 O futuro dos vinhos
Recentemente, Didu Russo publicou uma matéria sobre vinhos biodinâmicos no EnoEventos (clique aqui para recordar), que despertou muita polêmica: alguns leitores teciam loas a esses procedimentos esotéricos, enquanto que outros simplesmente taxavam o assunto como feitiçaria. Eu estou mais inclinado para o segundo grupo.
Mas uma coisa são as práticas biodinâmicas - que mais me parecem uma astrologia vinícola - e outra coisa é a agricultura orgânica, muito embora boa parte dos consumidores ainda faça uma certa confusão, jogando as duas no mesmo saco.
Eu com certeza não sou um consumidor bixo-grilo, mas sou um entusiasta da agricultura orgânica, por acreditar que dispensar o uso de pesticidas e fertilizantes químicos faz com que a uva nos ofereça maior pureza em seus sabores e possa melhor refletir as características da terra onde foi plantada. Além de não envenenar meu fígado!
O almoço oferecido pela Importadora Mistral para apresentar os novos vinhos da Viña Nativa, dedicada à produção exclusiva de vinhos orgânicos, foi uma tremenda oportunidade de experimentar os resultados dessa agricultura natural. A Nativa foi a primeira vinícola sul-americana certificada como orgânica e é uma subsidiária de nossa muito conhecida Viña Carmen.
O enólogo-chefe, o jovem Felipe Ramirez, estava presente e nos explicou as técnicas empregadas pela Nativa, como o combate biológico às pragas. Bem interessante também foi saber que o corte das ervas daninhas que crescem em torno das vinhas é realizado por gansos, mas isso somente até o desenvolvimento dos cachos. A partir daí, os gansos são retirados - visto que comem as uvas - e o corte passa a ser feito por trabalhadores, o que encarece o processo de cultivo. A agricultura orgânica é mais cara, é certo, mas eu vaticino - do alto de meus muitos anos de ingestão de pesticidas e outros agentes cancerígneos - que, a longo prazo, com a conscientização dos consumidores, todos os vinhos - e a agricultura em geral - serão naturais.
Provamos 5 vinhos: 4 eram da linha Nativa Terra Reserva - Sauvignon Blanc, Gewürztraminer, Carmenère e Cabernet Sauvignon - e 1 da linha Nativa Gran Reserva, outro Cabernet Sauvignon. O que de imediato me chamou a atenção foi a ausência do caráter vegetal dos Sauvignon Blanc, Carmenère e Cabernet Sauvignon, tão comuns nos vinhos chilenos dessa mesma faixa de preço. Seria resultado das práticas orgânicas ou de bons métodos de vinificação? Acho que nunca saberemos!
O Nativa Terra Reserva Sauvignon Blanc 2009 era exuberantemente aromático, com muito pêssego e manga, mas um pouco carente de acidez no paladar. Gostei mais de seu irmão de passaporte alsaciano, o Nativa Terra Reserva Gewürztraminer 2008, uma uva pouco comum no Chile, mas que nos proporcionou um vinho extremamente perfumado, com frutas brancas maduras, rosas e especiarias se destacando no nariz e uma boca de boa intensidade e agradável acidez.
Saltando para os tintos, o Nativa Terra Reserva Carmenère 2008 - novinho, novinho... - proporcionou agradáveis sensações e foi o vinho preferido do sommelier João Souza, do Terzetto. Com aromas florais e de compota, tinha uma boca cheia de especiarias e demorada. Mas, para mim, ele não foi nem páreo para o delicioso Nativa Terra Reserva Cabernet Sauvignon 2007, com delicados aromas de baunilha, ameixas pretas e tabaco, e uma boca suculenta e com taninos muito suaves, próprios de um grande vinho, mas por um precinho assim, ó... Na minha opinião, foi o rei do almoço e, significativamente, o primeiro a sumir de minha taça. Felizmente, tínhamos direito a refill. Esse vinho chamou prá briga até seu irmão mais velho, o Nativa Gran Reserva Cabernet Sauvignon 2006, que custa quase o dobro do que ele e repousa de 12-18 meses em barricas 100% francesas. O Gran Reserva recendia a chocolate com menta e o enólogo, elegantemente, definiu como aromas de After Eight. Mas teve gente que, no embalo, preferiu descrevê-los como chocolate de motel, chegando ao requinte de especificar o estabelecimento: o Panda.
Para concluir, passo uma informação sigilenta e reservosa, não alardeada pela Viña Nativa, de que esses vinhos, além de orgânicos, são também biodinâmicos, eis que o enólogo teve sua experiência profissional adquirida em vinhedos da Alsácia que adotam essas práticas. Ele me contou que costuma enterrar chifres de vaca, recheados com esterco, para equilibrar a terra. E, entusiasmado, explicou que apenas os chifres das fêmeas podem ser utilizados, relatando que uma experiência por ele realizada com chifres de boi resultou na contaminação da terra com várias pragas! Acredite se quiser!
Oscar Daudt |