 Uma tarde nas touradas
O almoço de apresentação dos vinhos da Bodega Arzuaga Navarro, de Ribera del Duero, foi uma taça cheia para aqueles que apreciam o estilo parkerizado dos vinhos, dentre os quais me incluo como membro de carteirinha. E eu uso esse polêmico termo, que tantas paixões desperta, no que ele tem de melhor.
O que são vinhos parkerizados, afinal? A receita de Robert Parker recomenda uvas o mais maduras possível, poda radical para atingir uma grande concentração da fruta, vinhos não filtrados, uso de carvalho francês novo e micro-oxigenação para amaciar os taninos. Quem pode ser contra isso? Bem, os críticos dizem que os vinhos resultantes são exageradamente alcoólicos, com excesso de madeira e, principalmente, globalizados, uniformes, tudo igual... Parker se defende afirmando que ao se concentrar a fruta, ficam muito mais evidentes as características das diversas castas utilizadas. E até mesmo do terroir. É certo que, por vezes, o teor alcoólico extrapola e a madeira fica muito marcada, predominando sobre a fruta. Mas vamos combinar que isso não é a "receita" do Parker (e de seu alter-ego, o consultor Michel Rolland). É apenas um acidente de percurso!
O bom exemplo de uma correta parkerização foi o que apresentou o produtor Ignacio Arzuaga Navarro no almoço oferecido pela Importadora Decanter, no 66 Bistrô. A Bodega Arzuaga Navarro fica localizada no que se convencionou chamar de Milla de Oro, faixa de terra que costeia o Duero, de Tudela de Duero até Peñafiel, e é o endereço de nomes venerados, tais como a Vega Sicilia, a Pingus, a Abadia Retuerta, a Alión e a Mauro. Claro que uma vizinhança assim tem seu preço, e eu quase caí da cadeira ao constatar que os 6 vinhos degustados custavam, ao consumidor final, desde 80 reais (o vinho de entrada) até apavorantes 985 reais para o topo de linha, o Gran Arzuaga 2004 (que não estava na degustação).
Mas, sejamos justos, o tal do vinho de entrada, o La Planta Ribera del Duero 2008, de entrada não tinha nada, e se situaria em posição de prestígio entre os tops de muita gente boa. Elaborado com 100% Tempranillo, era elegante e bem integrado e fez o consultor Paulo Nicolay, a meu lado, exclamar: "Caramba! Começamos bem!.
E à medida em que o preço escalava, a qualidade ia aumentando na mesma velocidade. O segundo vinho, o Arzuaga Crianza 2006, um Tempranillo com um pouquinho de Cabernet e Merlot, tinha bastante fruta - conforme o mestre preconiza - muita concentração e a delicadeza de flores e baunilha no nariz, com boca macia e cheia de especiarias.
Sempre num crescendo, chegou o Arzuaga Reserva 2005, mais uma vez Tempranillo com um tiquinho de Cabernet e Merlot, com muita ameixa preta e flores no olfato, grande complexidade e muito carnudo. E em seguida, o eficiente serviço do sommelier Alexsandro de Oliveira encheu nossas taças com o Arzuaga Reserva Especial 2004, um inusitado corte de Tempranillo com 5% de Blanca del País (uma casta branca, quase neutra, mas com muita glicerina que aporta grande maciez ao corte), e uma produção mínima de pouco mais de 9 mil garrafas. Denso, suculento e muito longo.
E o touro foi derrotado com a chegada Arzuaga Gran Reserva 2001, o mesmo corte ibérico-bordalês de Tempranillo com pouca Cabernet e Merlot. Era o máximo, com frutas maduras e tostados no nariz, e uma boca elegantemente equilibrada, mas raçuda, suculenta, prá cortar com faca! Tudo tão direitinho que levou louváveis 93 pontos do RP.
Depois desse vinho, não precisava mais nada, mas o produtor ainda nos ofereceu um vinho elaborado em La Mancha, a nova empreitada da vinícola, mas que interrompeu a sequência ascendente com que já estávamos acostumados. O Pago Florentino 2007, frutado e amadeirado, tinha 14,5% de álcool que não estavam bem resolvidos e marcavam muito a presença. Acho que deve ter sido a colher de chá que o Ignacio ofereceu para que os críticos de Parker tivessem o que falar.
Oscar Daudt |