
Até recentemente, a DOCG Chianti Classico oferecia duas categorias de vinho: o Chianti Classico regular e o Chianti Classico Riserva. Este último era a categoria superior, mas suas determinações eram bastante lenientes. Ficava a critério do produtor rotular o vinho como Riserva: bastava deixar seu Chianti usual amadurecendo um pouco mais e - ecco! - já podia vendê-lo na categoria superior, por alguns euros a mais.

Os produtores mais responsáveis da região passaram então a lutar pelo reconhecimento de uma nova categoria superior, com especificações mais estritas, a fim de valorizar os melhores produtos da região. E, no início deste ano, foi finalmente revelada uma terceira categoria, batizada de Gran Selezione, que pretende mostrar ao mundo o que a tradicional região do Gallo Nero tem de melhor.
No entanto, examinando o comparativo das 3 categorias (figura à direita), nota-se que as especificações da nova classificação são muito tímidas: para as 3 categorias, a região, o corte das uvas, o rendimento e a não-obrigatoriedade de estágio em carvalho são rigorosamente as mesmas. De novidade, aumentou a exigência do teor alcoólico em 0,5 graus, o amadurecimento aumentou em 6 meses e o extrato mínimo aumentou apenas 1 g/l. Vamos combinar que é muito pouco para quem pretende um revolução qualitativa!
Uma das mais significativas mudanças, no entanto, está na obrigatoriedade de que as uvas sejam plantadas na propriedade, o que na verdade é uma surpresa que traz à luz o fato de que a categoria Riserva não tem essa exigência e suas uvas podem ser compradas de outros produtores.
Os críticos da nova classificação chamam a atenção de que as grandes casas, como a Ruffino, com propriedades espalhados por todo o Chianti, podem mesmo misturar uvas de diversas sub-regiões, levando à não-valorização do "terroir" para o Gran Selezione.
Mais importante, ainda, é a nova exigência de que as amostras sejam provadas, às cegas, por uma comissão de notáveis enólogos (Franco Bernabei, Renzo Cotarella, Carlo Ferrini, dentre outros) para estabelecer se elas respeitam a tipicidade procurada pelo Gran Selezione. O vinho deve ter uma grande estrutura, derivada da seleção de uvas e do longo período de refinamento, com marcante harmonia, profundidade e complexidade de aromas.
Em resumo, das 100 amostras submetidas à comissão, apenas 35 foram aceitas para exibir a nova classificação em seus rótulos.
No entanto, voltam os críticos a reclamar que, dentre os vinhos escolhidos, encontram-se por exemplo o do Castello di Ama, com uma produção de 100.000 garrafas e, principalmente, o Ducale d'Oro, da Ruffino, que oferece a estonteante produção de 500.000 garrafas! Com isso, pode-se argumentar que a "selezione" não é tão "selezionata" assim...
O primeiro vinho dessa nova classificação a chegar às prateleiras brasileiras é o Sergio Zingarelli Chianti Classico Gran Selezione 2010, elaborado pela Rocca delle Macìe, a aplaudida vinícola localizada em Castellina in Chianti. Sergio Zingarelli, que dá nome ao vinho, é o proprietário da casa e também o presidente do Consorzio Gallo Nero, que tanto lutou pela implantação da nova categoria.
O vinho foi bem recebido pela crítica, tendo obtido a nota de 95 pontos de James Suckling, o que, para um Chianti, é deveras um grande feito. E o objetivo comercial foi plenamente atingido, pois o vinho está sendo vendido nos Estados Unidos por cerca de 105 dólares (270 reais). Como já se poderia esperar, o preço aqui no Brasil dobra e chega a astronômicos 540 reais, o que o torna um deleite para pouquíssimos apreciadores.
A escolha da Rocca foi cortar 90% de Sangiovese com a inerte Colorino que, como o nome já prenuncia, entra na dança apenas para dar um banho de sangue na desmaiada cor da nobre uva principal. O teor alcoólico é de 13,5% e, considerando-se que a média alcoólica dos vinhos agraciados com a nova classificação é de assustadores 14,25%, conclui-se que Zingarelli foi até discreto neste quesito.
Meu primeiro Gran Selezione |
Por ter organizado para a Importadora Decanter um sorteio desse vinho no EnoEventos, fui presenteado com uma garrafa pelo sommelier Guilherme Correa. Quanta satisfação!
Quando se bebe uma garrafa com tal preço, o prazer já se inicia antes mesmo de abrí-la: o próprio vinho faz a ocasião!
Mas esse vinho não é apenas preço. O complicado nariz explode na taça trazendo notas de cereja, chá e rosas, equilibradas em aromas tostados e terrosos, tornando o vinho uma festa para este sentido. Mas é na boca que a explosão se vulcaniza em uma estrutura poderosa, dificilmente encontrada em Chianti, mas que não esquece de valorizar a fruta. A acidez é excitante e a elegância harmônica vem identificada com a etiqueta de "vocação gastronômica". Ah, esse vinho com uma macarronada tipicamente toscana!
Oscar Daudt
29/11/2014 |