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O banquinho e o violão, quem diria, viraram vinho. Há mais de 50 anos (completados em 2008) a Bossa Nova encanta o mundo e segue viva, rendendo frutos até mesmo no mundo de Baco.

O primeiro registro que se tem notícia da palavra “bossa” é dos anos 1930, na canção Coisas Nossas de Noel Rosa. Esta gíria poderia ser traduzida como “jeito” ou “estilo”, ou substituída por expressões inglesas como “cool” ou “in”. Já a locução “bossa-nova” surgiu nos anos 1950, como um “jeito novo de fazer música”, em contraposição a tudo que a juventude que frequentava as praias cariocas na época achava velho. Falamos dos melancólicos sambas-canção, boleros, valsas e serestas eternizados em vozes empostadas como as de Nelson Gonçalves, Orlando Silva e Carlos Galhardo.

Para entender o contexto em que a Bossa Nova germinou voltemos um pouco no tempo. Nos anos 1940, um jovem cantor americano, o magrelo Frank Sinatra, começou a “tocar” o microfone, usando-o como instrumento musical. Sinatra afastava o microfone na hora de soltar a voz e aproximava-se dele para cantar macio. Esta suavidade na voz influenciou muitos cantores, entre eles o brasileiro Dick Farney. Esta afinidade tornou-se explícita quando o fã-club “Sinatra-Farney” foi fundado em 1949, mostrando que um jeito novo de cantar ganhava popularidade.

A Bossa Nova nasceu nos anos 1950, em circunstâncias ufanistas. Enquanto em 1956, jovens como Carlos Lyra, Roberto Menescal e Ronaldo Boscoli se encontravam para mostrar suas músicas no apartamento de Nara Leão, em Copacabana, o presidente Juscelino Kubitschek tomava posse e a seleção brasileira se preparava para conquistar a Copa de 58.

Neste meio tempo, em 1957, um baiano chegava ao Rio de Janeiro. João Gilberto, ao gravar em 1958 a canção Chega de Saudade (de Tom Jobim e Vinicius de Moraes), daria o primeiro passo para este novo estilo conquistar o mundo.

Demorou apenas 4 anos para a Bossa Nova ir de Copacabana a Nova Iorque e lotar o Carnegie Hall, no histórico show de 1962. O main-stream seria irrevogavelmente conquistado quando “a voz”, Frank Sinatra, gravou seu primeiro disco com Tom Jobim, em 1967.

Hoje canções como Garota de Ipanema e Wave estão entre as mais executadas do planeta. A Bossa Nova também foi incorporada ao repertório do meio musical mais exigente da história contemporêna, o Jazz, além de influenciar inúmeros artistas da música pop mundial.

A Bossa Nova é mais um estilo (uma maneira de tocar e cantar), do que um movimento musical. Podemos descrevê-la como intimista, coloquial, de canto-falado e baixinho, alegre (porém contido, sem euforia), otimista, leve, suave (ritmo moderado), de uma simplicidade sofisticada (harmonias complexas) e descompromissada (despolitizada). Além disso a Bossa Nova é inteligente (nas letras) e romântica, pois fala de amor, mas de um amor bem resolvido, sem fazer da mulher uma vilã.

Há muitos vinhos “bossa nova”, afinal nada mais “cool” que o néctar de Baco, em contraposição à melancolia dos destilados e à euforia das cervejas. A simplicidade do vinho está em sua origem rural e a sofisticação nas muitas formas de seu consumo. O vinho em geral é uma bebida intimista (exceto o Champagne!), muito mais para petit comité que para Maracanã. Intrinsecamente otimista, o vinho é de bem com a vida e com a saúde. Assim como a Bossa Nova, o vinho é inteligente, complexo e podemos dizer, feminista, pois sua história foi e é protagonizada por muitas mulheres.

Uma destas personagens de destaque do mundo de Baco é a enóloga portuguesa Filipa Pato, que com seu marido William Wauters acaba de lançar dois vinhos, o Bossa e o Nossa, ambos trazidos pela Casa Flora.

O Bossa 2008 é um “vinho de festa”, da casta Maria Gomes. Leve, fresco, cítrico e floral, com discreto toque mineral. O contra-rótulo diz like the Brazilian dance, smooth & spicy, intense & caressing, slightly crazy but always classy. Nota: 84 pontos.

O Nossa 2007 é mais complexo, um corte de Encruzado e Bical. Expressivo e elegante, perfumado por florais, especiarias, cítricos, frutas cristalizadas, damasco e ervas como aneto, sobre fundo mineral. Tem ótima textura, boa concentração, é longo e equilibrado. Um branco com finesse que merece ser decantado. Nota 88 pontos.

Como muitas canções da Bossa Nova estes vinhos nasceram de uma história de amor. Filipa conheceu William no Brasil e resolveu celebrar este encontro fazendo o que sabe: vinhos. A ironia é que eles começaram sua historia aqui e eu escrevi este texto lá, durante uma passagem por Lisboa.
 
 
Comentários
Osvaldir Castro
Professor universitário
São José do Rio Preto
SP
31/05/2010 Uma bela síntese da história de nossa Bossa Nova. Feliz escolha do Bossa 2008 e o Nossa 2007. Eu só seria mais generoso com o Bossa. Daria um 85.

Parabéns Copello.
André Paranhos
Feijoadólogo
Rio de Janeiro
RJ
02/06/2010 E os vinhos que "auxiliavam" os compositores daquela época nas mesas dos bares e apesar dos pesares ? Melhor nem comentar ? rsrsrsrs
Marcelo Copello
Colunista
Rio de Janeiro
RJ
04/06/2010 Oswaldir, obrigado! Quanto a nota, na realidade dei 84,498 mas preferi arredondar pra baixo...

Fala André! Naqueles tempos bebiam Kamikaze e Tequila Sunrise acho...

Abração!
Marcelo.
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