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Itália Decanter |

Apenas os mais velhos irão lembrar de uma das obras-primas de Stanley Kubrick, Laranja Mecânica (A Clockwork Orange), filme inglês lançado em 1971. O roteiro fala sobre a ultra-violência e as estranhas tentativas de domesticá-la e, como todo o filme polêmico, tem seus apaixonados admiradores e aqueles que o odeiam. No Brasil, a ditadura o censurou até 1978 e muitas sociedades viraram o rosto para a crueza exacerbada do filme.
Guardadas as devidas proporções, os vinhos laranjas de Benjamin Zidarich também vivem esse dilema de - utilizando uma expressão muito comum à época do filme - "ame-o ou deixe-o".
Como todos os vinhos laranjas, são elaborados com uvas brancas que permanecem por longos períodos em contato as cascas, extraindo uma cor brilhante e adquirindo os taninos inexistentes em outros exemplares brancos. Com isso, são muito diferentes dos vinhos que costumamos encontrar nas prateleiras. Alguns, como eu, adoram; outros, detestam.
Há cerca de 2 meses, publiquei uma matéria sobre um vinho laranja que comprei no Friuli: o Vodopivec Vitovska 2006 (clique aqui para recordar) e o atento sommelier Guilherme Correa, da Decanter, logo enviou-me, para conhecer, um dos concorrentes desse vinho, o Zidarich, que segundo ele e segundo o Best Italian Wine Awards (clique aqui para conferir) é o melhor Vitovska da Itália. E para me deixar mais contente ainda, o Vitovska veio acompanhado de outro vinho laranja do mesmo produtor, o Malvasia.
Aproveitei a divulgação para convidar alguns amigos a prová-los comigo, em uma comemoração pascoal e... bacalhau. Logo de início, os vinhos conquistaram os convidados, com suas cores lindas, âmbar, luminosas. Na foto acima, o mais claro, à esquerda, é o Malvasia e o outro é o Vitovska.
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Segundo o recente livro de castas de Jancis Robinson, os modernos exames de DNA mostraram que os diversos tipos de Malvasia - e são vários: de Candia, do Piemonte, Bianca Lunga, do Lazio, de Lipari, Fina e muitas mais - são "variedades geneticamente muito diferentes e não têm, normalmente, uma origem comum". Portanto, quando eu afirmo que não sou um fã fervoroso dessa uva, estou cometendo uma impropriedade científica. De qual delas eu não gosto?
Bem, com certeza, este vinho me fez gostar, e muito, da Malvasia Istriana, a variedade que o elabora em 100%. Originária da península de Ístria, no noroeste da Croácia, é uma das castas brancas mais difundidas no Friuli.
A cor do vinho, um laranja comparativamente mais claro, quase um dourado, era linda, mas com uma certa turbidez. Os aromas eram fantásticos, elegantes, com pêssego, abacaxi, mel e erva-doce se destacando em alta mineralidade e fazendo a gente pensar o porquê de essa casta ter esse nome quando não tem os exageros aromáticos que caracterizam as malvasias. Mas o melhor ainda estava por vir, com um boca bem seca que atacava com deliciosa acidez, cremosidade quase oleosa, discretos taninos e boa persistência. Campeão!
Só assusta quando se confere a etiqueta de preço: R$237,60!
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A casta Vitovska nasceu na fronteira do Friuli com a Eslovênia, na sub-região do Carso e é carinhosamente apelidada de Malvasia com ponto, pela marquinha preta que possui na base do bago. É resultado do cruzamento natural das variedades Prosecco e Malvasia Bianca Lunga. Durante o século XX, ela praticamente desapareceu, quando então, por volta de 1980, foi salva da extinção por visionários vinicultores da região.
Como esse vinho tinha a cor mais profunda, muito mais alaranjado do que o Malvasia, o escolhemos para ser o segundo a ser servido. E foi um certo anti-clímax - se é que isto seja possível com vinhos dessa categoria - pois a cor prometia, o nariz era encantador, mas na boca era bem mais discreto do que o outro. Os aromas de grapefruit, de caramelo e de flores brancas eram de fazer a festa, mas quando chegava à boca, a acidez era mais baixa, o corpo era bem menor e o tempo de persistência bem mais curto. Mas não me interpretem mal: se ele tivesse sido provado antes do Malvasia, faria bonito. Mas como escolhi mal a ordem, o coitado ficou prejudicado... Ainda assim, é um vinhaço!
Dos dois vinhos, a opinião unânime foi de que o Malvasia era bem melhor. Como os dois custam a mesma coisa (R$237,60), se a carteira estiver recheada, minha recomendação seria escolher o Malvasia. A cor não é tão linda quanto a do Vitovska, mas é um espetáculo!
Oscar Daudt
31/03/2013 |
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