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Antes de entrarmos no tema de hoje, uma nota importante. O Encontro Mistral 2010 acontece entre os dias 7 e 9 junho em São Paulo (no hotel Grand Hyatt) e no dia 10 no Rio de Janeiro (no Hotel Sheraton). A 5ª edição deste evento é absolutamente imperdível e reunirá um elenco estrelado de mais de 80 produtores de 15 países. Reservas e informações: (11) 3372 3400, [email protected]

 
A Suiça é um país produtor muito peculiar. Leia este artigo e veja o porquê.

"Mundo mundo, vasto mundo", diria o poeta. Em minhas viagens pelo "planeta Baco" me deparo constantemente com novidades que comprovam a tese de que este é um universo em expansão. Podemos achar o novo e variado contido no que víamos como ancestral e pequeno. A Suíça é um exemplo. Em visita a este país por ocasião do concurso "Mondial du Pinot Noir" me encantei com a autenticidade e diversidade dos vinhos.

Este pequeno país guarda uma imensa variedade de terroirs (alguns privilegiados) e de castas, além de sua riqueza cultural e natural. A vinha vive em terras helvéticas desde o período neolítico, 3000 a.C. Não por acaso são quase 200 as castas hoje cultivadas aqui, com muitas cepas autóctones.

A Suíça não tem vinhos muito caros nem muito baratos. A diferença entre o mais caro e o mais barato raramente passa de 5 vezes. Na França esta relação pode ultrapassar a 2.000 vezes!

Os produtores (quase todos empresas familiares) não se preocupam em exportar, pois os volumes são pequenos e os vinhos têm comprador certo há gerações. Poucas empresas investem em marketing ou em tecnologia de produção "modernosa", voltada para o gosto internacional (amém!).


A chegada da qualidade
A produção total do país é de cerca de 100 milhões de litros de vinho ao ano, enquanto o consumo local é mais do que o dobro disso. A aritmética me diz que a Suíça é um país importador de vinho. Exportar, contudo, é preciso. Explico: até o início dos anos 1980 a produção local era orientada para a quantidade e as fronteiras do país estavam fechadas às importações. Havia um monopólio. Calculavam o quanto produziam e consumiam, e permitiam apenas a importação da diferença, em cotas por país.

Uma grave superprodução em 1982 explicitou a necessidade de modernização da indústria e a revolução se iniciou. As leis mudaram no inicio dos anos 1990 e o monopólio foi quebrado, primeiro para tintos e depois para brancos. Em 1990 um sistema de "denominação de origem" - Appellation d'origine contrôlée (AOC, similar ao francês) - começou a ser adotado. Em 1992 os rendimentos foram limitados e muitos vinhedos replantados.


Rótulos
O sistema de AOC suíço é dividido em 3 categorias:

  • AOC - O nível mais alto, com Appellations regionais e comunais. A partir de legislação de 2004, alguns vinhedos ganharam a classificação de "Grand Crus".
  • Vin de Pays - com indicação de área de origem
  • Vin de Table - a mais simples, com o rótulo somente indicando a tipologia, "branco", "tinto" ou "rose".

    Uma curiosidade de muita utilidade é que os contra-rótulos suíços trazem uma indicação do nível de doçura do vinho. O desenho de uma abelha indica se o vinho é mais ou menos doce. Assim:

  • 1 abelha - vinho seco, com até 8 gramas de açúcar por litro
  • 2 abelhas - suave ou meio doce, com 8 a 25gr/l
  • 3 abelhas - 3 abelhas - doce, com mais de 25 gr/l


    Regiões
    O total de vinhedos da Suíça é de 14,5 mil hectares, sendo cerca de 58% plantados com uvas tintas e 42% com brancas. São seis as regiões produtoras:

  • 1-Valais - a maior, com cerca de 5,2 mil hectares de vinhedos. Foi esta a região que visitei. Vejam mais detalhes adiante.
  • 2-Vaud - ocupa cerca de 3,8 mil hectares e é a principal região na produção dos vinhos brancos da cepa Chasselas.
  • 3-Suíça Alemã - com 2.6 mil hectares.
  • 4-Genebra - com 1.3 mil hectares.
  • 5-Ticino - com cerca de 1 mil hectares.
  • 6-Trois Lacs - com pouco mais de 900 hectares de vinhedos.


    Castas
    No mundo hoje existem cerca de 5 mil castas. Infelizmente cerca de 90% de toda área plantada com vinhedos no planeta é ocupada com as mesmas 50 castas (1% da diversidade total).

    A Suíça guarda um importante patrimônio genético de variedades de uvas. Cerca de 190 espécies, muitas delas autóctones, são cultivadas aqui. No Valais foi criado um banco genético chamado "Valais Selection", com cerca de 1.100 plantas de diferentes clones para salvaguardar esta herança.

    As castas mais plantadas da Suíça são (em valores aproximados em hectares):




    Cortes típicos
  • Dôle - corte de Pinot Noir (mínimo 51%) com Gamay, é o tinto do dia a dia na região do Valais.
  • Goron - corte de Gamay e Pinot, normalmente com mais Gamay, mais leve e mais simples que o Dôle.
  • Oeil de Perdrix - ou "olho de perdiz" (uma referência e comparação da cor do vinho com a cor dos olhos da ave), é quase um rosé feito com Pinot Noir vinificada em branco, comum na região de Neuchâtel.

    Além das citadas acima, existem muitas outras castas, interessantíssimas, mas ainda ocupando áreas pequenas. A tendência é de crescimento de castas como Petite Arvine, Amigne, Humagne Rouge, Cornalin, Ermitage/Marsanne e Heida. Vejamos um pequeno dicionário das minhas prediletas:
  • Castas brancas

    Amigne
    Natural do Valais, ocupa apenas 39 hectares, quase todos em Vétroz (sub-região do Valais). Trata-se de uma casta de colheita mais tardia (cerca de 15 dias após a Chasselas) e sensível a pragas, com bagos pequenos e doces. O vinho da Amigne tipicamente apresenta aromas de tangerina, mel, nozes, uma nota tânica, tem bom corpo e boa acidez (que lhes dá longevidade) e podem gerar excelentes vinhos de sobremesa.

    Chasselas ou Fendant
    Já se falou que a origem da Chasselas era a Turquia ou o antigo Egito, mas testes de DNA comprovam que a origem é Suíça. Ao consultar catálogos da OIV (International Organisation of Vine and Wine) me deparei com cerca de 200 sinônimos para a Chasselas. Esta cepa está plantada em pelo menos uma dúzia de países, mas é na Suíça que ela alcança sua notoriedade e se associa a imagem do país. O Fendant (nome da Chasselas no Valais) é o vinho do fondue e da raclette.

    É uma casta de colheita precoce e produtiva. O vinho da Chasselas é sempre leve, quando jovem pode ser quase neutro (insípido se for de má qualidade), de acidez moderada, às vezes com um toque frisante (pode lembrar um Frascatti ou um Vinho Verde) com aromas de frescor, com flores brancas, toques minerais ou frutados, conforme a região de origem. Alguns exemplares são incrivelmente longevos e ganham muita complexidade, aromas de cera, nozes, mel e uma textura sedosa personalíssima. Veja nesta coluna em breve uma vertical que fiz de um vinho desta casta, se safras até 1976.

    Heida/Païen
    Esta é uma variedade muito antiga, com registros de seu cultivo desde 1586. Chamada de Savagnin Blanc (no Jura-França) e Traminer (na Alsacia e Alemanha). O nome "Heida" (escrito às vezes como Heyda) significa "ancestral", "antigo" em dialeto local, enquanto seu outro nome "Païen" (mais usado no Valais), significa "pagão". Esta uva é geralmente cultivada em vinhedos de altitude (mais de 1 mil metros), é tardia, de maturação lenta e seu bago é pequeno e concentrado, amarelado e perfumado. Os melhores vinhos da Heida são encorpado, de cor dourada, complexo e de grande acidez e longevos, com aromas de marmelo, maracujá, pêssego, lima e especiarias e com boa afinidade com afinamento em madeira. Tem um perfil que lembra os melhores Alvarinhos do Minho ou até mais os Albariños da Galícia. Confesso que dentre as castas que conheci nesta viagem esta é minha predileção, junto com a Petite Arvine.

    Petite Arvine
    De origem desconhecida é hoje considerada uma casta do Valais, e gera alguns dos melhores vinhos do país. De cultivo difícil, de colheita tardia (cerca de 15 dias após a Chasselas), precisa dos melhores terrenos e das melhores exposições ao sol para gerar bons vinhos. Pode gerar vinhos estruturados e elegantes, com complexos aromas florais e frutados, que os locais descrevem como notas de ruibarbo, toranja (grapefuit) e mel. Pode gerar ótimos vinhos de sobremesa e tem bom potencial para alguns anos de guarda (mesmo nos vinhos secos).

    Sylvaner/Johannisberg
    Veio do vele do Reno na Alemanha, para o vale do Ródano (Rhône) na Suíça. É de maturação um pouco mais tardia (cerca de 10 dias após a Chasselas). O vinho da Sylvaner alcança frutado mais intenso e aromas de amêndoas. Sua melhor expressão é nos vinhos de meio-doces ou doces, pois amadurece bem no pé sem perder muita acidez.

    Humagne Blanche
    É uma uva rara e muito antiga, a mais antiga do Valais, com registros desde o ano 1313. Como curiosidade, seu teor de ferro é alto (cerca de 3 vezes maior que a maioria das outras castas), e foi usada historicamente como tônico e receitada a mulheres grávidas. Hoje ela está apenas no Valais, com mínimos 28 hectares, já que foi praticamente extinta com a Filoxera no século XIX. Provei vários vinhos da Humagne Blance e vi neles corpo leve, pouco álcool e pouca cor, boa mineralidade, acidez delicada, aromas florais e de frutas cristalizadas, frutas que vão das frescas às mais marduras, conforme o estilo do vinho. Como referência me lembrou um pouco a Chenin Blanc.
    Castas tintas

    Cornalin
    É a casta tinta autóctone mais antiga, com registros que datam do século IX. É de amadurecimento difícil e tardio e sensível a pragas, por conta disso foi quase abandonada, mas com a busca da qualidade iniciada nos últimos anos a Cornalin vive um momento de ressurreição. Em seu melhor proporciona vinhos escuros, concentrados e complexos, com frutas negras e especiarias picantes, em um perfil que lembra a Syrah (embora com fruta menos doce que esta). Dentre as castas tintas que conheci na Suíça esta foi minha predileta.

    Humagne Rouge
    Tem origem no Vale d´Aosta na Itália e hoje é restrita ao Valais. Seu bago é grande, escuro, com muitos taninos. É de maturação tardia e precisa estar bem madura para gerar bons vinhos, sob o risco de gerar vinhos diluídos, herbáceos e rústicos. Em seu melhor pode atingir alta qualidade, com vinhos robustos, com muita cor e corpo, acidez moderada, amigos do amadurecimento em madeira. Não tem relação com a uva branca Humagne Blance, apesar da semelhança no nome.
    Destaques do Mondial du Pinot Noir

    A seguir destaco alguns dos vinhos premiados no concurso Mondial du Pinot Noir, com minhas impressões e minha nota pessoal.

    Grande Medalha de Ouro (Gran Vinea D´Or)

    Pinot Noir 2008
    Produtor: Cortijo Los Aguillares
    Região: D.O. Sierras de Malaga-Espanha.
    Rubi claro violáceo e brilhante. Aroma muito expressivo e complexo, ótima fruta, doce e bem definida, domina o perfil, mostra alcaçuz, baunilha, musgo e mineral aparece com finsesse, depois de algum tempo na taça. Paladar de médio corpo, macio, com taninos finos, longo. Foi grande a diferença em estilo deste exemplar de região quente para os vinhos Suíços (de clima mais frio).
    Minha nota: 95 pontos.

    Malvoisie Flétrie sur souche 2008
    Produtor: Cave la Madeleine
    Região: AOC Valais-Suíça
    Elaborado 100% com a casta Malvoisie ou Pinot Gris. Dourado claro e brilhante na cor. Aromas de damasco, frutas secas, com um perfil mineral bem diferente dos vinhos de sobremesa em geral. Paladar meio doce, longo, muito bem equilibrado e fresco, longe de ser enjoativo, mais para aperitivo que sobremesa. Delicioso, uma bela descoberta.
    Minha nota: 91 pontos.


    Medalha de Ouro (Vinea D´Or)
    Por acaso 3 dos 4 vinhos que destaquei aqui são da mesma região, Graubünden. Em comum, encontrei nestes vinhos uma mineralidade muito fina, que os distingue.

    Pinot Noir Maienfeld 2008
    Produtor: Wullschleger Weine Maienfeld
    Região: Graubünden-Suíça
    Rubi muito claro violáceo vivaz. Aroma de fruta fresca, delicada, bastante mineral. Paladar leve e fresco, acidez muito boa que lhe dá potencial de guarda. Muito elegante, de perfil mais seco
    Minha nota: 89 pontos.

    Pinot Noir Malans Spätlese 2007
    Produtor: Volg Weinkellerein AG
    Região: Graubünden-Suíça
    Linda cor, rubi clara e violácea. Boa complexidade, mineral, boa fruta, especiarias. Paladar leve e seco, sério, taninos finos, muito elegante, toque salgado no fim de boca.
    Minha nota: 91 pontos.

    Pinot Noir Barrique Maienfeld 2006
    Produtor: Möhr-Niggli Weine
    Região: Graubünden-Suíça
    Cor granada muito clara. Agrega madeira de boa qualidade ao perfil mineral dos vinhos da região de Graubünden, nariz expressivo, muito mineral, com frutas secas e tostados de madeira de boa qualidade. Paladar de médio corpo, taninos muito finos amaciados pela madeira, final menos secos que os demais, com mais maciez e mais concentração.
    Minha nota: 91 pontos.

    Pinot Noir 2004
    Produtor: Weinbau Familie Lüthi
    Região: Stäfa(Zurique)-Suíça
    Cor granada claro com reflexos alaranjados. Estilo que lembra muito a Borgonha. Com muito musgo, cogumelos secos, frutas secas. Paladar de médio corpo, acidez boa, taninos muito finos, boa persistência.
    Minha nota: 90 pontos

    Semana que vem continuamos na Suíça, com uma visita a região de Valais. Até lá!

    Saúde,

    Marcelo Copello
    www.mardevinho.com.br
    Comentários
    Luiz Augusto de Azevedo Marques
    Empresário
    Rio de Janeiro
    RJ
    07/06/2010 Prezado Marcelo,

    Parabéns, mais uma vez, pelas suas informações. Sempre muito bem assertivas e que nos enriquecem muito. Cada vez aprendo mais sobre os vinhos.

    Grande abraço
    Luiz Augusto
    Pedro Stênio Lúcio Gomes
    Advogado/Apreciador/Enófilo
    Manaus
    AM
    07/06/2010 Caro Marcelo,

    Excelente a matéria sobre a Suíça. Através da EnoEventos, tomei conhecimento dos vinhos suiços e fiquei maravilhado com o branco da uva 'Heida', da qual ainda resta uma garrafa (2007). A 'Fendant' também não é má, mas para mim num patamar abaixo da 'Heida'.

    Ainda não experimentei os tintos, mas acredito que a qualidade também deve ser muito boa, até em razão da 'pouca' produção.
    Rodrigo Britto
    Diletante
    Sampa
    SP
    07/06/2010 Marcelo,

    Belo artigo. Obrigado. Dois comentários, somente:

    1. Provei da chasselas na Alsácia. Pouco difundida, dá um vinho médio, de sabor suave.

    2. Provei, outro dia, um Marsanne Thomas Mitchell, de Vitoria, Austrália. Diferente, muito interessante, abacaxi, boa acidez, também médio. Para quem gosta de provar, vale a pena.

    Um abraço,
    Rodrigo Britto.
    Massimo Frangi
    Enófilo
    Urussanga
    SC
    07/06/2010 Gostei das informaçoes. Na minha próxima viagem para a Itália em setembro, vou tentar dar uma saída para a Suíça e trazer algumas garafas de vinhos.

    Obrigado pelas dicas.
    Rafael Mauaccad
    Enófilo
    São Paulo
    SP
    08/06/2010 Marcelo,

    Seus artigos o credenciam ao título "Master of Wine"!

    Onde podemos encontrar os vinhos suíços nos mercados de São Paulo e Rio?

    Abraço,
    Rafael
    Marcelo Copello
    Colunista
    Rio de Janeiro
    RJ
    10/06/2010 Oi Luiz, muito obrigado e feliz aniversário atrasado!

    Pedro, também me encantei com alguns Heida que provei lá, e com alguns tintos da Cornalin, há muito o que provar!

    Rodrigo, há Chasselas em muito países, fora da Suíça, a Alemanha e a França fazem alguns interessantes. A Marsanne gera vinhos fantásticos no Rhône, em cortes com a Rousanne e Viognier, vale a pena provar.

    Massimo, a Suíça vale uma visita, mesmo se não tivesse (e tem) bons vinhos!

    Rafael, obrigado! Você acha estes vinhos na Vitis Vinífera (www.vitisvinifera.com.br)

    Abraços
    Marcelo.
    Marilei Piana Giordani
    Arquiteta Especialista em Patrimonio Cultural
    Bento Gonçalves
    RS
    13/06/2010 Caríssimo Marcelo,

    Adorei o seu comentário sobre a Suiça, onde além da qualidade do vinho, seus vinhedos de mais de 800 anos (Lavoux) em 28 de junho de 2007, foram declarados pela UNESCO como Patrimônio Mundial da Humanidade.

    Bene, refiro-me a isto, pq vc cita que eles não tem esta obceção em tecnologia de produção "modernosa", voltada para o gosto internacional (amém!). Também sou a favor deste posicionamento, pq eles conhecem o seu patrimônio, cultural e vinícola, e principalmente o valorizam, por isto a declaração da UNESCO, enquanto a maioria no Brasil, acredita que deva se parecer com as vinícolas da França, USA... enquanto nosso patrimônio Cultural é ameaçado e destruído, e as vinícolas (nem todas) no estilo de quanto mais moderno melhor e sem identidade.

    Isto não quer dizer, que não devemos buscar cada vez mais qualidade de nossos vinhos brasileiros.

    Um abraço!
    EnoEventos - Oscar Daudt - (21)9636-8643 - [email protected]