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O Aconchego Carioca é uma unanimidade carioca. Decantado pelos críticos de gastronomia, prestigiado pelo público, venerado pelos apreciadores de cervejas especiais e visitado pelos grandes chefs, é uma referência tanto para os nativos quanto para os turistas que querem conhecer o "verdadeiro" espírito do Rio de Janeiro.
Eu já havia estado por lá em duas oportunidades. Em 2009, quando a casa ainda estava em seu endereço original (clique aqui para recordar) e ano passado, quando ela já havia atravessado a rua e se instalado em um confortável casarão. As duas vezes foram deliciosas experiências gastronômicas.
Esta semana, fui novamente visitá-lo e, para minha tristeza, a impressão que ficou é que, devido a seu grande sucesso, o bar fez a fama e deitou na cama...
Logo na chegada, o Aconchego já está antipático, pois os clientes encontram - pasmem! - uma corrente daquelas de INSS impedindo a entrada no salão. E pensam que há alguma recepcionista para lhe receber e liberar a corrente? Nada disso... Você fica encurralado em um chiqueirinho até que algum garçom decida prestar atenção e perguntar quantas pessoas são. Ouvindo a resposta, vocês acham que ele libera a entrada? Não... Ele se vai, prepara a mesa e só depois volta com sua alforria, retirando a corrente. Se a intenção era fazer o consumidor se sentir mal, essa é uma história de sucesso.
Os cardápios, tanto o de petiscos, quanto o de cervejas, são o próprio espelho da desorganização e do descuido, não acompanhando a evolução natural do negócio. A carta de cervejas, que originalmente era bem estruturada e listava tudo o que se necessitava saber, começou a ganhar novas páginas com as "novidades", esculhambadas e pouco informativas. E atualmente, o bar perdeu totalmente o pudor e as novas cervejas são informadas por dezenas de etiquetinhas adesivas espalhadas pela carta, sem o mínimo de informação necessária. Muitas vezes, você não sabe nem ao menos de qual país a bebida provém.
O pessoal do salão é claramente sub-dimensionado e conseguir ser atendido é quase uma loteria. Como resultado, o serviço é atrapalhado, descuidado, até mesmo agressivo, e passamos a noite toda, ou com cerveja e sem petiscos, ou com petiscos e sem cerveja.
O treinamento parece ter passado voando por ali. Logo na primeira pergunta que fizemos à garçonete, ela inocentemente nos preveniu: "Eu não sei nada sobre cervejas. Se você quiser alguma informação, peça aos outros garçons." Bem, se já era difícil conseguir a atenção da nossa própria atendente, o que dizer daqueles responsáveis pelas outras mesas? Quando a gente, finalmente, conseguia um contato visual, eles pediam "um minutinho" e nunca mais voltavam.
Descuidando de seu patrimônio |
O Bolinho de Feijoada, invenção da casa e propulsor da fama do Aconchego, justiça seja feita, foi quem desencadeou essa onda de alta gastronomia informal e criativa que nos últimos anos se dissemina pelos botecos e gastro-bares da cidade. O bolinho foi copiado por todos as casas que se dizem cariocas. Esse é o grande cartão de visitas do Aconchego e foi o nosso primeiro pedido. E também, nossa primeira decepção. Os bolinhos (R$20 a porção de 4) eram quentinhos e crocantes por fora, mas gelados por dentro! E vinham acompanhados por torresminhos frios e molengos, impossíveis de se comer. É muita falta de respeito com seu próprio patrimônio! A gente até fica se perguntando aonde eles querem chegar com esse descaso, agora que existe uma concorrência acirrada. O concurso Comida di Buteco, de O Globo, está aí para provar...
O segundo petisco me chamou a atenção por sua deliciosa descrição: Bolinhos de baroa com camarão (R$20 a porção de 6). No entanto, se degustados às cegas, dificilmente poderia se identificar de que eram feitos: os usualmente marcantes aromas e sabores da baroa simplesmente não existiam. E o recheio era um pequeno pedaço do crustáceo perdido no meio de um creme branco inidentificável. Talvez aquilo pretendesse ser Catupiry...
O terceiro petisco que pedimos, Pastel de fubá com creme de ervas (R$20 a porção de 6), era inócuo, sem graça e o gosto do fubá também era inexistente.
Louras geladas. E ruivas também... |
Como eu estava perdido com a carta de cervejas e a sede era grande, pedi logo que pude, a minha velha conhecida e deliciosa Erdinger Pikantus, figurinha carimbada em todos os bares de cervejas e facilmente encontrável nas prateleiras dos supermercados. Surpreendentemente, a atendente voltou com a notícia de que esse rótulo tão trivial estava em falta. Imperdoável...
Substituí o pedido pela carioca Mistura Clássica Amber (6% álcool, 600ml), uma cerveja de alta fermentação que foi a melhor da noite, com bastante corpo, muito colarinho e aromas de chocolate.
Depois de uma cerveja assim tão boa, a argentina OtroMundo Golden Ale (5,5% álcool, 500ml), leve e aguada, passou quase que desapercebida pelos nossos copos.
Uma cerveja que me chamou a atenção desde o momento em que lá cheguei, por seu nome e sua aparência descontraída, a Wells Banana Bread Beer (5,2% álcool, 500ml), tinha o preço assustador de 36 reais que ficava me tolhendo. Mas joguei tudo pro alto e pedi... Essa cerveja inglesa, fermentada com banana tinha aromas marcantes e enjoativos de doce dessa fruta, bem distante daquilo que eu aprecio em uma cerveja. Só consegui chegar até o fim para não desperdiçar o alto preço, mas se arrependimento matasse...
Por último, temendo novas e desagradáveis experiências, voltei para a sempre confiável Colorado Indica (7,5% álcool, 600ml), uma cerveja de Ribeirão Preto fermentada com rapadura, com muito corpo, colarinho cremoso, bastante amarga e belíssima cor avermelhada.
Oscar Daudt |
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