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  • Ele não é dado a meias palavras e não deixa perguntas sem resposta. Doa a quem doer. O mais renomado flying winemaker do mundo - enólogo que dá consultoria a várias vinícolas em diferentes países -, o francês Michel Rolland esteve, no final de semana passado, em Bento Gonçalves, para o lançamento dos vinhos da Miolo Winer Group - que integra entre outras a Lovara e a RAR (de Raul Randon). Com a autoridade de quem assessora 100 vinícolas, número que sobe para 250 quando contabiliza o trabalho feito por seus 10 assistentes, avaliou o vinho brasileiro - fez críticas e teceu poucos elogios - e até arriscou algumas previsões de mercado.

    É atribuído a Rolland, aos 61 anos, o poder de transformar um vinho em sucesso. Um Midas, diriam os fãs da arte do enólogo francês, que se dá ao luxo de recusar consultorias. As viagens o obrigam a passar metade do ano longe de casa. Como no último dia 4, quando nasceram os netos gêmeos Arthur e Theo, alegria que apenas pode brindar em meio a lançamentos de produtos que levam sua assinatura. Mas Michel estava feliz com a evolução dos vinhos, uma de suas paixões. Sua invejável adega, a que deu início há 30 anos, reúne mais 15 mil rótulos, sem contar os que o colecionador compra para beber. A paixão dos vinhos é dividida apenas com relógios. Rolland é exato ao afirmar que tem 28, mas faz questão de ressaltar que todos de qualidade.
    Bete Duarte Michel Rolland
    Há cinco anos, o sr. disse que o vinho brasileiro era inexpressivo e que o país precisava melhorar muito para alcançar destaque no mercado internacional, o que causou um mal-estar entre os vinicultores nacionais. O sr. continua com a mesma opinião? Sinto muito por eles, mas continuo. Acredito que o Brasil tem condições de ter bons vinhos, mas não pode continuar elaborando vinhos de baixa qualidade. Além disso, o vinho brasileiro não tem expressividade no mercado mundial. Isso leva muitos anos para se alcançar. O Brasil tem muita sorte de ter mercado doméstico muito bom e grande. Mas, em nível internacional, o Brasil não existe como produtor de vinhos, apesar de ter alguns vinhos bons. Isto porque leva muito tempo para que as pessoas considerem os vinhos de um país bons. Precisa tempo. Precisa que as pessoas conheçam, bebam e aprovem.
    Qual foi a sua primeira impressão a respeito do vinho nacional? E ela mudou? Meu primeiro contato com o vinho brasileiro foi no Rio de Janeiro, em 1982, quando vim passar um Carnaval. E não tenho boas recordações. Não lembro que vinho era. Tomei uma vez, e não tomaria outra. Atualmente, acho que isso mudou sim. Quem tomar uma garrafa de uma boa vinícola certamente tomará outra. O que não faria há 15 anos.
    Então, por que a imagem do vinho brasileiro, na sua opinião, continua a mesma? Porque são necessários cerca de 10 anos para formar uma imagem de um vinho. Um exemplo disso é a Argentina, que levou cinco anos para conseguir ser visto como um país produtor de bons vinhos. O mesmo aconteceu com a Austrália, que conseguiu fama nos anos 90, mas estava trabalhando há 20 anos por esse reconhecimento.
    O sr. considera os prêmios internacionais importantes? Mal não fazem. Mas não suficientes, até porque os que ganham medalhas estão concorrendo com as amostras que foram inscritas naquele prêmio, mas não com todos os vinhos do mercado. É preciso muito mais coisa para avaliar a qualidade de um vinho. Mas as medalhas sempre ajudam.
    O que o sr. acha dos vinhos de butique, vendidos quase como jóias? Existem vários níveis de mercado. O mercado global importa milhões de garrafas. Mas há sempre um mercado restrito, com poucos consumidores, que buscam esses vinhos mais elaborados. É fácil produzir bons vinhos, o mais complicado é conseguir vender. O Brasil tem que conquistar o mercado externo, mas há muita concorrência. É preciso conhecer bem os concorrentes e o gosto dos consumidores.
    Na sua opinião, qual a melhor região produtora de vinhos brasileiros? Considero o Vale dos Vinhedos como a de maior potencial. O Vale do São Francisco, no Nordeste, é mais um negócio. De lá, não se pode esperar vinhos espetaculares. Vacaria tem bons solo e clima. Lá, podem ser produzidos bons Chardonnay, Pinot Noir e Merlot, mas não Cabernet Sauvignon. O vinhedo de Raul Radon, que produz o RAR, é o mais bonito do Brasil hoje.

    Na região da Campanha, os vinhedos são jovens. A Touriga Nacional e as variedades portuguesas resultam em bons vinhos, de personalidade. Mas o Vale dos Vinhedos tem mais história e expressão, o clima e solo são adequados. O Merlot que elaborados no Vale foi muito bem trabalhado. Selecionamos as uvas com todo o cuidado. Acredito que seja um dos melhores que elaboramos.
    Na sua opinião qual o melhor tipo de vinho do mundo? Não se impõe um tipo de vinho. É o gosto pessoal que vai fazer decidir. Mas o mais exitoso, na minha opinião, é o Malbec argentino. Só não sei até quando. Porque, por exemplo, a Austrália, que fez muito sucesso com o Shiraz, está enfrentando problemas, principalmente porque os Estados Unidos trancaram o consumo desse vinho. Na África do Sul, o Cabernet Franc está crescendo, mas falta expressão.
    E o sucesso do Cabernet Sauvignon, preferido pelo menos no Brasil? O Cabernet Sauvignon é o mais famoso, o mais vendido em todo o mundo. Porém, é consumido por gente que não está muito preocupada com qualidade. No Brasil, o Cabernet Sauvignon não é de melhor qualidade. É o mais fácil de fazer, o mais resistente. É muito fácil fazer um vinho correto. Mas o Merlot tem mais potencial. Elaborar Merlot no Brasil sim tem futuro.
    Existe uma nova região no mundo que seja promessa para o futuro? A região promissora fica ao redor do Mar Negro. É a Bulgária, a Romênia, a Rússia. Lá, os solos são muito bons.
    Como o sr. vê o Sesmarias, vinho da Fortaleza do Seival, em Candiota, lançado hoje? Esse vinho vai ser o ícone do Seival. É a primeira experiência do Brasil de fermentação integral em barricas. As barricas são giradas todos os dias. As uvas foram selecionadas, com uma produção de menos de 1kg por planta. De 10 vinhos varietais produzidos na propriedade, seis são escolhidos para compor o corte do Sesmarias. A ideia é que a cada ano tanto os vinhos quanto as suas proporções sejam diferentes, para atingir o que houver de melhor.

    Esse vinho ainda não tem preço, mas ele surgiu a partir da ideia de Top 100, um vinho com preço próximo aos 100 dólares. Para falar de um bom vinho, é preciso falar de um que envelheça bem. Serão 4.400 garrafas, mas o vinho ainda deve ficar uns cinco meses em barricas. O recomendado é que seja tomado daqui a 5 anos ou mais. Ele deve durar uns 10 anos. Acredito que daqui a 4 ou 5 anos, esse Sesmarias será o melhor vinho do Brasil.
    Comentários
    Augusto Lefèvre
    Rio de Janeiro
    RJ
    18/07/2009 Concordo com o Michel Rolland. O ufanismo de alguns distorce a percepção geral. Os vinhos brasileiros ainda precisam melhorar muito.

    Parabéns à EnoEventos pelo furo!
    Fernando Miranda
    Ex-presidente ABS-Rio
    Rio de Janeiro
    RJ
    18/07/2009 As opiniões de Roland são muito bem embasadas, principalmente por ele viajar tanto à trabalho com vinhos (e provando!) ao redor do mundo.

    Certamente os gaúchos não ficarão muito à vontade com as opiniões dele. Penso que é fustigando, discordando e apontando o que está errado é que os produtores se movem para melhorar a qualidade. O fusquinha só deixou de ser produzido quando a concorrência apresentou carro melhor com preço equivalente.
    Errico Ernesto Rosa
    Comprador independente
    Rio de Janeiro
    RJ
    18/07/2009 Pode-se não gostar do tipo de vinho que Michel Rolland faz. Mas que é um grande profissional e de extrema competência, nem o Nossiter será capaz de negar.
    José Paulo Schiffini
    Enófilo da velha guarda
    Rio de Janeiro
    RJ
    19/07/2009 Caros amigos,

    Respeito a opinião do Fernando Miranda quanto ao comentário do Sr. Michel Rolland sobre a qualidade dos vinhos gauchos em geral, que de fato nós precisamos melhorar a qualidade e nesse ponto a consultoria que a Miolo contratou ajudou e a maioria dos top 10 produtores nacionais já evoluiram; mas eu pessoalmente tenho conversado com muitos enólogos de vinícolas que contrataram os serviços do Sr. Rolando Lero, como ele é conhecido nas rodas de Brasília e de celebridades do vinho na própria França, e na Europa em geral e hoje tenho minha opinião formada sobre ele:

    1) Ele é apenas um bom misturador (bom farejador e fazedor de assemblagens). De longe, pior que meus favoritos: Paulo Laureano, Luiz Pato, Anselmo Mendes, etc. para citar apenas tres, apenas de Portugal.

    2) Limitado na sua própria França, pois nunca assessorou ninguém na Borgonha e acho que em muitas outras regiões francesas: Provence, acho que tambèm no Languedoc - Roussillion.

    3) Aproveitou os estudos de Emile Peynaud dos anos 1980 e saiu por aí, ensinando e apreendendo "on the job" pagavam consultoria e ele ia aprendendo o que não sabia; enfim ensinando quem tinha apenas um olho...

    4) Demorou 15 anos para entender um pouco dos solos e do clima do RGS, nem mencionaou os demais solos onde elaboramos bons vinhos...

    5) Desinformado, pois se assustou que ao saber que produziremos ICE Wine... notícia que deu até na revista Decanter e ele continua a nos "enxergar" como um país tropical apenas....

    Mas você leitor dos foruns no Brasil, há dez anos, leitor dos enoeventos, dos enoblogs, há muito tempo tem muito mais que um olho, você já é rei, e num país como o nosso democratico, cheio de contradições e oportunidades, com um mercado enorme a ser desenvolvido, com certeza ninguem contratará novamente o Sr. Rolando Lero.

    Au revoir! Au revoir!
    Schiffini
    Fátima Mendonça
    Advogada / Winemaker
    Salvador
    BA
    19/07/2009 Além da inegável competência e talento do entrevistado, há que se registrar a sua paciência e simpatia admiráveis.

    E nós Winemaker´s tivemos a grande honra de tê-lo no comando do corte do nosso vinho!!!!
    Roseny Fernandes Júlio
    Empresária
    Bento Gonçalves
    RS
    19/07/2009 Sr. Paulo Schiffini, nunca ninguém retratou tão bem o meu pensamento, a respeito de um determinado assunto, como o sr. fez nesse fórum.

    Grande abraço.
    Fátima Mendonça
    Advogada / Winemaker
    Salvador
    BA
    19/07/2009 Vejam a entrevista, na íntegra, feita com o enólogo Michel Rolland, na mesma ocasião (almoço na Osteria Mamma Miolo) pelo enoblologueiro e repórter Maurício Roloff clicando aqui.
    Roberto Cheferrino
    Rio de Janeiro
    RJ
    19/07/2009
    Bruno Batista
    Enófilo consciente
    Rio de Janeiro
    RJ
    19/07/2009 Schiffini,

    Me perdoe mas acho que você perdeu o bonde da história e da modernidade. Não só Michel Rolland continuará contratado (pode não arrumar outro cliente no Brasil pela exclusividade dos Miolos) como ficará na história como o homem que alterou o futuro do vinho brasileiro de simplesmente "vinho brasileiro" para "vinho brasileiro de excelente qualidade".

    P.S. Não gosto dos vinhos de Michel Rolland, mas sei reconhecer uma tendência "mainstream" vencedora. Para mim é até benefício: vou pagar mais barato pelos vinhos que gosto.

    Não me leve a mal mas vinho é coisa muito pessoal. O sucesso comercial não somos nós, apreciadores/conhecedores, que fazemos, mas a massa dos bebedores de vinho. E Michel Rolland sem dúvida agrada a eles como ninguém.

    Bienvenue! Bienvenue!

    Bruno Batista
    Enófilo da ultra-velha guarda
    (Do vinho como complemento de refeição)
    Rafael Mauaccad
    Enófilo
    São Paulo
    SP
    19/07/2009 Cara Bete,

    Faço uma análise desta entrevista de Michel Rolland sob o ponto de vista concorrencial entre dois grandes grupos empresariais: o Miolo e o Clos de los Siete.

    Michel Rolland está buscando uma situacão aceitável para sua saída honrosa da consultoria ao grupo Miolo. Ele ajudou a moldar um grande concorrente seu no mercado internacional, acredito que subestimou o potencial empresarial do grupo Miolo.

    Quando cita que a região promissora vitivinícola agora situa-se ao redor do Mar Negro-Bulgária, Romênia e Rússia, é só para desviar a atencão do Brasil. Como dizia o economista Roberto Campos: "Não adianta ter o potencial, sem ter os recursos para poder explorá-lo e desenvolvê-lo". O Brasil está anos-luz a frente dos países do Leste-Europeu em capacitacão de mão de obra, finanças e tecnologia.

    Quando questionado: "qual o melhor vinho do mundo?" responde: "mas o mais exitoso é o malbec argentino", veja: Clos de los Siete é o projeto liderado por Michel Rolland em conjunto com sete empresários vitivinicultores bordaleses para desenvolver um empreendimento conjunto nos vinhedos de Mendoza. Rolland e os demais compraram a propriedade de 850ha em Tunuyan, a 90km ao sul de Mendoza em 1998,e estão investindo US$50 milhões nos vinhedos. Serão 7 vinícolas, a primeira: Bodega Monteviejo foi inaugurada recentemente, e produz o vinho Clos de los Siete.

    Michel Rolland está envolvido até a alma neste emprendimento, tem por obrigacão junto a seus sócios de concluí-lo, de privilegiar o vinho argentino, de produzir, de criar imagem internacional, de vender e de gerar resultados.

    A sua contribuicão ao grupo Miolo está esgotada. Cada qual deverá seguir seu caminho. O Sol nasce para todos!!

    Abraco,
    Rafael
    Eduardo Amaral
    Enófilo
    Rio de Janeiro
    RJ
    21/07/2009 Caro Schiffini,

    Essa não tem como deixar passar. Negar o que esse senhor conseguiu no mundo inteiro é tão inócuo como dizer que nosso icewine virá a ser algo relevante. Sem me alongar muito, vamos a algumas das suas observações:

    "Limitado na sua própria França, pois nunca assessorou ninguém na Borgonha...."
    Pode ser desconhecimento meu, mas não lembro de nomes relevantes oriundos de Bordeaux que tenham feito sucesso na Borgonha. Aliás, vc bem conhece a França, o povo francês e seu regionalismo. Cada região leva suas AOCs na pele. Contratar um bordalês para ensinar algo sobre Pinot Noir ou Chardonnay naquela curta rota mágica de grand crus é impensável. Acho que até em regiões menos famosas enologicamente, a existência de um enólogo visitante é bastante incomum.

    "Aproveitou os estudos de Emile Peynaud dos anos 1980 e saiu por aí, ensinando e apreendendo "on the job" pagavam consultoria e ele ia aprendendo o que não sabia"
    Puxa. O mundo é dos bobos. Todos eles ludibriados pelo diabólico Rolland. Por favor, menos. Catena, Lapostole, Antinori, Harlan Estate, Staglin e muitos outros colocaram os pés pelas mãos?! Ou foi puro marketing? Cada um com a sua verdade.

    "Demorou 15 anos para entender um pouco dos solos e do clima do RGS..."
    Se me permitir usar uma analogia: certa vez tive o prazer de participar das aulas de um PhD brasileiro que foi orientado e trabalhou posteriormente com Michael Porter. Ele nos descreveu inúmeros projetos interessantíssimos em que a consultoria de Porter era contratada para dar solução. Grandes sucessos, alguns com soluções mais simples do que imaginaria. Ao perguntar o papel do Porter no dia a dia, a resposta foi definitiva. Ele ouvia um resumo de 3 a 5 min sobre cada projeto, formulava umas 5 perguntas e completava com 3 sugestões. Esse direcionamento era usualmente todo o necessário e suficiente para dar andamento bem sucedido ao projeto.

    "Desinformado, pois se assustou que ao saber que produziremos ICE Wine..."
    Até que se prove o contrário, conhecimento irrelevante. Serão grandes vinhos, como alguns canadenses, alemães e austríacos? Daqui a uma década saberemos.

    Os vinhos com a mão do Rolland falam por si. Prove um Le Bon Pasteur de boa safra. Ou um Fontenil, de uma denominação pouco cultuada. Ou o Cuvee 1, safra 2005, do projeto Winemakers' Collection.

    Eu estou seguro que se ao menos uma única coisa boa Michel Rolland fez para o vinho brasileiro foi mexer com os brios de alguns que andavam murchos e congelados pelo marasmo. A saber se a Miolo por si só talvez não viesse a conseguir isso, mas a parceria com Rolland aflorou mais rapidamente esse tendência de reinvenção e eno-melhoramento nacional.

    Finalizando, Clos de los Siete e Monteviejo são vinhos excelentes. Espero que cheguemos lá em breve. Parece que chegaremos...

    Att,
    Eduardo Amaral
    Fabio Lins
    Administrador
    Niterói
    RJ
    21/07/2009 ... e quando o Sr. Michel diz que nossos vinhos não tem potencial mercadológico no exterior, me parece que ele se esqueceu dos grandes avanços na produção de espumantes.

    E se ele fosse tão bom assim, melhoraria a competitividade dos espumantes da Miolo no mercado (que há bastante tempo vêm apanhando da Salton).

    Abraços
    Fabio Lins
    Antonio Carlos Ferreira
    Rio de Janeiro
    RJ
    22/07/2009 Sem dúvida uma entrevista bem conduzida.

    O melhor entretanto é se deliciar dos comentários colocados pelos participantes, fato merecedor de aplausos pela maneira altamente elegante com que as discordâncias são colocadas.

    Por essas e outras o EnoEventos "bomba".
    EnoEventos - Oscar Daudt - (21)9636-8643 - [email protected]