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  Caros leitores, meu aniversário se aproxima e, com isso, chega um dos raros momentos no ano em que escolho por puro deleite o que vou degustar.

Ao vestir a camisa do "crítico de vinhos", que prova milhares de amostras ao ano, atribui notas e uma noção de valor a cada vinho provado, cumpro uma faceta árdua de meu trabalho e presto um serviço aos leitores.

Sei, contudo, que o vinho transcende números e que o verdadeiro prazer está no contexto em que o vinho é provado. O prazer está, sobretudo, na companhia.

Enquanto preparo uma matéria especial "de aniversário" para a próxima semana, coloco abaixo um texto de meu 3º livro, Vinho & Algo Mais (Editora Record, 2004). Esse livro foi indicado ao prêmio Jabuti ("Oscar" da literatura brasileira) e assim se tornou o 1º livro brasileiros de vinhos a ser indicado a um prêmio de literatura. Além disso, ao ser traduzido para o espanhol (chama-se "Vino Y Algo Más" na Argentina), tornou-se o 1º livro brasileiro de vinhos a ser traduzido.

Abaixo um dos textos desse livro, oportuno a este momento:
 
Vinho & Contexto

"Por mais raro que seja, ou mais antigo
Só um vinho é deveras excelente:
Aquele que tu bebes calmamente
Com o teu mais velho e silencioso amigo"

Mário Quintana.


Vinho não se combina apenas com alimentos ou com música, como já dissertei a respeito, mas com um contexto ou uma ambience. As circunstâncias influem decisivamente em nossa apreciação de uma boa garrafa. Nosso estado de espírito, a companhia, a temperatura do ambiente, a música, a iluminação, a decoração, a vista, a estação do ano, o que foi bebido antes e o que esperamos consumir depois. A situação completará o significado da experiência sensorial. Por pura diversão, podemos delinear uma classificação dos vinhos neste sentido.

Alguns, assim como algumas peças musicais, têm uma função. Os prelúdios, ou as aberturas, preparam nossos ouvidos para o que virá a seguir. Podemos, então, chamar de vinhos de introdução aqueles cuja função é aguçar o paladar e "fazer a boca". Já os vinhos de conversação, são para a confraternização dos companheiros, como nos poemas de Neruda: gregários, bebidos ao sabor de histórias e risadas. Os vinhos de pretexto dispensam a reputação, são mera distração, também conhecidos como vinhos de entretenimento, como a pipoca do cinéfilo. Seu primo é o vinho passatempo, que funciona como o baralho para um jogo de cartas. Não muito distante está o vinho de novela, que quase sempre nem é vinho, mas um líquido fake, como água e groselha.

Os vinhos de visita contém certa formalidade, o rótulo escolhido varia conforme o grau de cerimônia e apreço atribuídos ao visitante. O vinho refrescante é aquele que, assim como as narinas, se abrem ante seu frescor, e o paladar, ante sua acidez, faz o coração se abrir para a vida. Temos também o vinho para 13 à mesa, que, se for realmente bom, motivará outros 13 a cobiçar um lugar à esta, e logo serão 26.

Os vinhos de pessoa jurídica, com muitos dígitos no preço, são adequados para fechar grandes negócios. Um contraparente seu é o vinho de ostentação, para quem o "ter" é mais importante do que o "ser". Do mesmo clã, temos os vinhos de sonho, aqueles cujo preço e raridade os afastam de nossa realidade e os aproximam de nossas fantasias.

Os vinhos importantes, próprio para pessoas importantes; e vinhos ainda mais importantes, para pessoas simples para quem qualquer vinho é uma dádiva. Muitos almejam provar o vinho para comemorar 100 anos, mas este pode ser o mesmo usado para comemorar cada minuto.

O vinho dos técnicos - agrônomos, enólogos e agricultores - para quem, mais do que fermentado de uva, é suor, labor diário, dedicação e sustento. Oposto do vinho apolíneo dos degustadores profissionais, das fichas, notas, classificações, rankings e guias; parente do vinho dos práticos e objetivos que querem o "melhor" por seu dinheiro, e buscam este "melhor" nos guias. Existe ainda o vinho poético, embora a poesia não esteja nele e sim em quem o bebe e faz a sua apologia. Não esqueçamos do útil vinho de batalha, quando a quantidade impossibilita a qualidade, muito comum em vernissages, casamentos e noites de autógrafos. Também, porque não, o vinho do pileque, pois é preciso ser moderado em tudo, até na moderação, cometendo às vezes alguns excessos.

O vinho de boas vindas é irmão do vinho de despedida, do qual se pode guardar uma garrafa e transformá-la no vinho do reencontro. O vinho coringa é o que serve para todas as ocasiões, como o Champagne, ótimo para o café da manhã, começando o dia ou encerrando a noite. Alguns vinhos são abertos simplesmente para matar a sede. Outros são tão encorpados que matam a fome também. Osvinhos de aquecimento são muito úteis em locais de clima frio, para aquecer o corpo, a alma e, quem sabe, a cama.

A família dos vinhos de assunto é grande. Temos o vinho de reminiscências que nos fazem lembrar histórias, ou até inventá-las. Há os que soltam nossas línguas e os que as enrolam. Sem falar nos vinhos de conversa fiada e vinhos que são o assunto da conversa. Destes, o antepassado mais ilustre é o vinho de meditação, que pede silêncio e concentração. Obras de arte líquida, uma epifania quase religiosa, para se beber de joelhos. Nesta categoria se encaixa a maioria dos vinhos de sobremesa, que nos chegam no final de uma refeição quando estamos em paz com nosso estômago e com nós mesmo, com uma sensação de completude e plenitude. Momento propício para pensar na vida em perspectiva, com religiosidade para os religiosos ou contemplação filosófica para os agnósticos.

O vinho pretensioso é o da paixão, pois toda paixão é pretensiosa, é revolucionária, muda nossa maneira de ver o mundo e faz com que o mudemos. Uma variante é o vinho da sedução, que hipnotiza os amantes, temperando o encanto, umedecendo o fascínio e aquecendo os espíritos.

Fascinante é o vinho da harmonização, combinado a cada prato da refeição. Os verdadeiros enófilos sabem, no entanto, que vinho se combina com o ar que respiramos. Tintos harmonizam com carne, a de que somos feitos. Brancos são para acompanhar os frutos do mar, com a brisa e o som das ondas, e, sobretudo, as sereias.

O único vinho que não conheço é o da tristeza e o da solidão, pois este azeda rapidamente, sendo conhecido, então, como vinagre. Acima de todos o vinho alegre, pois sem alegria, nem a vida nem o vinho valem a pena.
Comentários
Antonio Carlos Ferreira
Enófilo
Rio de Janeiro
RJ
20/09/2010 Marcelo,

Um texto belíssimo, digno de um brinde.

Parabéns!!!!
João Montarroyos
Mestre Equitador
Rio de Janeiro
RJ
20/09/2010 Marcelo, fantástico o seu texto.

Deixo aqui o meu abraço pela data natalícia com votos de muita saúde e vida longa, sempre nos orientando sobre o precioso líquido das uvas. Chegarei aos 100 anos primeiro do que você, lógico, sou "veinho", mas sempre bebendo vinho tinto e equitando cavalos, além de outra coisita mais!!!
Rene Alfredo Schirr
Enófilo
Pato Branco
PR
20/09/2010 MARCELO, BOA TARDE.

LINDO TEXTO QUE ALEGRA NOSSO CORAÇÃO E ESTIMULA A POETIZAR COM OS VINHOS A SERERM DORAVANTE TOMADOS. GRATO PELA OPORTUNIDADE DE LER TAL TEXTO.
Gláucia Helena Barbosa
Psicanalista e Enófila
Rio de Janeiro
RJ
20/09/2010 Marcelo, que delícia ler o seu texto! O vinho merece...

Parabéns, Gláucia.
Paulo Henrique de Lima
Engenheiro
Rio de Janeiro
RJ
21/09/2010 Marcelo,

Espetacular este texto. Inspirador, aquecendo a nossa faculdade da imaginação.

Parabéns! Abs
Guilherme Tell de Andrade
Engenheiro e protótipo de enófilo
Rio de Janeiro
RJ
21/09/2010 Marcelo,

Seu texto tira um pouco o sufoco que sinto na hora de analisar um vinho do ponto de vista dos critérios tradicionais. Como sou novato neste mundo enófilo eu acho bom todo vinho que cai bem ao momento e acho que você sintetizou bem as situações. Agora posso beber meus vinhos em paz.

Parabéns,
Guilherme
Antonio Paulo Milanesio
Enófilo
Santo André
SP
21/09/2010 Cada vez mais me convenço de que seguir o caminho natural das coisas é o melhor a se fazer.

O vinho foi aparecendo e tomando conta do meu dia-a-dia, da minha vida, das minhas alegrias. E ler um texto como o seu, Marcelo, me dá alento e por ver que não estamos tão distantes da realidade. Que a paixão pelo vinho significa a paixão pela vida... e que o vinho sempre esteve e está entre nós, na religião, nas guerras, nas alegrias e nos momentos não tão sublimes...

Parabéns pelo texto feito com a alma de quem sabe que, a cada segundo, somos agraciados pelo dom da vida, e que o restante de nossos dias está apenas começando...

Feliz Aniversário, Paulo.
Maria Zilda Ferreira
Engenheira e Enófila
Rio de Janeiro
RJ
22/09/2010 Marcelo,

Seu texto é um passeio delicioso! Parabéns!
Eliane Cabral
Socióloga - Enófila
Natal
RN
23/09/2010 Olá Marcelo,

Primeiramente um Tim Tim para você no seu natalício... Viu o que você provocou com esse poético e bem classificado comentário? Parabéns, Guri, isso tudo é privilégio de quem tem sensibilidade.

Continue nos brindando, assim, com tanta habilidade na escrita. Que Deus e Baco lhe iluminem.

Um abraço.
Marcelo Copello
Colunista
Rio de Janeiro
RJ
24/09/2010 Antonio Carlos, obrigado e um brinde!

João, abraços obrigado, e muchas cositas mas!

Rene, o vinho faz da gente poetas, obrigado!

Gláucia, concordo, o vinho merece, alguns mais que outros, rs...

Paulo, o vinho sempre inspirtou todos os criadores da história, obrigado e abraços!

Guilherme, analisar vinho tecnicamente tem sua hora. Analisar vinho fora de hora fica muito chato!

Antonio Paulo, pelo visto você virou vinho e já fez aqui um belo texto. Parabéns e obrigado.

Maria Zilda, muito obrigado, continuamos passeando pelo vinho todos os dias!

Eliane, obrigado e amem!

A todos obrigado e até segunda-feira com mais vinhos!

Marcelo Copello
Marilei Piana Giordani
Arquiteta urbanista
Bento Gonçalves
RS
03/10/2010 Oiiiiiii Marcelo!

Auguri per il tuo compleanno!

Em função do meu trabalho, hoje que consegui ler esta sua matéria... Estupenda e mais ainda com a foto!!! Este lugar é espetacular, sou imensamente feliz em pode ver paisagens vitícolas como esta.

Abraços, Marilei
Eliani Lanzarini
Psicóloga e enófila
Carlos Barbosa
RS
03/10/2010 Marcelo,

Parabéns!!! 1o. pelo aniversário, 2o. pelo texto inspirador, delicioso, encantador, uma poesia e uma homenagem a ele que tanto nos surpreende!

Parabéns pela escolha do cenário, para quem tem o privilégio de conhecer esta paisagem sabe que o vinho pode ser também de contemplação!!!

Um abraço, Eliani
Eliani Lanzarini
Psicóloga e enófila
Carlos Barbosa
RS
03/10/2010 Marcelo,

Gostaria de te pedir autorização para postar tua matéria em nosso site Estrelas do Brasil, da qual a sua foto faz cenario da sua belissima poesia sobre o vinho.

Abraços,
Eliani
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