a Argentina ao Malbec. Para fechar a trindade ou o triângulo "Buenos Aires-Tango-Malbec", porque não estabelecer uma analogia direta entre Tango e Malbec? Proposta minha tese vou defendê-la!

O Tango
Declarado patrimônio da humanidade pela UNESCO em 2009 o Tango teve sua origens nos cabarés de Buenos Aires na década de 1880, onde era comum que fosse dançado por dois homens (daí a tradição de virar o rosto ao dançar). A aristocracia portenha só viria a se interessar pelo Tango na década de 1910, após seu sucesso em Paris.

O Tango é uma música sincopada em compasso binário (2/4 ou 4/4). A "síncope" é uma nota tocada no tempo fraco que se prolonga até o tempo forte. Este efeito cria um deslocamento da acentuação ritmica e dá mais movimento à música.

O Tango é uma das raras músicas/danças folclóricas do planeta que é eminentemente triste. Como dança o Tango é "duro", masculino, sem meneios femininos. No Tango a mulher é submissa, e suas letras falam justamente do macho culpando a mulher por suas dores de amor. Dramático e passional, o Tango exala sexualidade e agressividade.

Malbec
Com sua origem no sudoeste da França, na região de Cahors, onde leva o nome de Côt, a verdade é que a Malbec (com algumas exceções) nunca atingiu a grandeza lá. É na Argentina, por suas condições climáticas, que a Malbec chega ao esplendor. Um bom Malbec argentino tem cor muito escura, aromas de fruta negra muito madura, além de violetas (agregados eventualmente aos aromas de seu amadurecimento em madeira), paladar encorpado e macio, com taninos doces, acidez moderada e alta graduação alcoólica.

Malbec e Tango
Assim como o Tango, o Malbec também é binário. Quem dita o equilíbrio deste tinto são tanino e álcool. A síncope que na música arrasta o tempo fraco até o forte é a mesma que deixa um rastro de tanino na boca até o próximo gole.

O álcool é a base estrutural de um vinho, assim como o ritmo é o alicerce da música. Desta forma o alto teor alcoólico típicos dos Malbecs eleva nossos batimentos cardíacos, como no ritmo sincopado do Tango.

Enquanto no Tango leveza e brilho são palavras que pouco se aplicam, no Malbec a acidez também é coadjuvante. Neste ponto podemos dizer que tanto Tango quanto Malbec são mais sombrios que brilhantes, mais lunares que solares.

Tango e Malbec têm suas origens ligadas à França e ambos são claramente masculinos. Porém, sob a agressividade de ambos repousa um toque de doçura. O Malbec traz tipicamente aromas florais, de violetas, e seu fim de boca chega a ser de extrema maciez, quase doce. Dos acordes marcados, quase brutos, do Tango, por vezes também emergem a doce melodia de violinos e temas de um amor que foi perdido, mas que um dia existiu.

O que ouvir e degustar?
O Tango teve duas "épocas de ouro". A primeira com o maior mito do Tango, Carlos Gardel (1890-1935), nos anos 1920. A segunda com Astor Piazzolla (1921-1992) a partir dos anos 1940, quando o Tango se renovou e ganhou influências do Jazz e da música Clássica.

Ouça na voz de Gardel: "La Cumparsita", "Adiós muchachos", "Mi Buenos Aires querido", "Por una cabeza", "El día que me quieras". Enquanto esses clássicos rodam na vitrola, gire um clássico na taça, um Malbec Nicolas Catena.

De Piazzolla ouça tudo, várias vezes, principalmente "Libertango" e "Adiós Nonino". Enquanto isso, decante Malbec Ícono, de Luigi Bosca, que exala a mesma paixão desse mestre do bandoneon.

Outra jóia que não pode faltar é o show "Cafe de Los Maestros", em CD duplo ou DVD. Esta obra renderá muitas degustações, que podem começar com: Afincado Malbec (Terrazas), Cheval des Andes, Cadus Malbec (Nieto Senetiner) e Brote Negro (Viña Alicia).

Quem não tiver preconceitos com modernices deve ouvir um pouco de "Tango eletrônico", com os grupos "Gotan Project", "Bajofondo" e "Eletrocutango". Este ritmo acelerado pode vir a calhar quando o grau de álcool do Malbec se fizer sentir! Tente com um Malbec Yacochuya, cujo teor alcoólico ultrapassa os 16%.
 
 
Comentários
Jovino Nolasco de souza
Consultor Enoturístico
Bento Gonçalves
RS
25/05/2010 Sensacional! Algo perfeito, tão bem descrito e apresentado. Meus parabéns, a sabedoria e sensibilidade de Marcelo nos surpreende.

Nós brasileiros estamos, com nossos vinhos, mesmo que bons, longe de criarmos algo semelhante com o que é nosso.

Abraços

www.enoturismobrasil.com.br
Dulcinea Oliveira Carvalho
Salvador
BA
25/05/2010 Marcelo,

A leitura do seu texto me proporcionou uma deliciosa viagem cultural, acompanhada de sensações que apenas uma boa música e um bom vinho podem proporcionar.

Por fim, estou com vontade de reunir os amigos e experimentar a sua tese... Breve vc terá um 'case'.
Marilei Piana Giordani
Arquiteta Especializada em Patrimônio Cultural
Bento Gonçalves
RS
25/05/2010 Marcelo,

Poética , magnífica e verdadeira sua descrição da relação do vinho malbec argentino com o tango. Além do tango, é Patrimônio Cultural o Casco Histórico de Buenos Aires, totalmente reformulado e devolvido à população e a nós os turistas, pra que dele façam uso.

Em Buenos Aires, um ótimo lugar, com 150 anos de história Argentina, como eles mesmos dizem : Que habita no tempo...", pra desgustar um Malbec e ouvir Gardel como se alí ainda estivesse cantando, é o Café Tortoni.

Outra sugestão, para os sem preconceitos, para ouvir um tango eletrônico com suas sugestões de Malbec: Eletroninik Tango - La fonda Tango Club.

Um abraço!
Marilei
José Luis Doldán
Enófilo uruguaio
Rio de Janeiro
RJ
25/05/2010 Caro Marcelo.

Boa a tua nota. Gostei. Até fiquei lisonjeado, como uruguaio que sou, com a colocação de La Cumparsita, o maior tango de todos os tempos, uruguaio, como Carlos Gardel. Acho até que a música, composta pelo Gerardo Mattos Rodriguez, combinaria muito bem com alguns tannats...

Curiosidade: Você sabía que um dos maiores violonistas e compositores musicais de tango, companheiro do Gardel, era paulista??? Alfredo Lepera, que morreu junto com Gardel no acidente aéreo na Colômbia, compôs, ente outros, o clássico "Por una cabeza". Acho que esta aqui aceitaria um Amat 2000...
Maria Tomasia Middendorf
Enófila
Rio de Janeiro
RJ
25/05/2010 Caro Marcelo,

Além do que aprendi com você, num dos Cursos Básicos de Vinhos, agora, na sua coluna, muito mais conhecimentos adquiri sobre a uva da minha preferência, a Malbec.

Estou viajando para Buenos Aires, Bariloche e Mendoza especialmente para aproveitar e degustar os maravilhosos vinhos de lá e, além da grande ajuda que o Oscar me prestou, você, também, na sua coluna, está ministrando uma excelente aula sobre as duas coisas que mais gosto, embora uma delas eu não consiga fazer que é dançar o tango, mas, degustar um Malbec, é tudo de bom!

Parabéns e obrigada! Beijos,
Maria Tomasia Middendorf
Osvaldir Castro
Professor Universitário
São José do Rio Preto
SP
25/05/2010 O Marcelo sempre nos surpreende. Tudo que escreve é excelente. Mas esse texto nos remeteu de corpo, alma e vinho à terra de Gardel. Valeu!
Massimo Frangi
Enófilo
Urussanga
SC
26/05/2010 Gostei muito dessa reportagem, a última parte demais porque eu adoro o Malbec Yacochuya e também o Malbec S.Pedro de Yacochuya, como gosto do Gotan Project. Adorei.
Fernando Fernandes
Santos
SP
26/05/2010 Caro Marcelo,

Que analogia sensacional! Lendo seu texto, não há como não sermos levados à contemplação. E, como corolário, ainda nos sugere deliciosas harmonizações com Malbec.

Fernando.
Marcelo Copello
Colunista
Rio de Janeiro
RJ
27/05/2010 Puxa, quantos comentários!!! Fico muito contente!

Jovino, muito obrigado!

Dulcinea, quando puder mande seu "case".

Marilei, obrigado pela dica do La Fonda Tango Club.

José Luis, nas minhas pesquisas para esta matéria li que o Alfredo Lapera era paulista, mas ele só nasceu lá e viveu a vida toda na Argentina.

Maria Tomasia, boa viagem!

Osvaldir, mais uma vez obrigado pela força de sempre.

Massimo, Yacochuya para mim é o símbolo de um estilo.

Fernando, obrigado e boas harmonizações.

Pessoal, semana que vem BOSSA NOVA!

Abraços,
Marcelo Copello.
Laerte Camargo
Professor
Porto Alegre
RS
16/08/2010 Entre passos e contrapassos, tempos e contratempos do tango, vou degustando meu Malbec e, surpreso, descubro que você cria essa feliz analogia de coisas que fazem parte do meu cotidiano.

Parabéns pelo texto e, tin tin...
EnoEventos - Oscar Daudt - (21)9636-8643 - [email protected]