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A Hungria é um dos países com maior tradição vinícola do Velho Mundo. Entre os séculos XVII e XX, seus vinhos eram considerados os 3º melhores da Europa, atrás apenas da França e da Alemanha. Mas aí veio o domínio comunista, em 1949, as vinícolas privadas foram transformadas em cooperativas, a qualidade passou para o segundo plano e o que realmente importava era a quantidade. Foram 40 anos que varreram os vinhos húngaros do cenário internacional.
Com a queda do comunismo, algumas propriedades voltaram às mãos privadas, a Comunidade Europeia investiu pesado na indústria vinícola daquele país, mas não é assim que se apaga um estigma por tanto tempo arraigado. Os vinhos doces de Tokaji, entretanto, continuam gozando de grande prestígio internacional e são facilmente encontráveis nos catálogos de nossas importadoras de vinho. Os vinhos secos, porém, sejam brancos ou tintos, são ilustres desconhecidos em nosso mercado e praticamente indisponíveis por aqui.
Há, no entanto, em São Paulo, o Empório Húngaro que, como o nome explicita, é especializado nos produtos daquele país e conta com boa variedade de vinhos, secos e doces. Para mostrar aos leitores do EnoEventos o que a Hungria tem, decidi fazer uma matéria sobre eles. E como ninguém é de ferro, para unir o útil ao agradável, concentrei-me nos vinhos brancos secos - os que eu mais gosto - disponíveis no empório. E escolhi exatamente aqueles de menor preço, para apontar as barganhas que lá existem.
Há uma gigantesca barreira linguística que faz com que os vinhos húngaros sejam incompreensíveis para os consumidores ocidentais. O húngaro não faz parte da família de línguas indo-europeias e não se relaciona com nenhum outro idioma do Velho Continente. Ler um rótulo nessa desconhecida língua, apesar dos caracteres latinos, é quase tão complicado quanto tentar entender os hieróglifos egípcios. Diante de um vinho húngaro, não se consegue identificar qual é o produtor, qual é a região, qual é a casta. É um inferno!
E para piorar a situação, os produtores húngaros estão na pré-história da Internet. Muitos não têm site e os que têm são apenas na língua natal, o que é a mesma coisa do que não ter.

A Hungria possui 22 regiões vinícolas (clique no mapa à direita para vê-las em tamanho grande), todas elas com nomes de dar nó na língua. Dessas, 3 são consideradas as melhores para os vinhos brancos:
Tokaji: é a mais conhecida, internacionalmente, por seus vinhos doces, e é mais uma que usa o cognome "Rei dos Vinhos, Vinhos dos Reis". Mas é também berço de alguns excepcionais vinhos brancos secos, que utilizam principalmente as castas Furmint e Orémus;
Badacsony: uma região quase que exclusiva para vinhos brancos, usando as castas internacionais Chardonnay, Sauvignon Blanc, Pinot Gris e Welshriesling;
Somló: a menor do país, que produz um vinho branco envelhecido em madeira, com um toque de oxidação, que os húngaros consideram com um néctar dos deuses; as uvas são plantadas nas encostas de um vulcão extinto e o vinho é descrito como tendo "uma grande quantidade de ferro, acidez agradável, sabor amargo, aroma de morango e cor amarelo-esverdeada"; infelizmente, não havia nenhum exemplar dessa região no catálogo; as castas utilizadas são Hárslevelü, Furmint, Chardonnay e outras.
A Hungria possui uma bela diversidade de castas autóctones, algumas com nomes impronunciáveis. Afora as internacionais Chardonnay e Sauvignon Blanc, as castas brancas que consegui comprar para esta prova, são:
Furmint
Casta de altíssima qualidade que tem como característica a complexidade de aromas e sabores, a elegância, a longevidade e a marcante acidez. É particularmente sensível à botrytis e os vinhos doces com ela elaborados têm aromas de pêssegos e marzipan, e com o envelhecimento, tendem a exibir aromas de nozes, chocolate, tabaco e canela. Em vinhos secos aparecem toques minerais, casca de limão e peras. É a uva mais plantada na região de Tokaji.
Não há estudos conclusivos, mas acredita-se que seja originária mesmo da Hungria.
Kéknyelü
Diferentemente das demais castas cujo nome começa com "kek" (azul, em húngaro), esta é uma uva branca e a tradução de seu nome quer dizer "talo azul". De altíssima qualidade, era uma uva bastante disseminada em terras húngaras, mas com seu comportamento temperamental, a exigência de grandes cuidados e seu baixo rendimento, foi praticamente abandonada durante o regime comunista, que buscava a alta produção. Hoje em dia é quase que unicamente encontrada nas cercanias do Lago Balaton, na região de Badacsony, com área total de 40 ha, onde produz poucas garrafas de um vinho muito peculiar.
Todas as castas hoje em dia utilizadas na viticultura são, pela ação do homem, hermafroditas. Esta variedade, no entanto, é uma exceção e possui plantas machos (Budai Zold) e fêmeas (Kéknyelü), que são plantadas em fileiras posicionadas lado-a-lado para que se faça a polinização.
Suas características são os intensos aromas florais e de pêssego, muita mineralidade e uma acidez elétrica.
Irsai Oliver
Esta desconhecida casta é fruto de um cruzamento de outras duas igualmente desconhecidas: a Pozsony e a Pearl of Csaba. Foi criada por volta de 1930 com o objetivo de ser uma uva de mesa. É variedade de amadurecimento precoce, de alta produtividade, mas que produz vinhos intensamente aromáticos, que lembram a Moscato.
Hárslevelü
Segunda casta mais importante de Tokaji, é ela que empresta perfume à Furmint, constituindo-se as duas no corte mais usual da região. Também é uma casta sensível à podridão nobre. É extensivamente plantada por toda a Hungria, mas os vinhos resultantes têm qualidade bastante variável. Um bom vinho dessa casta é quase oleoso e oferece aromas fumados e condimentados e uma boca robusta.
A tradução de seu nome significa "Folha de tília".
Cserszegi Füszeres
Lembram que a Irsai Olivér é um cruzamento? Pois esta casta de nome impronunciável é, por sua vez, um cruzamento da Irsai Olivér com a Roter Traminer, criado em 1960. Tem como características uma alta produtividade, elevado teor de açúcar e é resistente ao frio, bem ao gosto dos camaradas soviéticos. Seus vinhos têm boa acidez e apresentam toques de especiarias, sendo até mesmo informalmente chamados de "vinhos condimentados" naquele país.
Se vender vinhos húngaros já é difícil, pior ainda é comprá-los no Empório Húngaro, de São Paulo. Cometer um erro, a gente aceita; dois erros já incomodam; três erros em uma simples operação de venda de vinhos já beira o incompreensível; quatro erros, é para matar! Mas o totalmente inaceitável é que a loja erre e queira empurrar as consequências para os ombros do cliente. Vejam só como foi o incrível atendimento que me foi dispensado.
Erro #1
Liguei para o Empório e pedi o catálogo de preços. Imediatamente me enviaram e logo depois coloquei o pedido. Quando me retornaram o orçamento, os preços eram bem superiores aos do catálogo. Liguei e relatei o erro e a primeira resposta da atendente foi bizarra: "O senhor está com uma tabela de preços antiga." Expliquei que ela mesma havia me enviado a tabela no dia anterior. Após mais alguns questionamentos, a atendente detectou o problema: "Por favor, me desculpe, mas eu enviei por engano a tabela de pessoa jurídica. Vou imediatamente enviar a correta."
Erro #2
Logo em seguida chegou a nova tabela de preços e, para minha surpresa, os preços eram os mesmos da tabela anterior. Novamente liguei e dessa vez pedi que os vinhos me fossem vendidos pelos preços informados. Mesmo eu estando com o respaldo do Código de Defesa do Consumidor, a mocinha foi terminativa: "Esse catálogo é para pessoas jurídicas e não há a menor possibilidade de eu lhe vender por esses preços." Decidi, então, dar um carteiraço: identifiquei-me, disse que estava comprando para fazer uma matéria sobre vinhos húngaros e que, se ela não honrasse os valores informados, eu teria de mudar o foco da matéria. Ela tremeu um pouco e disse-me que iria falar com seu chefe, voltando em seguida com a notícia de que os preços seriam honrados, "mas apenas para esta vez!"
Erro #3
A transação foi feita e alguns dias depois recebi os vinhos. Das 9 garrafas que comprei, vieram apenas 8. Mais uma ligação para relatar o problema. A atendente reconheceu o erro, e perguntou se eu queria um crédito ou o dinheiro de volta. Eu disse que queria o vinho.
- "Mas o senhor vai querer pagar outro frete (R$59,60) apenas por uma garrafa?", candidamente, ela se admirou.
- "Eu não, vocês é que erraram, vocês é que vão pagar", retruquei.
- "Sr. Oscar, nós não lhe enviaremos esse vinho de jeito nenhum. Ou é o crédito ou é a devolução do dinheiro.", ela foi novamente definitiva.
É claro que eu não me conformei e fiquei insistindo e me desgastando apenas para receber aquilo que eles haviam vendido e não queriam entregar. Depois de muita briga, finalmente a atendente resolveu enviar a garrafa faltante.
Erro #4
Depois dessas discussões todas, ainda reparei que um dos vinhos, embora anunciado no catálogo como da safra 2011, foi-me entregue da safra 2009. Mas como eu não queria me incomodar mais, resolvi deixar para lá. E fiquei no prejuízo, pois ele já estava em franca decadência e não foi possível aproveitá-lo. Eu só espero que o Empório Húngaro leia essa matéria, reflita sobre suas práticas comerciais e, num surto de honestidade, me envie o vinho da safra correta para eu poder beber.
Foi uma péssima experiência e, apesar de ter gostado de alguns dos vinhos, não sei quando terei estômago novamente para fazer outras compras por lá.
Oscar Daudt
15/10/2012 |
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