 
No ano passado, em um jantar no restaurante Sá, o sommelier Luciano Mayworm apresentou-me o Tenute Dettori Renosu Bianco, um vinho natural não safrado, elaborado na Sardenha, que se tornou minha paixão desenfreada ao primeiro gole. Indiquei-o a vários amigos que formaram uma legião considerável de apreciadores fiéis. E o sucesso foi tanto que o vinho esgotou.
Há cerca de um mês, surfando pelas páginas da importadora Decanter, descobri que esse tão querido rótulo tinha um irmão mais velho, safrado e, embora com o preço acima do meu limite auto-estabelecido, não resisti em comprá-lo. E, com certeza, não me arrependi.
Por longos anos, a família Dettori dedicou-se à plantação e à venda de uvas, tendo conquistado um patrimônio vitícola invejável, com vinhedos bastante antigos, alguns com até 120 anos de idade. Mas foi apenas no ano 2000, por insistência do determinado Alessandro Dettori, que seu pai Paolo consentiu que ele passasse a vinificar as preciosas uvas que a família tinha à disposição. E assim nasceu a Tenute Dettori.
A vinícola localiza-se na parte norte da ensolarada Sardenha, na região de Romangia, cujo nome deriva dos romanos que foram os primeiros a levar as vinhas para esse canto perdido da ilha. Os vinhedos estão a 300m de altitude, debruçados sobre o mar Mediterrâneo e, em função dos ventos inclementes que os assolam durante o inverno, a única condução possível é a alberello - ou pequenas árvores - conforme pode ser visto na foto abaixo.
Alessandro é um xiita no que diz respeito à preservação das tradições locais e à defesa dos métodos naturais de produção, sendo considerado pelos italianos como uma de suas vozes mais ativas, posicionando-se lado a lado com nomes como Gravner e Valentini. Para quem começou há menos de 15 anos, está muito bem acompanhado.
A produção da vinícola é pequena, não ultrapassando 45.000 garrafas nos melhores anos, mas impressiona saber que, na safra de 2008, devido a um ataque de fungos, a produção foi de apenas 2.000 garrafas, visto que o produtor recusou-se a utilizar fungicidas para combater a praga: "É melhor perder a produção de um ano do que poluir nossa terra", declara ele sem arrependimentos.
No contra-rótulo de seus vinhos, vem impressa uma desafiadora declaração: "Desculpem, mas nós não seguimos as tendências do mercado e produzimos os vinhos que nós gostamos, conforme nossa cultura. Eles são o que são e não aquilo que vocês gostariam que eles fossem." Peitudo, o rapaz... E acrescenta: "Nossos vinhos não são escravos da lógica de negócios ou de estratégias de marketing."
Eu fiquei entusiasmado com o Dettori Bianco 2011, um vinho elaborado com 100% de Vermentino, com leveduras indígenas, sem filtração nem clarificação e sem adição de SO2. Uma vez fermentado, o vinho repousa longos 30 meses em tanques de cimento.
E o que aparece na garrafa depois de todo esse processo? Um vinho de belíssima cor de ouro velho, luminoso, mas ligeiramente fosco. O produtor aconselha serví-lo a 15ºC e foi o que eu fiz, potencializando os deliciosos aromas de doce de abacaxi, mel, avelãs, erva-doce e caramelo. Como se pode ver, todos os aromas remetem ao doce, mas se assim como eu, você não gosta de doçuras, não se preocupe. Embora a boca não seja exatamente uma "nature", o pouco açúcar residual fica bem integrado ao conjunto, acrescentando uma certa complexidade que é perfeitamente balanceada pela excelente acidez. A textura cremosa, poderosa, com corpo envolvente e muita fruta oferece uma experiência fascinante, em que quase se pode sentir os raios de sol da Sardenha.
E daí, eu recomendo o vinho? Sim, mas só se você estiver com a mente aberta, espírito aventureiro, procurando arriscar em receitas que não seguem a nova ordem mundial de vinhos esterilizados, comportados, que lêem rigorosamente a cartilha. Afinal, se depois de pagar R$151,70 pela garrafa, você estranhar o resultado, seria uma bela de uma frustração se ele não atendesse as suas expectativas.
Oscar Daudt
06/03/2014 |