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 Caros amigos,
Descendo, no elevador do Porto Bay Internacional, estou saindo da degustação de vinhos do Douro e do Porto, encontro o Sr. Carlos Soares, diretor do IVDP, que me pergunta:
- Gostaram? - Sim gostamos muito, respondemos quase sem pensar...
Esse vinho doce, encorpado, me fez voltar no tempo e tentar descobrir nos arranjos desordenados dos neurônios da minha memória, qual foi o meu primeiro Porto: acho que tinha sete anos de idade.
Na minha dieta matinal, para enfrentar as chatices das aulas daquele tempo, e, as intermináveis partidas alternativas de futebol, minha mãe já me servia uma gemada batida com açúcar e com o Adriano Ramos Pinto, uma tradição familiar.
Naquela época do Pós-Guerra, vinho era além de alimento, um tônico, um fortificante, que pena que hoje tenha se transformado em alguns casos raros, até em uma “causa mortis”, bem menos letal que o tal vírus suíno que anda por aí, mas em todo caso, é por isso até proibido por lei..
Porém hoje falo como diretor do Instituto acima. Não posso deixar de me sentir orgulhoso por participar deste evento cultural, um evento cultural pois carrega consigo toda tradição do povo que nos descobriu, que nos empresta o bem maior de sua cultura: nossa língua portuguesa.
Ao analisar com os meus sentidos críticos este evento foi um Pós-doutorado em vinhos ao conhecer as maravilhas do Douro, aqui apresentadas.
Peço licença aos que adoram vinhos franceses, italianos, ou espanhóis, vinhos que também prezam a Cultura e a Tradição de seus antepassados.
Peço licença aos que adoram vinhos do Novo Mundo, mas os vinhos portugueses, especialmente os do Douro e, em particular, os vinhos do Porto como foram aqui, apresentados em painel, me fazem re-estudar tudo que sei sobre vinhos....
Começamos pelo conceito nebuloso de Terroir.
Seriam os vinhos do Porto, vinhos de Terroir ou vinhos de marca, a marca Porto?
Pelo que aprendi dos franceses que inventaram o conceito de Terroir:
Le Terroir, c’est l’ensemble dês elements naturels qui caractérisent um vignoble: nature du sol, son exposition, le micro-climat, la nature dusous-sol, etc.
La clef d’um terroir, c’est son bilance hydrique, généralement déficitaire ou faiblement positif.
Le type de sol semble induire des caractéristiques: Les sols silicieux favorisent la finesse, lês notes subtiles et florales: L’argile donne des vins plus ‘durs’, plus fermes, puisantts et alcoolisés, des polyphénols aromatiques; Les calcaires induit la rondeur, la souplesse, des notes minerales, florales et fruitées.
Il faut aussi une bonne adéquation entre le terroir et le cépage: ex. Le Gamay donne des résultats décevant en Cõte d’Or, et de remarquables réussites sur les shistes du Beuajolais. Morgon et sés “roches pourries” (shistes fortement dégradés) produit un vin corsé, ferme avec un nez typique de kirsch… Le même Gamay sur lês granites de Chiroubles est floral et délicat...
La viticulture de nouveau monde privilégie le cepage et la technologie.
La vielle Europe s’appuie sur une viticulture de terroirs: a quelques mètres de distance, Le Pinot Noir de Bourgogne peut produire ici um vin ordinaire et là um vin sublime ....
Le Terroir est parfois tyrannique: les viticulteurs de la Valle du Douro prétendent qu’avec n’import quel cépage, ils feraient du Porto: Le Sol dicte sa loi!
É isso aí, o Porto é um vinho de Marca porque o Porto além de ter sido o primeiro vinho do mundo a ser engarrafado em 1708, foi a primeira região deMARCAda em 1756 pelo Marquês de Pombal, e literalmente construiu sua marca através dos séculos, esculpindo a rocha para permitir que a videira pudesse ser plantada em socalcos, degraus e patamares, terraços ou seja, qualquer vinho produzido dentro daqueles limites, elaborado com qualquer casta de uva poderia usar a Marca: Vinho do Porto. E apenas como curiosidade, foi também o primeiro vinho do mundo a usar rótulos em garrafas, claro para dizer que era Porto, em linguagem atual, para divulgar sua marca.
Agora, claro que para classificar a tamanha variedade e estilos de vinhos que daí pudesse advir, Álvaro Moreira da Fonseca em 1940, quando o mundo estava em guerra classificou cada pedacinho de terra , (cerca de 140000) onde se plantavam uvas, de acordo com um sistema de pontos, uma metodologia merecedora de um Oscar... (Esse cara, foi o Oscar Daudt da época...)
Considerou ele doze parâmetros, verdadeiras variáveis físicas, que parametrizaran, que quantificaram cada vinhedo, cada terroir, algo que os franceses nunca fizeram igual com tamanha profundidade em qualquer de suas regiões vitiviníferas, com uma leve exceção da Champagne...
Tais parâmetros em ordem de importância são:
1. Altitude: notas que variam de 240 pontos positivos para vinhedos situados acima de 150 metros até 900 pontos negativos para vinhedos acima de 650. Combinando este com o parâmetro a seguir, efetivamente a produção de vinho do Porto é estimulada a fugir dos pontos mais altos e portanto mais frios das margens da região demarcada...
2. Localidade: Pontos que refletem as diferenças meso-climáticas das cinco secções desta região demarcada do Porto:
Secção 1: das altas povoações do Baixo Corgo ao norte de Régua com os climas mais frios: de Zero a 60 pontos positivos.Secção 2: de Barqueiros ao rio Corgo e de Barro ao rio Vilar em Fontelas: de menos 50 a mais 250 pontos (27 sub-setores).Secção 3: da boca do rio Corgo ao rio Ceira perto de Gouvinhas e do rio Vilar ao rio Tedo, parte sul: de menos 50 a mais 460 pontos (18 sub-setores)Secção 4: do coração do Cima Corgo e parte do Douro Superior estendendo pelos vales dos rios Ceira e Tedo no oeste até o vale do rio Saião no leste perto de Pocinhos, incorporando os vales dos rios Tavora, Torto, Caedo, Pinhão e Tua: de menos 50 a mais 600 pontos (38 sub-setores)Secção 5: de Saião até Barca d’Alva na fronteira com Espanha: de 140 a 400 pontos positivos (15 sub-setores)
3. Produtividade (yield): Baseia-se no princípio que vinhedos mais produtivos produzem vinhos mais pobres: um máximo de 120 pontos tem sido atribuído a vinhedos produzindo 600 litros por 1000 videiras, e um mínimo de 900 pontos negativos para vinhedos produzindo 1800 litros por 1000 plantas. Hoje com a mecanização, o máximo por hectare é de 55 hectolitros, e nesse caso os vinhedos recebem os 120 pontos.
4. Tipo de solo:Um máximo de 100 pontos para solos de xisto, menos 100 para solos descritos como de transição, menos 250 para solos graníticos e menos 400 para solos de aluvião. Estes últimos solos de aluvião são raros, visto que todo vale foi inundado em 1970, são encontrados apenas ao longo do rio Vilariça no Douro Superior.
5. Condução da videira: Considerando que videiras conduzidas perto do solo, ou seja não muito altas, produzem fruta mais madura, as videiras conduzidas até 80 centímetros ganham neste caso 100 pontos. Não existe condução em pérgula na produção do vinho do Porto.
6. Variedade das uvas utilizadas.: As inúmeras variedades das uvas nativas e existentes no Douro foram originalmente classificadas por Álvaro Moreira da Fonseca em cinco níveis:
muito boas: 150 pontosboas: 75 pontosregular: zero pontosmedíocres: menos 150 pontosruins: menos 300 pontos.
Hoje em dia as variedades de uvas que entram na elaboração do vinho do Porto são classificadas apenas como recomendadas ou como autorizadas. Muitas das variedades classificadas antigamente como de qualidade menor foram eliminadas desde o movimento de replantio de 1970. Alguns viticultores no sul do Brasil ainda não entenderam que devem reconverter seus vinhedos. Interessante observar que o vinho do Porto é um vinho de assemblagem, ou melhor de corte e diferentemente dos franceses a assemblagem em Portugal pode ser feita a qualquer momento, ou seja desde o plantio, na colheita e não apenas depois da vinificação de cada casta...
7. Ângulo de inclinação (Slope): O poeta Virgílio escreveu “Bacchus amat colles”, e é certamente verdade, pois os melhores vinhedos são encontrados nos solos inclinados, bem regados. Quando o solo é plano o vinhedo ganha 1 ponto, e pode chegar a ganhar 101 pontos se a inclinação for superior a 35 graus.
8. Aspecto e Exposição: O ângulo no qual o sol incide sobre o solo e a duração deste banho solar é particularmente importante durante o período de maturação. Por essa razão a pontuação varia de menos 40 para uma propriedade face norte na secção 1 acima até 100 pontos positivos para uma propriedade inclinada face sul da secção 4 acima.(item 2)
9. Textura do solo: Solos com pedras permitem às águas de chuva penetrar e junto com o xisto, ambos refletem a luz solar e agem como uma reserva de calor. Por isso, modificam o micro-clima embaixo da videira e solos com pedras ganham 8 pontos, se não tiverem pedras, não ganham nada.
10. Idade das videiras: Videiras mais antigas geralmente produzem menos, mas produzem vinhos mais concentrados. Por esta razão videiras entre 4 e 25 anos de idade ganham 30 pontos e as mais antigas ganham 60 pontos.
11. Proteção dos vinhedos: Os estreitos tributários do rio Douro são mais protegidos e portanto mais quentes que os expostos planaltos ao Norte e ao Sul do mesmo rio. Como conseqüência os locais mais protegidos ganham até 60 pontos e os mais expostos não ganham nada.
12. Densidade das videiras: Densidades elevadas geralmente reduzem o vigor de cada vinha e na teoria cada planta rendendo menos produz uvas de melhor qualidade; no passado densidades acima de 5700 vinhas por hectares eram penalizadas, enquanto densidades entre 4000 e 5700 vinhas por hectare ganhavam 50 pontos. Hoje em dia, todos os vinhedos com densidade acima do mínimo legal de 3000 vinhas por hectare recebem os 50 pontos.
Depois de considerar cada quesito acima, a máxima pontuação a ser atribuída a um dado vinhedo é 2031 pontos e a mínima pontuação (um dado apenas teórico) é de menos 3129 pontos.
Chega-se então a classificação dos vinhedos em 6 níveis:
Classe A: acima de 1200 pontosClasse B: entre 1001 e 1200 pontosClasse C: entre 801 e 1000 pontosClasse D: entre 601 e 800 pontosClasse E: entre 401 e 600 pontosClasse F: entre 201 e 400 pontos
Uma análise, agora geográfica, mostra que os vinhedos classe A se situam no interior profundo do vale do rio Douro e de seus tributários, ria acima desde Covelinhas; as propriedades classificadas como B encontradas em altitudes levemente mais altas. A maioria das propriedades classificadas como C estão situadas em volta da cidade de Régua ou em terras mais altas ao norte e ao sul do rio Douro. Os vinhedos classificados como D, E, F na parte mais oeste, rio abaixo desde a cidade de Régua ou nos planaltos em torno das cidades Vila Real, Murça, Meda e Lamego.
Este sistema de classificação não é apenas como nos demais países europeus que se utilizam de sistemas de similares de Appélation d’Origine Controlé, AOC e similares, DOC, DOCG, DOCa, etc. um sistema estático. Não, não, este sistema serve como base para a distribuição do Benefício, ou seja a autorização emitida hoje pelo IVDP, o chamado comunicado da vindima distribuído no começo de Agosto e que regula a quantidade de vinho do Porto que poderá ser produzida no próximo ano.
Compete aos viticultores se prepararem para produzirem vinhos do porto ano a ano de melhor qualidade extraindo o máximo que esta terrinha lhe dá. Ora pois pois, nesta altura o vinho do Porto pode ser também considerado um vinho de Terroir, que melhora a cada ano; pois compete aos enólogos terem que declarar ano a ano se querem produzir vinhos que amadureçam em cascos ou em garrafas; vinhos claros ou escuros; daí surgindo os vários estilos de vinho do Porto.
Porto, um exemplo a ser seguido pelos viticultores de Bordeaux!
Não é a toa que o Xisto, uma associação franco-portuguesa foi para mim o vinho da noite e minha recomendação para comprar de caixa, visto que a garrafa custa para o consumidor final apenas R$ 300,00, muito menos que qualquer Chateau Linch-Bages. |
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