
Neste Natal, ganhei de minha querida irmã Neneca um vinho pelo qual eu já tinha, há alguns meses, um olho muito grande: o branco Valentini Trebbiano d'Abruzzo.
Em matéria recente, contei da grande surpresa que foi a escolha de um espumante rosé, da mal-afamada casta País, como o melhor borbulhante do Chile. Pois o meu presente de Natal foi protagonista de uma surpresa muito maior, que causou calafrios e estupefação no mundo vinícola da Itália. Na terra dos Barolos, Amarones, Brunellos e Supertoscanos, um vinho branco, de uma casta normalmente encarada com desdém e proveniente de uma região mais conhecida pela produção de vinhos baratos e inconsequentes, foi escolhido em concurso como o melhor vinho da Itália: branco, tinto ou de qualquer outra cor. Não foram poucos os que consideraram isso uma blasfêmia!
Mas esse não foi um obscuro concurso realizado na porta da igreja de uma cidadezinha murada. Idealizado por Luca Gardini, escolhido como o melhor sommelier do mundo pela Worldwide Sommelier Association, e Andrea Grignaffini, diretor da revista SPIRITO diVINO, o concurso Best Italian Wine Awards contou com uma equipe de jurados composta pelos mais destacados colunistas de vinho italianos, franceses e até mesmo o festejado MW britânico Tim Atkin.
A partir de uma pré-seleção de 160 vinhos, os degustadores escolheram e montaram a lista dos 50 melhores vinhos italianos de 2012. E, na cabeça, o improvável Valentini Trebbiano d'Abruzzo 2007 (confiram ao fim da matéria, a lista completa dos 50 melhores vinhos escolhidos).
Os viticultores da empobrecida região de Abruzzo sempre tiveram dificuldades para produzir e comercializar seus vinhos e agarravam-se à boia salvadora das grandes cooperativas. Com isso, elaboravam vinhos de pouca qualidade, baixíssimo preço, utilizando as castas Montepulciano d'Abruzzo, para os tintos, e Trebbiano d'Abruzzo, para os brancos. Eram vinhos largamente exportados, que colaboravam com a má reputação dos vinhos italianos no mercado internacional.
A grande maioria dos Trebbianos são até hoje vinhos de elevada acidez, corpo raquítico e aromas quase imperceptíveis. Tudo o que os consumidores atuais não aceitam.
Pois em meio a esse cenário desolador, despontou Edoardo Valentini, da Azienda Agricola Valentini, localizada em Loreto Aprutino, conhecido como cientista louco, que com suas experimentações era equiparado por muitos à estatura de monstros sagrados como Angelo Gaia ou Josko Gravner. Com a morte do produtor, em 2006, seu filho Francesco Paolo Valentini, que herdou a sabedoria do pai, continuou trilhando os mesmos passos rumo ao reconhecimento: em 2011, o Gambero Rosso escolheu a Valentini como a Vinícola do Ano. Vamos combinar que não é pouca coisa, não...
Numa Itália - e num mundo - que despreza a condução em latada, a vinícola insiste em manter seus vinhedos com esse antiquado sistema. A Trebbiano tem a tendência natural à super-produção e a latada só favorece essa indesejada abundância. Mas Francesco mantém o rendimento sobre estrito controle, colhendo uma quantidade mínima por planta. A fermentação e o envelhecimento do vinho são feitos em grandes tonéis de carvalho, onde repousam por longo tempo, durante o qual o produtor consegue manter a acidez e extrair mais aromas e sabores da uva. Como exatamente ele faz isso, ainda é um mistério.
Eu não sei se com vocês acontece isso, mas comigo, abrir um vinho caro e com um currículo como o desse, já é meio caminho andado: tudo me indica que vou gostar. E não deu outra: achei o vinho espetacular!
No visual, exibe-se numa cor amarelo-ouro brilhante, nem tão límpida assim. No olfato, explode a mineralidade como a assinatura do vinho. Mas seguem um vivo toque de açúcar queimado, chocolate branco, avelãs e damascos. Quando chega à boca, o vinho encanta com sua deliciosa acidez, sua cremosidade, longevidade e até mesmo alguns toques salinos que só fazem realçar a hiper-estrutura vigorosa que nunca deixaria adivinhar que estamos falando de um Trebbiano. E muito menos de acertar o teor alcoólico: eu apostaria em 14% ou mais, enquanto o vinho prefere ostentar a comportada cifra de 12,5%.
E é mesmo o melhor vinho da Itália? Bem, eu prefiro nem me meter nesse saco de gatos. Não sei como comparar esse vinho com tintos, laranjas ou até mesmo com outros brancos. Só posso dizer que o classifiquei como sensacional e uma das melhores experiências que já tive até hoje. E olha que eu sou um compulsivo consumidor de vinhos brancos...
E onde comprar? Bem, aí é outra história: se você não tem uma irmã tão generosa quanto a minha, sugiro que passe longe dessa garrafa, pois apesar de ser um vinho único e portentoso, o preço é estapafúrdio: 437 reais! É o famoso vinho BBC: Bom, Bonito e... Caríssimo! A importadora é a Decanter, mas sei lá quantos de seus clientes têm condições de encarar uma etiqueta assim tão assustadora.
A classificação geral do concurso |
Oscar Daudt
13/01/2013 |