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Você já provou? Não perdeu nada (com todo o respeito). Porque embora o vinho (e o pão) façam parte da Eucaristia desde a origem da Igreja Católica - quando Jesus, reunido pela última vez com seus discípulos (A Última Ceia), benzeu o vinho e disse: "tomai e bebei, isto é o meu Sangue" - vocês podem imaginar que não era nenhum Romanée Conti o que os apóstolos sorveram, junto com o Mestre. E, embora desde então o vinho tenha uma relação profunda com a religião católica - basta dizer que ele é citado 215 vezes na Bíblia - o de Missa nunca mereceu pontos do Robert Parker...

E por quê? Porque como se espera que ele tenha uma duração maior do que um vinho de mesa - numa paróquia média, uma garrafa de 750ml teoricamente tem que durar uma semana, dez dias, já que o consumo é lento - só com muito álcool, um corte de aguardante e muito açúcar, um vinho resiste a esse timing. Ainda mais que a garrafa é guardada naquela cômoda de sacristia, junto com as velas, panos, missais, etc... Ah! sim, além do preço, que obviamente há de ser "católico".

A única coisa que o Direito Canônico exige é que "o vinho seja de uvas, fruto da videira, natural e puro". Contudo, cada vez mais se produz o vinho de missa um pouco da mesma forma como se faz o Vinho do Porto, ou seja, interrompendo a fermentação com a adição de uma aguardente vínica, de forma a elevar o teor de açúcar e de álcool e dilatar a sobrevida do produto.

Além disso, no início da Igreja Católica, ele era sempre tinto (vermelho) pela analogia com o sangue de Cristo. No Brasil e em Portugal ele ainda é predominantemente assim. Mas como a sabedoria do clero (e sobretudo das freiras) é legendária... em outros países, como a Espanha, França, todo o norte da Europa e parte dos EUA passou-se a usar quase que exclusivamente o vinho branco. Sabem por quê? Mancha menos.

Bom, mas e quem produz o vinho de missa no Brasil? Três empresas gaúchas dominam esse mercado: a Salton, a Aliança e a Chesini. A maior fornecedora é a Salton. Há 60 anos, a empresa fabrica o Vinho Canônico, consumido durante as missas de igrejas de todo o país - no ano passado, saíram 300 mil litros das linhas de produção.

Esse vinho é elaborado pela empresa de Bento Gonçalves a partir de um corte de uvas Moscato (50%), Saint Emilion (40%) e Isabel (10%). Trata-se de um rosado licoroso doce, com graduação alcoólica de 15º GL, comercializado em garrafas de 750ml (a R$7,00 a unidade, no varejo da empresa). A maior procura pelo produto é por religiosos, mas há consumidores que buscam o vinho para sobremesa ou mesmo aperitivo. A produção média anual do Canônico Salton é de 400 mil a 500 mil garrafas.

Já o vinho de missa Aliança, "licenciado" desde meados da década de 1970, apresenta como diferencial o fato de ser branco (além de licoroso e doce). Ele é elaborado com vinho base de uvas Moscato, ao qual é adicionado álcool vínico e, quando há necessidade de correção de açúcar, usa-se mosto concentrado. Com 17,6º GL, o produto é vendido em garrafões de dois litros, a R$ 15,50 a unidade no varejo da Cooperativa Aliança, em Caxias do Sul - único local em que é encontrado. É um produto feito mais para atender às paróquias.

A Adega Chesini, finalmente, de Farroupilha, fez uma inovação em 2006: oferece o vinho de missa em embalagens bag-in-box de cinco litros. E deu certo: hoje o produto chega a mais de 20 Estados - sendo 95% do público consumidor formado por paróquias; o restante dos compradores são apreciadores de vinho de sobremesa. O vinho é produzido (em uma média de 15 mil litros por ano) exclusivamente com uvas da variedade Isabel.

Há outros fabricantes menores, quase todos no Rio Grande do Sul. Como os frades capuchinhos em Viva Flores, lá no alto da serra, que elaboram o Frei Fabiano vendido a R$ 4,20.

Está faltando um Sauternes? Tente um Canônico bem gelado. Quem sabe Baco produz o milagre da transmutação? Saúde (e amém).
 
Comentários
Paulo Nicolay
Enófilo
Rio de Janeiro
RJ
11/08/2009 Parabéns Reinaldo pela matéria!!

Só você para nos brindar com matérias inéditas e primorosas!

Grande abraço
Juan José Verdesio
ABS Brasília
Brasília
DF
11/08/2009 Já tenho experimentado estes vinhos de missa brasileiros. Concordo que não se perde nada. Lamentavelmente no Brasil para poder comercializar um vinho a menos de 10 reais a garrafa tem que ser feito com uvas não viníferas.

Andei lendo algumas coisas nesses dias a respeito do Vin Santo da Toscana e dos outros vinhos de missa da Itália e da Espanha, países que têm a maior tradição na produção destes vinhos. O meu pai era viciado no tal Vin Santo, apesar de ser um socialista radical anticlerical. A tradição vinha de seu pai que era do Piemonte. Ficava sempre procurando qualquer Nebbiolo ou Vin Santo, seus preferidos.

Pelo jeito, o Vin Santo toscano parece que ganhou esta fama de santo por ter sido usado como medicamento na Idade Média. Tem os que dizem que é pelo fato de ser usado na missa.

Os vinhos de missa italianos são dominantemente licorosos, com ou sem álcool adicionado. As uvas são variadíssimas, desde Malvasia na Itália até Garnacha na Espanha. Cada região tem a sua tipologia. Tem brancos, tintos e rosados. Parece que nada tem a ver com a cor do sangue. Sobretudo porque na época de cristo provavelmente vinho tinto devia ser uma raridade. A oferta é grande. Hoje há uma tendência a ofertar vinhos secos. Os padres se sofisticaram e pedem vinho de mais de 2 estrelas. Pelos preços que vi no mercado italiano vão desde poucos Euros a mais de 30 euros (esses devem ser "vini di cardinale").

Segundo o livro Tratado de Enologia de José Hidalgo Togores, há normas para ser considerardo canônico determinadas em Concílios Florentino e Tridentino. O direito canônico da Igreja Católica só indica que deve ser: "Il vino deve essere naturale, del frutto della vite e non alterato." (Canon 924 do Código de Direito Canônico).

Em resumo, é um assunto bem interessante para ser desenvolvido com mais intensidade em outros artigos.

Parabéns pela matéria.
Gustavo Silveira
Enófilo
Rio de Janeiro
RJ
11/08/2009 Brilhante matéria, sobre um tema curioso e pouquíssimo discutido.

Essa do vinho branco em missa eu nunca imaginaria.
Reinaldo Paes Barreto
Colunista de vinhos
Rio de Janeiro
RJ
11/08/2009 Agradeço aos comentaristas Paulo Nicolay (mestre em epicuro-enogastronomia!), ao Juan José Verdesio com o seu interessante e extenso comentário, muito pertinente, e ao Gustavo Silveira, a gentileza de terem se manifestado.

Abraços, Reinaldo
José Paulo Schiffini
Enófilo da velha guarda
Rio de Janeiro
RJ
12/08/2009 Caro Reinaldo,

Por acaso, você sabe qual a dose recomendada para os padres tomarem do vinho canônico em cada missa?

Você saberia me dizer como ele é guardado, uma vez aberta a garrafa,... até esperar a missa seguinte? O padre leva o resto para casa ou o sacristão cuida?

Fiquei fora do ar dez dias, numa UTI coronariana, desentupindo arterias e agora tenho que reaprender os limites.

Belo artigo.
Schiffini
César Nicolini
Sommelier
Garibaldi
RS
12/08/2009 Interessantíssima matéria.

Bom ou ruim, nem Parker pode julgar, porque o vinho é santificado. Daqui a pouco vai ter guia com os melhores vinhos de missa do mundo, feito pelo Vaticano, claro!
Roberto Cheferrino
Rio de Janeiro
RJ
14/08/2009
Julmir Viccari
Advogado
Maravilha
SC
03/08/2012 Ouso discordar do nobre enólogo. Bebo todos os dias um cálice de vinho de missa (ou canônico), o que me traz um sono reparador e regularização da pressão arterial. Ótimo também para acompanhar um refeição com frutos do mar.

Optei pela Adega Chesini, pois oferece este vinho na prática e econômica modalidade bag in box. Um abraço.
EnoEventos - Oscar Daudt - (21)9636-8643 - [email protected]