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Agora vamos ao Pôquer!

A sétima arte usou muitas vezes o jogo para adicionar “sabor” a seus enredos. Deste gênero meu predileto é Golpe de Mestre (The Sting, 1973), com Paul Newman e Robert Redford. O famoso jogo de pôquer nesse filme me inspirou a escrever a ficção humorística que se segue:

O Cassino The Sandman's, em Las Vegas, acaba de inaugurar uma sala VIP especial para enófilos. Lá você pode chegar com suas garrafas que imediatamente são avaliadas com a ajuda de um computador. O sistema é alimentado com cotações oficiais de casas leiloeiras, como Sotheby's e Christie's. Antes de serem depositados no cofre do cassino cada vinho é convertido em uma ficha de pôquer, mas não uma ficha comum. Em poucos segundos uma máquina faz fotos e produz fichas plásticas em formato de silhueta de garrafa com a imagem de cada rótulo e um valor em dólares impresso logo abaixo. Assim você pode entrar no jogo com um certo número de fichas/garrafas e depois trocá-las de volta. E ainda degustá-las para comemorar!

Jogadores mais experientes levam preciosidades como Romanées Contis ou Lafites antigos para atrair boas apostas dos adversários, mas também vinhos mais baratos para fazer apostas menores, como dinheiro trocado. A mania está atraindo fanáticos de todo o mundo. Uma mesa de pôquer chegou às manchetes do Financial Times em agosto passado, quando o famoso ator egípcio Tomar Sharif (um notório jogador) sentou-se à mesa com litros e litros de “fichas”. Tomar encarou na ocasião oponentes à altura, como o Sheik Beb Ali e Gianni Bevuto.

O Sheik Beb Ali, embora abstêmio por questões religiosas, possui uma das maiores adegas do planeta e é um eno-apostador inveterado. Obcecado pela safra de 1925, ano de seu nascimento, faz qualquer aposta para conseguir os vinhos do “ano da vitória”. Dizem que uma vez, blefou com um par de valetes contra um flush e pôs na mesa, dobrando a aposta, 4 magnums de Latour 61 para obter um único e precioso exemplar de d´Yquem 25. Por Allah, seu oponente preferiu não pagar para ver.

Enquanto Tomar Sharif joga pelo vício de jogar, a emoção de ganhar, e o Sheik Beb Ali para aumentar sua coleção, sem jamais desarrolhar nada, Bevuto joga para beber mesmo e ponto. Este italiano da Calábria, que fez seus bilhões na indústria de reciclagem de vidro, começou seu negócio com as milhares de garrafas de vinho vazias que lotavam permanentemente sua casa. Hoje ele não guarda garrafa nenhuma, cheia ou vazia, a não ser as que usa como “fichas”. Seu vício é degustar raridades que nunca provou. "Cheval 1947 de novo? Não agüento mais! Prefiro algo mais raro, como um José de Sousa 1945!", declarou certa vez em uma entrevista.

O famoso embate entre os três começou light, com Tomar pingando um Beaujolais Nouveau, no que foi seguido por Beb Ali que colocou na mesa uma ficha de rosé da Provence, enquanto Bevuto entrou com uma demi-bouteille de Valpolicella. Isso era só para "fazer a boca", pois o jogo só esquentou quando já estavam no "pote" no centro da mesa raridades como 12 "fichas" de Madeira 1890, 4 Margaux 1900, 6 magnums de Romanée-Conti 1978, uma Matusalém de Krug Clos du Mesnil 1996, 8 Vega Sicilia Único 1962, 2 double-magnums de Penfolds Grange 1990, 12 Gaja Barbaresco Sori San Lorenzo 1982 e valiosíssimas 6 magnums de Screaming Eagle 1992.

Mas por incrível que pareça os apostadores só perderam a cabeça quando Tomar (sabedor das fraquezas de seus oponentes) cobriu uma aposta colocando na mesa uma única ficha do Grandjó 1925. Algumas garrafas deste branco do Douro, produzido a partir de um vinhedo que não existe mais, de Sémillon e Sauvignon Blanc, foram esquecidas por décadas nos porões da Real Companhia Velha, até que o enólogo Dirk Niepoort as descobriu durante uma peritagem. A notícia da existência do Grandjó 1925 correu o mundo dos colecionadores como um raio, pois as poucas garrafas já abertas estavam magníficas! Hoje restam apenas 12 exemplares desta preciosidade. O Sheik Beb Ali precisava deste troféu na sua coleção e Bevuto queria bebê-la imediatamente!

Resumindo a ópera: Bevuto, com um full hand de ases, limpou a mesa e em seguida, dizendo alegre "full hand and empty bottle!", procedeu a abertura da garrafa. "O Grandjó 1925 estava lindamente dourado, muito vívido e límpido, com reflexos âmbar, aromas de mel, com toque agradável e discreto de oxidação, que lhe dá complexidade, lembrando um jerez, mesmo aos 85 anos de idade ainda mostrava fruta madura, manga, abacaxi em calda, geléia de damasco, paladar perfeito, abriu-se muito ao longo da prova, bem presente no meio de boca, e muito longo, espetacular! Nota 96 pontos".
Nota do autor
Tudo isso, amigos, é para relatar a emoção que tive ao degustar este 1925 há poucos dias em Lisboa. Aviso: todas as informações sobre o Grandjó 1925 são verdadeiras, o resto é invenção.

Marcelo Copello
Comentários
André Paranhos
Feijoadólogo
Rio de Janeiro
RJ
28/06/2010 kkkkkkkk... valeu Bevuto! All in!!
Eduardo M Araujo
Sommelier
Florianópolis
SC
28/06/2010 Como sempre, maravilhoso texto!

Fico imaginando todos esses vinhos juntos. Acho que até eu, que nunca joguei poquer, me arriscaria a ter uma "sorte de principiante".
Osvaldir Castro
Professor Universitário e Enófilo
São José do Rio Preto
SP
29/06/2010 Só o Marcelo para nos prender na leitura até o fim. E depois blefar. Sensacional. Valeu!
Nei Augusto Ribeiro
Enófilo
Rio de Janeiro
RJ
29/06/2010 Grande Marcelo

Parece até trecho de algum belo livro.... acho que vale a pena investir nesta empreitada vinho x pôquer!

Saúde e boa sorte!
Reinaldo Paes Barreto
Enófilo
Rio de Janeiro
RJ
30/06/2010 Grande Marcelo,

"Tacada de mestre" é essa sua. Texto bom -- com suspense e ritmo -- e um final estupendo. Você mereceu o Grandjó que bebeu!

Abraços e "muitos cassinos" para você.

Reinaldo
Marcelo Copello
Colunista
Rio de Janeiro
RJ
30/06/2010 Valeu Pessoal!

Tive a idéia para este texto uns 5 anos atrás, mas na época não tinha um bom final, daí guardei o rascunho no meu baú. Quando provei o Grandjó 1925 não tive dúvida de que era a hora de finalmente escrever o final desta história!

Abraços,
Marcelo.
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